“Arrombaram minha porta, me apalparam, espancaram meu sobrinho e sequestraram meu irmão”
Militante da organização social La Poderosa, vizinha da favela Villa 21 de Buenos Aires, conta como foi a repressão sofrida pela Polícia Naval na noite de ontem, 26.
La Poderosa é um movimento político apartidário que nasceu em 2004 nas favelas de Buenos Aires, Argentina, cujo nome refere-se à moto com a qual o Che Guevara e Alberto Granados andaram pela América do Sul, e que constrói desde assembleias nos bairros, espaços de educação popular e cooperativas de trabalho. Hoje é uma articulação de mais de 90 assembleias em 12 países de América Latina: Argentina, Chile, Uruguai, Brasil, Paraguai, Bolívia, Perú, Ecuador, Colômbia, Venezuela, México e Cuba
Por Jésica Azcurraire, militante da organização social La Poderosa, vizinha da favela Villa 21 de Buenos Aires, reprimida e assediada esta madrugada pela Prefectura (Policia Naval).
” Eu ainda não entendo nada. Eu ainda estou em um filme de terror que começou ontem à noite, por volta de 11, quando vários policiais fizeram uma busca e começaram a perturbar meu sobrinho de 16 anos, que acabou ferrado como tantos garotos. Ele tinha ido jogar futebol e chegou em casa com o rosto todo inchado, correndo, desesperado. Ao ouví-lo, saímos para pedir explicações aos policiais, mas minha irmã cometeu a “imprudência” de perguntar aos homens uniformizados por quê haviam espancado seu filho, um menor de idade! A resposta foi clara: “Cala a boca!”. E o segundo, quando já tinham mais de 40 uniformizados, não precisou de palavras: eles nos atacaram literal e brutalmente, desencadeando uma caçada que lhes permitiu atirar em frente da casa de Ivan Navarro, cuja família deveria dar testemunhos esta semana, no primeiro julgamento oral que conseguimos por tortura da mesma Policia Naval, neste mesmo bairro.
Depois da revista, mais uma vez, vejo a Polícia Naval começar a jogar gás no corredor onde moramos e corremos o mais rápido possível para entrar em casa, acreditando que estaríamos em segurança. Mas não há lei para eles, quando se trata da favela: imediatamente começamos a ouvir como eles chutavam a porta, cada vez mais forte, até deixá-la como um papel rasgado. Eles entraram, sim, como se nada. Todos homens, cinco, me agarraram pelos cabelos, apertaram meu pescoço, chutaram minhas pernas e me bateram com seus cacetes, até que um deles me colocou contra a parede, acariciando meus seios. Aterrorizada, gritei: “Me solta, você está me tocando!” E piorou, ele me apertou como uma fera: “Cala a boca, sua puta do caralho! Cala a boca, puta que pariu! Negra de merda, suja, faladeira.”
Ao lado, a repressão contra todos os vizinhos continuou e meu companheiro não podia me ajudar, porque eles estavam chutando ele para fora! Justo ele! Não há ninguém que não o conheça na vizinhança, como vizinho, como trabalhador e como ativista de nossa assembléia. Ele estava cochilando! E horas antes, estava ajudando com as obras em nossa “Casa das Mulheres”. Mas o que importa? Com a maior impunidade já vista, eles gritaram: “Levem ele, não importa, pegue alguém!”
Eles dizem que “apreenderam um pedaço de pau”, sim, você sabe qual pau eles pegaram? O pau que fecha a porta da nossa casa, porque infelizmente não temos uma fechadura, então usamos esse “pau” para evitar a entrada de todas as pessoas civilizadas que precisam bater ou ter um mandado de busca para entrar quando não podem usar as armas e a impunidade do Estado.
Sempre com a câmera por perto, meu irmão Roque tentou gravar toda aquela loucura, mas não conseguiu filmar nada porque o levaram também, assim que se apresentou como fotógrafo da La Garganta, entendeu? Seu único crime foi ter descongelado três empanadas e ter pegado sua ferramenta de trabalho quando uma operação ilegal da Policia Naval entrou em nossa casa, quebrando a porta aos chutes. Mas não satisfeitos em levar meu irmão e meu companheiro, eles nos reprimiram novamente e levaram minha irmã, para deixá-la por 80 minutos em um carro de patrulha, enquanto eles nos negavam sua presença na delegacia que o tribunal indicou.
Basta, por favor!
Pensamos que eles estavam nos matando.
E sim, outra ferida nos faz tremer, estamos aterrorizados.
Mas nunca mais na vida, vamos ficar em silêncio!