Arte do Encontro: conheça o trabalho de Lucas Alameda
A arte de Lucas Alameda é um ponto de muitas conexões, identificações e ressignificações. Confira a entrevista para a seção #ArtistaFOdA desta semana.
Por Marcelo Mucida / @planetafoda*
A arte de Lucas Alameda é um ponto de muitas conexões, identificações e ressignificações.
Nascido em Minas Gerais, o entrevistado desta semana para a seção #ArtistaFOdA mora em Curitiba há 10 anos.
Sem se propor a definir uma linguagem específica para explorar, os seus trabalhos estão mais focados na arte do encontro e no que pode surgir a partir disso. Nas infinitas trocas que se desdobram ao envolver outras pessoas nas criações e, ao mesmo tempo, em como isso reflete em questões íntimas da sua vida.
Lucas desenvolve também discussões sobre espaços que ainda são tidos como legitimadores da produção artística e sobre como determinadas limitações impostas não condizem com as experiências e reflexões que ele busca estimular.
De uma instalação proposta num sex shop a um álbum de figurinhas construído a partir de insultos, as suas obras tensionam entendimentos sobre arte e não-arte e lançam olhares para novos espaços a serem pensados, explorados e ocupados coletivamente.
Confira abaixo a conversa na íntegra:
Eu costumo começar a conversa pedindo para que as pessoas falem um pouco sobre a sua história. Eu vi que você é mineiro e mora em Curitiba… E então eu queria que você falasse um pouco mais sobre os seus caminhos, para a gente ir seguindo com os assuntos.
Primeiro eu gostaria de dizer que achei legal o convite para a entrevista, porque eu estou num momento em que nem sei o que está acontecendo de fato, mas acho que é um pós-cansaço, porque eu estava muito estagnado, cansado de produzir qualquer trabalho relacionado à arte, mas agora estou tentando ressignificar as coisas.
Gosto de me ver e me construir através da hifenização, afinal me vejo como um jovem-gay-suburbano-entediado-e-constantemente-incompleto. Eu transitei pela academia tentando entender novos pontos de vista sobre a produção de imagens, mas gosto de encontrar meus assuntos ou preposições dentro das ressignificações dos meus traumas, principalmente quando dizem respeito à minha performatividade viada. Me interessa pensar as representações hegemônicas, buscando formas de rediagramá-las dentro do meu universo. Atualmente, eu investigo a sexualidade ou as questões que tocam e interessam as pessoas LGBTQIAP+. Buscando nessas relações, afetar alguém com a minha produção ou ser afetado por elas.
Eu sou formado em design. Não tenho uma formação em artes visuais. E isso sempre foi uma questão pra mim, a princípio, nem que seja por uma questão de autoestima, de referências, ou de se sentir parte de alguma coisa, porque parece que esse deslocamento sempre acontecia. Eu não era nem muito designer porque eu era das artes, mas eu também não era tanto das artes, porque me faltava um pouco daquelas linguagens, daquelas estruturas que tinham naquele espaço.
Chegando em Curitiba, eu comecei a trabalhar um pouco com a fotografia, que foi onde eu comecei a me expressar primeiramente, e já estou por aqui há 10 anos. Eu participei do CUBIC, que faz parte da Bienal aqui de Curitiba, e é um programa de formação para jovens artistas, que estão em teoria começando a desenvolver projetos.
E então eu fui premiado com o trabalho que fiz, que se chama “JOVENS” e foi a partir daí que surgiu um pouco da minha pesquisa, porque por mais que ela tenha se modificado com o tempo, ela surge desse interesse de pensar as pessoas. Hoje eu tenho pensado um pouco mais voltado para as pessoas LGBTQIAP+, para as pessoas que eu entendo que têm uma identificação, mas parece que foi como um funil. Antes eu estava falando sobre os jovens em geral e agora eu estou centrado em jovens LGBTQIAP+.
Conferindo um pouco do seu trabalho, eu percebi que você também traz questões que buscam discutir as relações entre arte e os espaços em que estas criações podem acontecer. Eu gostaria que você comentasse um pouco sobre isso.
Eu acredito que a partir do momento em que o meu trabalho foi se ramificando, surgiu também um descontentamento de estar num espaço ideológico, porque eu acho que quanto mais as minhas questões foram se problematizando, mais elas já não cabiam no espaço. Determinados espaços da arte não querem falar sobre sexualidade, questões de gênero… Aí às vezes o projeto não passa num edital, ou se passa, é aprovado com restrições, onde eventualmente surgem na hora da montagem indicações do que você deveria fazer para aquele trabalho estar ali e isso começou a me incomodar.
E foi ficando mais difícil mesmo passar num edital e eu comecei a perceber que isso tem a ver com as temáticas que eu trabalhava. Tanto que em uma das últimas vezes que o meu trabalho foi censurado, a informação que surgiu foi que haveriam crianças naquele espaço, como se esse diálogo com a obra não pudesse existir.
E a partir daí eu cansei um pouco, saturei e fiquei um tempo sem fazer nada. Mas agora eu voltei para o Instagram tentando pensar uma plataforma onde eu consiga fazer um gerenciamento mínimo de como eu posso articular esses conteúdos e de como eu posso ganhar um pouco de dinheiro com isso também, porque geralmente você manda um trabalho para um edital e você gasta praticamente toda a verba para garantir a execução daquele projeto. E eu queria pensar assim: ah, eu vou ficar nesse espaço, e o que eu posso ganhar por aqui também? Não quero só dar algo. Quero poder ter um contraponto que também me alimente.
Eu acho que a partir do momento em que uma coisa está no museu, por mais que ela tenha uma linguagem mais divertida, mais colorida, mais leve, ela ainda está num museu, e tem um peso por ocupar este espaço.
Eu quis seguir pro Instagram para poder me conectar com as pessoas pela identificação e, a partir do momento em que elas se abrem pra me ouvir, através de coisas que são mais “fáceis” de chegar até elas porque elas se identificam nesse sentido, eu consigo colocar outras questões também.
E como se desdobra esta proposta que você comentou sobre pensar as pessoas a partir do desenvolvimento dos seus trabalhos?
Eu acho que isso se inicia um pouco com os “JOVENS”, que foi quando eu comecei a propor trabalhos com pessoas para tentar, ao mesmo tempo em que desenvolvo um processo artístico, me encontrar, porque comecei a visualizar algumas coisas que eu achava esquisitas em mim agora compartilhadas por outras pessoas, que não achavam aquilo necessariamente ruim. Então isso foi se tornando um tipo de foto-terapia em que você vai construindo junto um lugar de solidificação, de estrutura mesmo.
Depois, eu fiz outro trabalho com as pessoas, que escreveram insultos. Pessoas LGBTQIAP+ que escreveram os insultos que elas recebiam e eu fiz fotografias a partir disso.
E agora o trabalho dos fantasmas também traz isso, de certa forma. Eu lanço o questionamento para saber se as pessoas têm questões mal resolvidas no sexo assim como eu tenho e, a partir da nossa conversa, eu proponho fazer uma foto para desmistificar esses medos e inseguranças. Então a proposta segue mais ou menos nessa linha: me ajuda com o meu problema, mostrando que você também tem os seus, para que a gente possa sair disso levando um pouco menos a sério estas questões.
Os fantasmas surgem a partir do entendimento de uma coisa que me assombra, que me dá medo, mas ao mesmo tempo essa figura do fantasma com o lençol é tão ridícula, que eu não sei por que ela me dá tanto medo. É uma imagem satirizada do meu próprio problema. E, claro, a partir disso também surgem outras camadas, como o anonimato, porque as pessoas se sentem mais à vontade para fotografar sem mostrar os seus rostos, porque ali não são elas. É um momento de performatividade que elas permitiram que eu participasse com elas.
Você pode falar mais sobre esta proposta dos insultos?
Eu abri uma convocatória na internet perguntando “Gente, vocês já receberam insultos por serem pessoas LGBTQIAP+?” e aí a gente foi fazendo as fotos a partir dos insultos que cada um já recebeu, pensando também na performatividade da injúria e na ressignificação dessas palavras. Eu fui juntando essas fotos sem saber ainda o que produzir com elas até que a Bienal de Curitiba perguntou se eu tinha algo novo para mostrar e eu comentei sobre este trabalho.
Mas com o tempo, eu percebi que este trabalho não era para esse espaço, eu não estava gostando daquilo e foi aí que eu percebi que queria fazer algo diferente.
Foi a partir disso que eu idealizei o álbum de figurinhas. Eu apaguei os insultos que estavam escritos em cada fotografia, através do Photoshop, e fiz o álbum com essas palavras impressas em quadrados, além de algumas coisas que as pessoas me falaram durante o processo sobre aqueles insultos. Então, para você completar o álbum, você tinha que pegar uma figurinha, que vinha em pacotinhos mesmo, tentar adivinhar a que palavra aquela pessoa estava relacionada, e colar no respectivo espaço. Só que, a partir do momento em que você cola, você está apagando tudo o que aquela pessoa tem pra falar, você está fazendo um pré-julgamento, e isso pra mim é uma metáfora do que muitas vezes a gente faz fora do álbum, de rotular as pessoas e não ligar para o que elas têm pra dizer. E aí o nome que eu dei pra esse trabalho foi “Celebrity Head” por conta do jogo que a gente joga, do “quem sou eu?”
Eu fiz também um autorretrato a partir disso, colando vários insultos sobre o meu corpo e então fiz uma instalação com esse objeto que era uma fotografia que ficava no meio de uma sala totalmente escura. Havia uma saia de papéis em volta desta fotografia que foi construída com reportagens sobre pessoas LGBTQIAP+ assassinadas e apropriações também de sites como o “Criança Viada” e tudo o que constrói essa injúria.
Acho que as minhas propostas geralmente vêm de um lugar de vulnerabilidade, porque eu trago questões que eu não resolvi ainda. Então eu quero ver como as pessoas resolveram na vida delas pra poder me inspirar, me sentir parte desse grupo. Acho que talvez é uma vontade de fazer parte de alguma coisa, já que eu me sinto deslocado em outros ambientes.
Eu vi também que você idealizou um trabalho que aconteceu num sex shop. Você pode contar sobre isso?
O trabalho “Good Vibrations” surge a partir da minha pesquisa de TCC, onde eu passei um tempo considerável falando sobre vibradores e sobre a pesquisa da artista Márcia X. e ele também vem com a proposta de falar de arte em outros lugares e para outras pessoas que não estão no museu. Desmistificar os espaços e trazer essa ideia de que a gente não precisa estar no museu para falar de arte. A gente vai falar de arte onde a gente estiver, onde a gente quiser, onde a gente propor. O projeto ficou exposto no sex shop durante 01 mês e eu ia lá algumas vezes para acompanhar, mas quem fez o trabalho de monitoria foi a própria vendedora da loja. Era ela que falava sobre aquilo que estava acontecendo, com as palavras dela, com o jeito dela, com o vocabulário e o entendimento que ela tinha.
E o que é arte, para você?
A arte pra mim é um lugar de fuga. Uma desculpa para poder pensar nas minhas coisas de uma forma abstrata, diferente e não tão séria. E eu acho que essas coisas geralmente são as que me machucavam de alguma forma, então a arte se tornou um tipo de terapia, que eu não tinha dinheiro pra pagar. Para mim, o meu trabalho é biográfico porque todas as criações são uma parte de mim que está sendo rediagramada dentro do trabalho. São como pequenos fragmentos do que me incomodava a cada momento.
A coisa que mais me interessa é pensar na descentralização dos espaços. Como criar um espaço onde você possa falar, onde se sinta mais forte, mais realizado? Onde se sinta parte de um todo? E o LGBT é cada vez mais o assunto que eu tenho trabalhado porque eu vejo que o fato de eu não estar nestes espaços até agora é porque me fizeram entender que por ser LGBT eu não teria o direito de acessar esses espaços. Agora, então, eu vou criar um outro espaço com as pessoas que queiram estar junto.
Como ele comenta na entrevista, Lucas passou a movimentar o perfil @bichapapao desde o ano passado para reunir um pouco das suas criações no Instagram, mas ele também tem um perfil pessoal por lá (@lucasalameda), além de um site onde é possível conferir mais informações e materiais sobre as obras mencionadas durante a conversa.
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*@planetafoda é a página de conteúdos LGBTQIAP+ produzidos pela rede FOdA, da Mídia NINJA, junto a colaboradores em todo o Brasil.