Altamira (PA) é um dos municípios mais impactados pela usina hidrelétrica de Belo Monte. Um estudo apresentado na 76ª reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) concluiu que, entre 2008 e 2019, foram registrados 499 casos de sífilis na gestação de mulheres da cidade. Os casos foram subindo ao longo dos anos e seguem uma proporção bem maior do que os indicadores nacionais da doença.

Podendo ser transmitida de mãe para filho por meio da placenta, a sífilis é uma infecção sexualmente transmissível. O avanço do empreendimento, a explosão migratória, os reassentamentos e o rearranjo da lógica da cidade são consideradas algumas das causas do alto número de contaminações. A maior parte dos casos foi entre meninas e mulheres de 15 a 24 anos. Nos bebês, a sífilis pode provocar cegueira, surdez, deformação óssea e dos dentes e deficiência mental.

Para realizar o estudo, as pesquisadoras Luisa Caricio Martins, do Núcleo de Medicina Tropical da UFPA, e Amanda Duarte, da faculdade de Medicina de Altamira, levantaram dados de 2008 a 2019, sabendo que uma primeira licença para a construção de Belo Monte foi concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em 2010, e que as obras começaram efetivamente em 2011. Só em 2019 as unidades geradoras passaram a funcionar. Assim, os dados apontam que nos dois anos antes que antecedem a construção (2008 e 2009), o local havia registrado menos de dez casos por ano da doença. Em 2010, as notificações subiram para 30; em 2018, quase 70; e, em 2019, 50. Quase 92% dos casos se deram no espaço urbano.

A maior taxa de detecção da sífilis se deu entre gestantes no terceiro trimestre, com a constatação da doença na hora do parto. Também foi comprovado um espalhamento da doença, que se deu em 49 bairros e RUCs (reassentamentos urbanos coletivos).

As consequências se alastram

Casos como o de Altamira não são isolados. No Amapá, obras de usinas hidrelétricas levaram a um aumento da malária, no município de Ferreira Gomes, um dos mais afetados. Estudos apontaram, ainda, um alto risco de endemia de leishmaniose em cidades impactadas pelas usinas. Outros grandes projetos, como a Transamazônica, a BR-163 e a hidrelétrica de Tucuruí, ampliaram as ocorrências de arboviroses diversas, especialmente malária e febre amarela, como mostram pesquisas do Instituto Evandro Chagas, no Pará, vinculado ao Ministério da Saúde.

Ainda no Amapá, as quatro hidrelétricas existentes provocaram uma perda significativa de biodiversidade, com submersão de áreas de floresta, segundo a professora Rosemary Ferreira de Andrade, da Universidade Federal do Amapá (Unifap). Houve ainda redução de áreas de plantio de mandioca, de áreas de desova de peixes e realocação de comunidades. Na região, também houve aumento de doenças sexualmente transmissíveis.

Quem paga essa conta?

O resultado das pesquisas aponta, mais uma vez, que o perfil dos atingidos pelas consequências de grandes empreendimentos é o mesmo: mulheres, crianças, pessoas pretas e indivíduos em situação de vulnerabilidade, assim como comunidades de pescadores.

Em nota ao Jornal Folha de S. Paulo, a Norte Energia, empresa privada responsável pela Belo Monte, disse que investiu em saúde como contrapartida ao empreendimento e citou como exemplos a construção e equipagem do Hospital Geral de Altamira e a construção de 62 UBS (unidades básicas de saúde).

“O aumento de registros de determinadas doenças se deveu à diminuição de subnotificações, com um quadro mais realista da situação, permitindo a adoção de medidas de controle mais efetivas”, afirmou. A empresa apresentou números distintos dos usados pela pesquisa científica, que se baseou em dados de notificação compulsória ao Ministério da Saúde. Segundo a Norte Energia, houve 32 casos de sífilis gestacional em 2011, 91 em 2021 e 28 casos em 2023: “O estudo noticiado utiliza dados defasados”, disse.