Ativistas reagiram a uma COP excludente e cheia de impasses políticos: “estamos vendo vocês”
Apesar das dificuldades impostas pelo evento, a sociedade civil reafirmou a urgência das pautas ambientais e exigiu a tomada de providências mais efetivas
Por Júlia Machado, da Cobertura Colaborativa NINJA na COP26
Protestos e intervenções culturais marcaram os 13 dias da 26ª edição da Conferência pelo Clima da ONU (a COP26). Entre as reivindicações que apareceram ao longo de toda o evento, ativistas destacaram a falta de transparência e a exclusão da população na tomada de decisões.
Isso porque, nos primeiros dias da conferência cada organização só podia levar dois representantes ao passo em que as negociações aconteciam de forma simultânea em cerca de seis salas diferentes. Além disso, os gabinetes, as estações de trabalho e os espaços de alimentação foram vetados para os observadores, impedindo que as organizações fizessem contato com os agentes de negociação.
As negociações costumam permitir a presença de observadores que não têm poder de decisão, mas fazem intervenções e ajudam a manter a transparência. A dificuldade de conduzir o evento em meio à pandemia de Covid-19 seguindo as regras de saúde pública foi a justificativa usada pelo governo britânico para as restrições, mas reduzir a participação de populações diretamente afetadas pela crise climática pode gerar acordos insuficientes para mitigar as consequências da crise.
Lobistas em Glasgow
No entanto, as medidas restritivas parecem se aplicar apenas à população, a ONG Global Witness destacou a participação de 503 lobistas de combustíveis fósseis nas negociações de Glasgow.
Se formassem uma delegação de país seria a maior da conferência (possui 24 integrantes a mais que a maior delegação, a dos Estados Unidos), com mais de 100 empresas representadas, os lobby é maior que a soma de 8 delegações dos países mais afetados pela mudança climática nas últimas décadas (são eles: Porto Rico, Mianmar, Haiti, Filipinas, Moçambique, Bahamas, Bangladesh e Paquistão).
Em entrevista para a MÍDIA NINJA em Glasgow, o ativista climático e oficial de programas de Justiça Climática da Open Society Foundations, Iago Hairon, destacou a dificuldade de participação em momentos decisivos de formulação de acordos da COP26.
“Existem quase 12 mil delegados da sociedade civil aqui que não podem acessar as salas de negociações, principalmente os delegados da sociedade civil do globo Sul que fizeram um esforço enorme para estar aqui”, critica. “A partir do momento que você cria corredores, lugares de almoço e lugares de descanso só para os negociadores, você literalmente tira todo o espaço da sociedade civil de engajamento ‘corporal’ com esses negociadores”, completa o ativista.
A distribuição desigual de imunizantes, o limite de viagens e o alto custo do deslocamento foram alguns dos complicadores que as organizações enfrentaram para participar do evento. A equipe da conferência tentou driblar a exclusão popular com a criação de uma plataforma online de transmissão dos trabalhos, mas não funcionou para reduzir as críticas já que o acesso virtual apresenta muitas falhas, a começar pela tradução, só para o inglês.
Problemas de acessibilidade também repercutiram, caso da ministra de Energia israelense, Karine Elharrar, que não pôde comparecer à conferência climática COP26 devido à falta de acesso para cadeiras de rodas. O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, anfitrião do evento, se desculpou pessoalmente.
Ativismo
Apesar das dificuldades impostas pelo evento, a sociedade civil reafirmou a urgência das pautas ambientais e exigiu a tomada de providências mais efetivas. O posicionamento foi reforçado por inúmeras ações de ativismo que mudaram o cotidiano de Glasgow e que foram pulverizadas por outras regiões do planeta.
O movimento internacional Extiction Rebellion destacou-se nesse sentido. O grupo tem o objetivo de unir a sociedade internacional na tentativa de deter a extinção em massa e minimizar o risco de um colapso social. Os ativistas estiveram presentes em todos os dias da COP26 denunciando governos negacionistas e que atuam na contramão das medidas para mitigar a crise climática. Empresas que financiam o mercado de combustíveis fósseis também entraram no radar da Extiction Rebellion que organizou manifestações em frente a bancos exigindo o fim do financiamento a empresas que contribuem para o desmatamento e empreendimentos de combustíveis fósseis.
Entre dinossauros infláveis, marionetes gigantes, ativistas pintados e líderes mundiais em uma banheira encharcados de tinta vermelha, a população passou uma mensagem clara de que vai vigiar e continuar a exigir dos governos e empresas posturas mais responsáveis e efetivas contra a crise do clima. ONGs e instituições como Red Rebel Brigade (Brigada Rebelde Vermelha), Ocean Rebellion, Fridays For Future e articulação de grupos indígenas, como a Apib (articulação de Povos Indígenas do Brasil), marcaram presença levando informação e conscientizando a sociedade sobre a urgência de tomadas de decisões práticas.
Em momentos de restrições de participação para os países mais afetados e ampla presença do setor fóssil na conferência para a mudança climática, ativistas e organizações sociais não deixaram a população esquecer que o lucro ainda fala mais alto e enquanto não houver uma mobilização social forte em torno da pauta ambiental, muitos continuarão a sofrer as consequências das ações praticadas por poucos.
A @MidiaNinja e a @CasaNinjaAmazonia realizam cobertura especial da COP26. Acompanhe a tag #ninjanacop nas redes!
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