Por Luiz Vieira

Mensagens que antigamente eram respondidas rapidamente, vão diminuindo a frequência. Os sinais sempre estão presentes, mesmo que muitos queiram se enganar. Os finais de semana começam a não ser mais tão interessantes e aquela coisa de construir uma vida juntos, vai perdendo sentido. É exatamente neste momento que as brigas se tornam cada vez mais frequentes. A presença do outro passa a se tornar um incômodo.  A rotina vai perdendo a empolgação e, quando percebemos, aquela pessoa – que acreditávamos ser A PESSOA – vai embora. O que fica? Um sentimento vazio.

O espetáculo “Diga Que Não Me Conhece”, protagonizado pelo ator e dramaturgo Vinicius Aguiar, busca dar conta dessas questões a partir de uma livre adaptação do homônimo romance de Flavio Cafiero, de mesmo nome, no qual a peça é inspirada. O espetáculo ainda conta com a direção da excepcional Ester Laccava, que também assina a dramaturgia da montagem ao lado de Aguiar que estreou no dia 1º de outubro no Teatro Itália, que fica no Edifício Itália, cartão postal da Cidade de São Paulo, com sessões às terças e quartas, às 20h, e domingos às 19h. 

“Eu acho de total relevância contar, trazer à tona a questão da homoafetividade sobre a história de um homem entrando na meia idade e os dilemas que envolvem o amor, a afetividade, o sexo, o envelhecimento, ser gay nos dias atuais cercado de aplicativos”, reflete Aguiar sobre o espetáculo. 

Foto: André Arthur

Sobre o enredo da peça

A obra explora a dinâmica das relações de amor, sexo e amizade na intensa cidade de São Paulo nos anos 2020, com um foco particular nos desafios enfrentados por pessoas LGBTQIA+ acima dos 40 anos, perfil do personagem central. Essa geração, que viveu em uma época na qual assumir sua identidade ou falar abertamente sobre o amor, era visto como tabu. Agora, com o fenômeno dos aplicativos e da liberdade nas relações tão extrapoladas, quanto rarefeitas, se depara com um estranhamento sobre como ser e amar. 

Em um mundo de relações superficiais, hiperconexão e liberdade contraditória, o espetáculo retrata a solidão e as migalhas emocionais que sobram, na busca por reconstruir a vida em uma metrópole que oferece tudo e, ao mesmo tempo nada, vivida por Tato, o protagonista, deixado pelo namorado, um grande amor, que precisa redesenhar sua história na cidade, cercado de novos personagens que adentram em sua vida. A narrativa se desenrola em um edifício emblemático no centro de São Paulo, onde o personagem central, interpretado por Aguiar, tenta refazer sua vida. O solo, dirigido por Ester Laccava, é repleto de reviravoltas e envolve o público em uma conversa íntima sobre as complexidades das relações modernas, sobre afetos queer.

Ao FODA, o ator e dramaturgo fala sobre sua relação com o texto de Cafiero, a direção de Ester e como essa pauta precisa ganhar mais hologote dentro da comunidade LGBTQIAPN+, que ainda celebra a juventude como se um dia todos não fossémos envelhecer.

“As andorinhas são os animais mais felizes do mundo. Muito triste ver o animal mais feliz do mundo em pedaços. O mais feliz. As andorinhas explodem todo começo de dia, e também no fim da tarde, aquela coreografia absurda e exata demais num ser com um espaço tão ridículo para os miolos. Fazem a farra”.

Foto: André Arthur

Com vocês, Vinicius Aguiar

1 – Por que a obra de Flavio Cafiero te chamou tanto atenção, e por que levar este tema para os palcos é tão importante? 

A história do Tato e a narrativa escrita pelo Flavio Cafiero no “Diga Que Não Me Conhece” me chamou a atenção já nas primeiras páginas. Eu ganhei o livro de presente de uma amiga, e já na terceira página lendo o livro em voz alta, eu tenho esse costume de ler o livro em voz alta por ser ator e autor, eu comecei a perceber que as palavras do Flavio, elas se encaixavam muito bem na minha boca. Eu tive uma identificação imediata com o personagem central da trama, o Tato, um homem de um pouco mais de 40 anos, um homem gay, um alter ego do próprio autor, que vive que é que se muda para morar nos Campos Elíseos, na região central, que é a mesma região onde eu moro, um homem que vem de outra cidade viver em São Paulo e tem assim esse maravilhamento pela pela cidade de São Paulo, o mesmo que aconteceu comigo. E essa narrativa totalmente contemporânea, ágil, com a história começa a ser contada de uma forma e, de repente, entra uma outra lembrança do personagem que é atravessada com uma com um outro momento da vida dele e essa essa história contada é quase que entre aspas. E essa história desconfigurada, cheia de imagens e personagens interessantes e atraentes, foi o que me chamou a atenção e despertou quase que de imediato o meu desejo em levar para os palcos o ‘Diga Que Não Me Conhece’.

2 – Como surgiu essa aproximação com o Flavio Cafiero e a Ester Laccava?

Eu tenho profunda admiração e respeito pelo trabalho da Ester como atriz, como diretora e como dramaturga. Para mim ela é um dos grandes nomes das artes cênicas do Brasil e sempre tive um desejo em trabalhar com ela. Ela foi de cara o primeiro nome que pensei em convidar para dirigir essa montagem, pela sensibilidade, por esse olhar, entre aspas, rock and roll da Ester no que diz respeito a encenação e a dramaturgia e na forma precisa com que ela dirige. A si própria e aos atores em seus trabalhos. Eu queria ser dirigido por uma pessoa que tivesse esse rigor do movimento, essa imaginação expandida e esse repertório cultural tão amplo e sofisticado como a Ester tem, que eu acho que casa muito bem com a maneira como o Flavio Cafiero costura a história desse livro, carregada de imagens, carregada de movimento, carregada de sons, carregada de filtros e de camadas que a Ester conseguiu de uma forma muito especial, muito sensível e muito precisa transpor tanto na adaptação do livro que fizemos em parceria, eu e ela, tanto na adaptação do livro para a linguagem dramatúrgica quanto na direção. 

Foto: André Arthur

3 – Você acredita que as pautas LGBTs avançaram no Brasil? 

Eu acho de total relevância contar, trazer à tona a questão da homoafetividade sobre a história de um homem entrando na meia idade e os dilemas que envolvem o amor, a afetividade, o sexo, o envelhecimento, ser gay nos dias atuais cercado de aplicativos, essa condição de um home  gay que estar a porta da meia idade e tendo que se adequar, dançar conforme a música, do que está sendo imposto em 2024. A esses formatos de relacionamentos abertos, as relações que exigem pouco aprofundamento, as relações ditadas através dos algoritmos, através dos aplicativos, a solidão exacerbada, e como as relações se dão hoje, que são tão trágicas quanto cômicas. Contar essa história com leveza, mas também com a dureza que esse personagem Tato passou. Em uma montagem com a trilha sonora, com canções do LCD Soundsystem, com a trilha sonora assinada pelo Otávio Ferraz, com canções do LCD Soundsystem, e com essa direção nervosa, rock’n’roll, uma proposta pela Ester Lacava, nós queremos tocar o coração de quem assistir, sejam pessoas LGBT+ ou não, nós queremos tocar forte o coração das pessoas e buscar uma proximidade, a gente está contando uma história de amor nesses tempos. 

O espetáculo “Diga Que Não Me Conhece”, estrelado por Vinicius Aguiar e dirigido por Ester Laccava, está em cartaz no Teatro Itália (Av. Ipiranga, 344, São Paulo) até 27 de outubro, com sessões aos domingos às 19h, e às terças e quartas às 20h. A peça tem duração de 60 minutos e classificação indicativa de 16 anos. Ingressos estão disponíveis por R$ 60 (inteira) e R$ 30 (meia-entrada) na bilheteria do teatro e via Sympla. A realização é da Futuro Produções.