“As redes sociais salvaram minha vida”, conta Rosa Luz em entrevista à NINJA
Cantora de rap em Brasília (DF), estudante de Teoria, Crítica e História da Arte pela Universidade de Brasília, Rosa Luz é hoje o que muitos consideram uma digital influencer. Em outros tempos, o título ainda estava distante dos nomes mais notáveis do mundo transexual. Coordenando o canal Barraco da Rosa onde abre diálogo sobre temas […]
Cantora de rap em Brasília (DF), estudante de Teoria, Crítica e História da Arte pela Universidade de Brasília, Rosa Luz é hoje o que muitos consideram uma digital influencer. Em outros tempos, o título ainda estava distante dos nomes mais notáveis do mundo transexual. Coordenando o canal Barraco da Rosa onde abre diálogo sobre temas diversos, sobretudo a transexualidade, Rosa Luz diz que as redes sociais e o contato com “outras galeras” salvaram sua vida e a de muita gente.
Veja aqui a coluna de Rosa Luz publicada no Dia Nacional da Visibilidade Transexual.
Em mais uma entrevista a Mídia NINJA, Rosa nos recebeu em sua casa, no Gama (DF), onde também grava os vídeos para seu canal. Ela fala sobre outros temas que estiveram em voga no debate sobre a transexualidade.
Esse é o mês da visibilidade trans. Você acha que temos o que celebrar?
Pra mim é o momento pra gente pensar tanto positividades quanto negatividades, como a sociedade trata as pessoas trans. Tem algumas conquistas que a gente pode celebrar, como o ambulatório trans que inaugurou há 6 meses em Brasília. Pra mim é uma conquista que vem por conta da luta do movimento trans em Brasília e que tem trazido positividade pelo menos pra mim, que agora tenho uma estrutura pra cuidar da minha saúde mental.
Mas quando a gente para pra pensar, o preconceito ainda está aí, ainda existe, a informação sobre transexualidade ainda é pouca. Eu fui no google e pesquisei “travesti morta”, e tem no mínimo 7 matérias sobre travestis que foram mortas esse ano, em 2018. Uma delas foi morta hoje. Esse é o rolê. É uma luta que não pode parar e não é suficiente ter uma figura na mídia com visibilidade… é preciso cada vez mais pessoas terem visibilidade, falando e ocupando espaços.
Você é uma pessoa que teve grande notoriedade também pelas mídias sociais, como muitas outras trans que estão conseguindo hoje mais visibilidade. Você acredita que as mídias sociais são um canal de protagonismo e empoderamento que pode fortalecer as pessoas transexuais?
Com certeza. Quando a gente pensa nas redes sociais, a gente está pensando em uma mídia que é alternativa. Nesse sentido a gente consegue ver muitas expressões nas mídias sociais que são muito mais plurais do que há nas mídias tradicionais. A TV está falando sobre transexualidade? Questões LGBT? Tá falando, eu acho legal, mas às vezes eles abordam de maneira atrasada, satírica, objetificante. Nas redes sociais o debate caminha de maneira mais rápida e mais fluida. Eu estou lá, tem a Leandrinha, várias outras manas trans e travestis que estão fazendo várias coisas nas redes sociais, de música a teatro, vlogs. Isso pra mim é muito forte.
Quando eu estava no começo da minha transição, não tinha muito disso. As pessoas que eu olhava nas redes e com quem eu me inspirava, todas eram gringas. Foi um dos motivos para eu criar o canal, pra ajudar outras pessoas trans que estão no começo da transição delas, para que possam ter exemplo. Ah, aquela pessoa tá ali, viva, tá rolando viver de uma maneira diferente do estereótipo que é a prostituição, então massa, eu também posso. Eu boto muita fé nas redes sociais, salvou minha vida e de várias outras galeras também.
Você tem esse feedback constante?
Com certeza. Tem várias pessoas que falam tipo, “seu video me salvou de me suicidar”, já recebi coisas assim mais de uma vez. Ou pessoas que voltaram a estudar depois de ver um vídeo porque só ficavam na prostituição e viram que podem ocupar outros espaços, sabe? Pessoas que estão no começo da transição, e outro tipo de galera. Tem todo tipo de público, tem muito homem heterossexual que assiste, muito homem bicha, pessoas LGBT que se identificam por vários motivos, às vezes por questão de classe, de raça, de género, pelo próprio rap.
A patologização foi um dos debates que estiveram em alta nos últimos anos, sobretudo aqui em Brasília. Você se considera doente por ser transexual?
Não me acho uma pessoa doente por ser trans de maneira nenhuma. A sociedade é que olha pra gente de maneira patologizante, por a gente fugir de um padrão. Talvez eu fique doente quando pego uma gripe, uma dor de garganta, mas eu não tenho nenhum conflito em relação a minha identidade, sabe? Por mais que as pessoas falem. Pessoas falam o tempo todo. Elas podem até me colocar numa caixa, o CID, a Classificação Internacional de Doenças, pode tentar dizer que nós somos doentes, mas no final das contas eu tenho autonomia sobre meu próprio corpo.
Acho que é urgente a gente pensar na despatologização das identidades trans, defender a transexualidade não como patologia. Acho que é uma questão de saúde. Da mesma forma que grávidas precisam de apoio do sistema de saúde quando estão grávidas, elas não estão doentes. Assim a gente tem que pensar as questões de gênero. Eu não estou doente mas eu preciso de uma assistência do SUS pra ir ao psicólogo e fazer a transição de uma maneira digna como acontece em outros países.
Nos últimos anos vimos um debate crescer nas mídias sobre a transexualidade por meio de algumas representações na cultura, como na música, na dramaturgia, filmes e novelas. Como você vê essa representação nas mídias tradicionais?
A pessoa que é artista tem toda a liberdade para interpretar quem ela quiser. Mas no momento de hoje, quando a gente pensa que 90% das travestis e transexuais estão na prostituição, que a gente não consegue emprego, e há várias transexuais e travestis que são atrizes, que trabalham com arte, e mesmo assim escolhem pessoas cisgênero para interpretar uma pessoa trans.
Esse processo acaba sendo muito complicado porque a gente exclui um trabalho e um talento de uma artista trans que pode interpretar a vivência de uma pessoa trans de forma muita mais legítima, menos objetificadora, e muitos diretores preferem fazer o processo inverso, continuar alimentando a cisgeneridade, pessoas que já tem privilégios e espaços para poder trabalhar da forma que elas quiserem. É só uma questão de espaço mesmo, de conscientização das pessoas que trabalham com arte, no sentido delas perceberem que é importante a gente ter emprego e emprego em todas as áreas.
Sendo uma pessoa negra, você também se envolve muito com o tema de combate ao racismo. Como você alia essa causa à transexualidade?
Da mesma forma que pessoas negras enfrentam o racismo, são marginalizadas na sociedade por conta da raça. As pessoas trans passam por vários processos por serem marginalizadas na sociedade por conta de ter um gênero que não está de acordo com o que a sociedade impõe. Nesse sentido há algo em comum, por sermos marginalizadas por sermos quem somos. É o preconceito que talvez nos une. Quando eu passo por um processo de transfobia, eu sei o que é a transfobia, e eu sei o que é o racismo, são coisas diferentes mas também são similares porque partem do ódio, ódio ao diferente do que é padrão.