por Angel Duarte

Nos dias 13 e 14, o Ministério Público Federal (MPF) sediou o Tribunal dos Povos contra o Ecogenocídio, realizado durante a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30). Com a apresentação de casos a um júri simbólico, o espaço reuniu principalmente denúncias contra a iniciativa privada e o poder público, relacionadas a grandes empreendimentos desenvolvimentistas que desconsideram a presença e os direitos das populações que vivem nos territórios impactados, culminando no encaminhamento das denúncias a instâncias jurídicas.

As apresentações ocorreram no dia 13, momento em que foram expostos casos de grande gravidade no Brasil e em outros países. Ativistas de Bangladesh, por exemplo, denunciaram o Projeto Florestas e Meios de Subsistência Sustentáveis (SUFAL), implementado em 28 distritos com financiamento do Banco Mundial.

Eles pedem que tanto o banco quanto o governo bengali sejam responsabilizados pelos danos causados ao território.

Segundo os autores da denúncia, o processo foi conduzido sem a realização de consulta livre, prévia e informada às populações locais e sem enfrentar as causas estruturais do desmatamento, em desrespeito a princípios internacionais e à própria Constituição do país.

Durante o julgamento, uma liderança da comunidade bengali — que não pode ser identificada por questões de segurança — apontou diversos danos sofridos pelas comunidades: expulsões forçadas, perda de territórios ancestrais, endividamento e perseguição judicial, além de impactos diretos sobre a segurança alimentar e práticas culturais.

“Nós, povos indígenas, somos os verdadeiros donos dessas florestas. Temos conhecimento tradicional desses territórios, mas fomos ignorados”, declarou o ativista autoexilado.

Entre as denúncias, também constam a remoção de famílias com a justificativa de promover o ecoturismo e a substituição de espécies nativas por plantas exóticas. A liderança cita que cerca de 10 mil pessoas foram diretamente afetadas.

O Tribunal

A vereadora quilombola de Salvador (BA), Eliete Paraguassu (PSOL), integrou o júri e destacou a importância da iniciativa popular: “É um momento histórico, um gesto de sabedoria promover esse tribunal, mas também de trazer o povo da floresta, das águas e da terra para este espaço, que não é suposição: é vivência, é realidade”.

O Tribunal reúne 21 casos de ecogenocídio, divididos em três eixos: Falsas Soluções Climáticas, Grandes Empreendimentos e Violência no Campo. Seu objetivo é dar visibilidade às injustiças e ameaças sofridas por comunidades tradicionais, garantindo que haja julgamento por júris formados por ativistas ambientais — entre eles indígenas, quilombolas e povos tradicionais.

Ivamar dos Santos, ativista do movimento negro, ressaltou o papel desses eventos paralelos à COP: “As grandes decisões acabam sendo tomadas por quem tem acesso à Green Zone e à Blue Zone, mas é aqui fora que o povo fala, que mostramos onde nossos direitos estão sendo negados”.

Sentenças

Após a apresentação dos 21 casos, foi proferida sentença.

Em razão das similaridades entre as denúncias, a decisão responsabiliza o Estado brasileiro, junto a outros países, por promover violações contínuas aos direitos das comunidades, incluindo apropriação da natureza e priorização de interesses privados em detrimento dos direitos coletivos e territoriais.

Como medidas reparatórias, determina o reconhecimento dos direitos sobre os territórios; a garantia da consulta livre, prévia e informada; o respeito aos protocolos comunitários e ao direito de veto; e a revogação de projetos ou políticas que impactem diretamente as comunidades sem a devida consulta. Exige ainda a imediata regularização e demarcação das terras indígenas.

A sentença foi apresentada ao final do Tribunal por um conselho composto por lideranças indígenas, quilombolas, pesquisadores, juristas e defensores dos territórios. Além dos Estados, mais de 800 empresas foram responsabilizadas por danos socioambientais — entre elas ADM, Cargill, JBS, Enel e Norte Energia — assim como instituições financeiras nacionais e internacionais que as financiam, como o BNDES e o Banco Mundial.