Autismo e Futebol: acessibilidade e inclusão de torcedores autistas
Você já deve ter escutado que um conhecido tem um amigo autista. Mas e você? Conhece alguém próximo que foi diagnosticado com TEA (Transtorno do Espectro Autista)?
Por Rodrígo Olivêira
Autismo
O Transtorno do Espectro Autista, segundo o Ministério da Saúde “é um distúrbio do neurodesenvolvimento caracterizado por desenvolvimento atípico, manifestações comportamentais, déficits na comunicação e na interação social, padrões de comportamentos repetitivos e estereotipados, podendo apresentar um repertório restrito de interesses e atividades.”
Com esta breve conceituação do que é o TEA, é preciso destacar uma característica marcante e que é um tsunami de serotonina para um Autista: o Hiperfoco.
O hiperfoco e o futebol
O hiperfoco nada mais é que um interesse intenso e altamente focado em um ou mais assuntos. Dentre eles, o futebol pode ser um assunto de interesse do autista.
Segundo Letícia, mãe do pequeno Brenno, de 9 anos, nível 3 de suporte e fundadora do Autista de Aço do Bahia, o filho assiste a qualquer jogo de futebol, mas o hiperfoco dele é a apresentadora e jornalista esportiva baiana Juliana Guimarães. Letícia conta que eles já se conheceram e que ele assiste a vários vídeos dela.
Além dele, Letícia tem outros dois filhos, Yasmin, de 14 anos, autista nível 1 de suporte e que é hiperfocada nos jogos do Bahia, e João Levi, de 10 meses, que tem deficiência auditiva e que já pronuncia o nome do Bahia.
Na mesma linha de Brenno, e com diagnóstico tardio, a estudante de História, Mari Garcia, de 25 anos, é autista nível 1 de suporte e fundadora da torcida TEA do Palmeiras. Ela também considera que a sua relação com o futebol se dá por ser um dos seus hiperfocos.
Inclusão e igualdade
Assim como toda e qualquer deficiência que o ser humano possa vir a ter, se faz necessário a inclusão dessas pessoas para que possam conviver em sociedade. No campo do Direito, existe uma máxima do Princípio Constitucional da Igualdade: “Dar tratamento isonômico às partes significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades”.
Ou seja, por mais que haja algum PcD com uma deficiência visível ou não, que se diferencie dos demais não PcD, é preciso tratá-los de forma igual na medida da sua deficiência. Por exemplo, nenhum cadeirante é igual a uma pessoa sem a deficiência física visível, mas ele deve ser tratado de forma igual para que tenha acesso aos mesmos lugares, direitos e deveres daqueles que não são cadeirantes.
E esse é um dos papéis que as torcidas TEA existentes Brasil afora vêm fazendo para com seus torcedores mirins ou já grandinhos. Seguindo esse propósito, a Torcida Organizada Autistas da Ilha, do Sport de Recife, surgiu no meio da pandemia, pendurando no alambrado a bandeira do Autismo com o lema “Uma Razão para Viver”.
Segundo Eduardo Pedrosa, fundador do Autistas da Ilha e Conselheiro do Sport, um dos objetivos é “levar os autistas aos estádios de futebol, fazer saber que ali é seu lugar também, mesmo com dificuldade de barulhos, tumulto e muitas outras coisas sensoriais”. É um desafio diário e hoje estamos colhendo o que um dia lá atrás plantamos, ver famílias levando seus filhos aos estádios, compartilhando conosco esse momento mágico e maravilhoso”.
Ainda de acordo com Pedrosa, foram os amigos que acolheram o pequeno Daniel e que “graças a Deus ele é muito bem recepcionado e muito bem quisto. Ele é muito bem acolhido, então, ele se sente muito bem. Ele sabe que eu tenho só amigos antigos de 20 anos atrás 25 anos atrás e amigos novos que tem o respeito e conhece a minha história da torcida”.
O papel terapêutico e social do futebol
Para uma família atípica (nome dado à família cujo familiar esteja no espectro do autismo), a preocupação em como o seu filho vai reagir com os diversos estímulos dentro de um estádio de futebol, pode ser desafiador. Mas, o hábito de inclusão pode ocasionar em avanços na vida do autista.
Walter Azevedo, pai de Lucas e fundador da torcida TEA Fogo Serrano do Botafogo, diz que: “meu filho (aos 6 anos de idade) não abraçava ninguém, o barulho incomodava ele demais. Ele não tinha e não gostava de ter contato com outras pessoas. Quando eu fiz em minha casa a sede do Fogo Serrano, a gente começou a fazer reunião e ele começou a participar, vindo aos poucos”. Ele ainda completa: “na última vez que fomos ao estádio, ele não ligou pros fogos, pra você ver como ele foi amadurecendo esse lado”.
Monike Lourinho, fundadora do Autistas Flu do Fluminense, conta que o pequeno Fred (nome em homenagem ao jogador Fred Guedes) teve avanços em sua socialização indo aos jogos do Tricolor das Laranjeiras. Ela conta que: “as idas ao estádio do Frederico, além dele ter um avanço na parte social com outras pessoas que ele não convive, ele desenvolveu muito a fala por conta das músicas do Fluminense e conhecimento até mesmo do esporte”.
Para a psicóloga Nathália Blohem, “uma atividade que está ligada ao seu bem-estar, sua saúde física e mental, sendo aspectos que lhe trazem conforto emocional e/ou prazer de certa forma, é algo terapêutico, como é o caso de assistir um jogo em um estádio”.
Ela ainda completa: “A ida aos estádios sendo um momento terapêutico, pode causar estímulos positivos e acarretar melhorias nas demandas de portadores do TEA. Se é uma atividade momentânea que envolve pensamentos, emoções, interação social, formas de comunicação, a tendência é obter evoluções comportamentais significativas, de acordo com cada caso”.
Desde 2019, o Esporte Clube Bahia tem feito ações voltadas à conscientização sobre a temática do autismo. O clube já chegou a utilizar em suas camisas o laço símbolo do autismo nos anos de 2019 e 2021.
Acessibilidade nos estádios
Atualmente, há dois estádios com salas já prontas para receber torcedores TEA, que são a Neo Química Arena, do Corinthians, e o Couto Pereira, do Coritiba, que foi viabilizado com os recursos arrecadados em leilão de camisas do clube e doações de empresas parceiras.
Wallace de Lira, membro do Autistas Alvinegros do Corinthians, afirma que o espaço TEA na Neo Química Arena “é um espaço cômodo, revestido e com uma acústica muito boa para quem tem hipersensibilidade auditiva, no caso de crianças, há instrutoras preparadas para lidar com pessoas no espectro.”
Já no Couto Pereira, a Hilary Caroline, mãe do Arthur de 2 anos, que também é membro da torcida TEA Autistas Alviverdes Coritiba, fala que: “A sala tem 08 vagas, o agendamento é 48 horas antes do jogo. Sempre que eu posso, tento levar ele lá, pois ele fica bem mais tranquilo e a vontade. Mas também tento levar ele na arquibancada para dar oportunidade a outros pais conhecerem.”
A psicóloga Nathália Blohem reforça a importância desses espaços para os torcedores TEA: “a inserção de espaços favoráveis, como por exemplo um certo nível de isolamento acústico que auxiliem na redução do barulho excessivo presente nos jogos e a existência de um acolhimento por diferentes áreas profissionais capacitadas a realizar atividades adaptadas ao público específico, a tendência positiva é existir uma evolução na barreira da dificuldade de interação social e a tentativa de garantir um respeito igualitário a qualquer outro torcedor com a vontade de estar ali presente pelo seu time.”
No entanto, nem tudo são flores, tanto que os entrevistados das torcidas TEA do Bahia, Sport, Fluminense e Botafogo, foram unânimes em dizer que não há acessibilidade na Ilha do Retiro, Arena Fonte Nova, Maracanã e o Estádio Nilton Santos.
Monike Lourinho, conta que idealizou a torcida TEA a partir da experiência desagradável em ter sido retirada do local em um jogo no Maracanã quando Frederico não estava se sentindo bem no local, mesmo com abafador.
O repórter tentou entrar em contato com a Arena Fonte Nova para falar sobre a acessibilidade do Estádio que já recebeu uma Copa do Mundo e Olimpíadas, mas não obteve retorno hábil para entrevista até o fechamento da matéria.
Autista no futebol
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Na última terça-feira (28/03), o jogador da Seleção Irlandesa James McClean, 33, revelou o seu diagnóstico de autismo em suas redes sociais.
Segundo o atleta, o diagnóstico veio após estudar bastante sobre a temática e perceber traços parecidos com a sua filha, Willow-Ivy. Com isso, ele fez a avaliação e foi diagnosticado com TEA.
Nas redes sociais, ele desabafou que quanto mais ele e a esposa Erin aprendiam sobre o Autismo, mais ele se identificava com a filha: “Vejo tantos pequenos traços nela que vejo em mim, então decidi fazer uma avaliação de TEA”.
Ele ainda completa que fez isso pela filha, “para que ela saiba que eu entendo e que ser autista não vai e nunca deve impedi-la de alcançar seus objetivos e sonhos. Garota do papai”.
Conheça outras Torcidas TEA:
@autistasdeacooficial (Esporte Clube Bahia)
@autistasdailha (Sport PE)
@autistasflu (Fluminense RJ)
@grenautistas (Caxias do Sul)
@autistasfuracao (Athlético PR)
@fogoserranorj (Botafogo RJ)
@soutricolorautista (São Paulo)
@autistasdoarruda (Santa Cruz PE)
@autistasrn (Flamengo RJ)
@autistasalviverdes (Palmeiras SP)
@autistasalviverdescoritiba (Coritiba PR)
@autistasalvinegros (Corinthians SP)
Esta matéria foi escrita pelo baiano Rodrígo Olivêira, diagnosticado com Autismo Nível 1 de suporte, aos 29 anos. Ele é Bacharel em Direito e Graduando em Jornalismo.