Por Lilianna Bernartt

No novo filme de Caco Souza, conhecido por trabalhos como 400 contra 1 e O Faixa Preta, a protagonista carrega o peso simbólico do próprio título: Atena (Mel Lisboa) é uma mulher marcada por um passado de abuso sexual na infância que decide fazer justiça com as próprias mãos. Transformando a dor em ação, ela organiza um tribunal paralelo para punir agressores que escaparam do alcance da lei. A estrutura é de vigilante justice, mas a promessa de um thriller provocador se perde na execução.

A trama se intensifica com a entrada de Carlos (Thiago Fragoso), jornalista investigativo que descobre tudo e começa a acompanhá-la, até que Atena resolve confrontar o pai em Montevidéu, reabrindo feridas profundas e tensionando os limites da sua cruzada punitiva. Na teoria, o filme tem como base uma história com potencial, que abre espaço para debates urgentes e necessários, da justiça restaurativa à ética da vingança. Na prática, porém, apenas toca nesses temas com superficialidade, como se a simples enunciação fosse o suficiente.

Atena se apresenta como manifesto, mas tropeça na falta de elaboração estética e de densidade narrativa. Em vez de criar camadas dramáticas para sua protagonista ou complexificar seus dilemas morais, o filme opta por uma abordagem direta e expositiva, com personagens que mais declaram do que conversam, mais enunciam do que atuam. O que poderia ser um retrato íntimo da dor se transforma em um espetáculo didático, em que a indignação não se traduz em forma, mas em slogans mal encenados.

Visualmente, o longa entrega uma estética genérica: paleta escura, câmera tremida, trilha tensa e dramática — tudo sem articulação com o conteúdo. Há uma tentativa de sofisticação, mas ela soa mais como um exercício de estilo mal digerido do que como uma proposta estética consistente. Falta intenção no olhar e sobra artificialidade no gesto.

As personagens existem mais como alegorias do que como sujeitos dramáticos. São parte de um cenário calculado, que reafirma a ideia de que o filme quer ser “importante” sem conseguir, de fato, se sustentar.

Mel Lisboa se entrega à personagem com esforço visível, mas luta contra um entorno sem nuances: os antagonistas são caricaturas de vilões machistas, com modus operandi previsível e repetitivo. A cada cena, o filme parece se esforçar para preencher o silêncio, a ambiguidade, a dúvida, optando sempre pela martelada, pela frase de efeito, pela obviedade.

O resultado é um cinema que grita, faz barulho, mas não reverbera. Um filme que quer denunciar, sem construir. Que pretende provocar, mas não tem escuta.

No fim, Atena parece confundir urgência com pressa, política com panfleto, revolta com retórica. Ao abandonar a dramaturgia em nome da mensagem, o filme abdica da arte — e entrega apenas um julgamento apressado, repleto de clichês e esvaziado de complexidade. Uma oportunidade perdida diante de assuntos que se fazem cada vez mais urgentes de serem vistos em tela.

Entretanto, é possível perceber sua intenção válida: chocar o espectador diante de tanta barbárie. Poderia até cumprir esse propósito, se não acompanhássemos essa barbárie diariamente nos noticiários. Cada vez mais, salta aos olhos, e à vivência, a urgência por novas proposições de mudança, de diálogo, de discussão acerca da complexidade do assunto e de possibilidades concretas de redes de apoio e medidas de resgate.

Não se trata de exigir que todo filme ofereça uma solução utópica ou respostas definitivas. Mas, diante da violência cotidiana, é necessário ir além da constatação. É preciso propor reflexão, abrir caminhos, instaurar diálogo. Caso contrário, continuaremos apenas reafirmando o óbvio: que a violência e a impunidade andam de mãos dadas, e seguem se agravando.

E o óbvio, sem forma, acaba sendo só ruído.