“Às mulheres, não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza.”
A normativa de gênero na história do futebol feminino brasileiro
A normativa de gênero na história do futebol feminino brasileiro
Por Manuela Bonierski
Todos concordam que o futebol é uma das principais expressões da nossa identidade, e que o brasileiro carrega, com orgulho, o título de “país do futebol”. Logo, por que encontramos resistência para que as mulheres ocupem esse espaço?
O gênero é primordial no exercício de poder entre homens e mulheres, e o futebol está, altamente, ligado a essa questão. Cita-se, como exemplo, a necessidade de um dos maiores canais de streamer, a CazéTV, de desativar o chat da transmissão da partida da Copa do Mundo Feminina, entre Nova Zelândia e Noruega, após uma enxurrada de comentários machistas.
Desde a chegada do futebol ao país, as mulheres, ao longo da história, tiveram que lutar para adentrar esse espaço e desconstruir pseudo teorias científicas que justificavam que seus corpos eram impróprios para a prática esportiva.
Leite de Castro, Chefe do Departamento Médico da Liga de Futebol da cidade do Rio de Janeiro, em 1940, defendia que o futebol feminino era “um espetáculo ridículo e digno de merecer atenção das nossas autoridades”. Discurso que favoreceu a emergência da proibição da prática esportiva pelas mulheres, pois se entendia que era uma ameaça à maternidade e colocava em conflito as relações de poder entre homens e mulheres.
O que determinou o cerceamento da liberdade feminina foi a carta de José Fuzeira, endereçada ao presidente Getúlio Vargas. O texto intitulado Um disparate esportivo que não deve prosseguir, tratava sobre o perigo da prática do futebol pelas moças, que estavam correndo risco “de destruírem a sua preciosa saúde e ainda a saúde dos futuros filhos delas”.
No artigo 54 do decreto-lei de número 3.199, assinado por Getúlio Vargas, na data de 14 de abril de 1941, estava disposto que “às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza”. Diante disso, o futebol feminino foi proibido no Brasil.
A mulher sempre foi intitulada como o sexo frágil e, a ela, cabia, apenas, exercer o papel de mãe e dona de casa.
É importante ressaltar que, apesar da proibição, houve resistência feminina. O Estado não tinha total controle sobre as execuções de partidas, fazendo com que muitas mulheres procurassem jogar futebol em lugares mais afastados, como nas periferias e campos de várzea. Essa prática foi fundamental para que o futebol feminino se mantivesse vivo.
Em 1979, a lei que proibia a prática esportiva foi derrubada, mas a regulamentação da prática só ocorreu em 1983, fazendo com que as restrições tivessem consequências significativas no desenvolvimento da modalidade.
O espaço feminino, no futebol brasileiro, vem se construindo, aos poucos, e esbarra, constantemente, nos obstáculos criados pelo ambiente machista em que o futebol se desenvolveu. As atletas não contam com os mesmos privilégios, altos investimentos, grandes publicidades, boa infraestrutura e, principalmente, salários compatíveis.
As lutas femininas vão além da busca pela realização de um sonho ou da conquista de um campeonato. O objetivo principal é vencer um obstáculo enraizado na nossa história: a desigualdade de gênero.
Fonte: Movimento Revista de Educação Física
Texto produzido em cobertura colaborativa da NINJA Esporte Clube