Yasmin Henrique, da Cobertura Colaborativa NINJA na COP 30

O ano de 2024 foi o mais quente já registrado globalmente, com temperatura média de 15,1 °C — 1,6 °C acima dos níveis pré-industriais, segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM). No Brasil, a média anual atingiu 25,02 °C, a maior desde 1961, conforme dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Diante deste cenário, arquitetos e urbanistas são desafiados a repensar construções e espaços urbanos, adotando soluções que promovam conforto térmico e eficiência energética.

Principalmente, porque o calor extremo vai além do desconforto, pois representa risco real à saúde, como alertam a professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e de Design da USP, Denise Duarte e o secretário-geral das Nações Unidas, Antônio Guterres. 

Em artigo publicado no Jornal da USP, em que Denise explica como o desenho das construções, a ventilação natural e o uso de materiais locais ajudam a enfrentar temperaturas acima dos 40 °C em regiões áridas da África, chama a atenção para o cenário brasileiro: “O calor mata — e mata mais do que deslizamentos de terra no Brasil”. 

Muitas dessas mortes não são contabilizadas, sendo registradas como infarto, AVC ou problemas cardiorrespiratórios. 

Já Guterres, no artigo científico “O mundo precisa estar à altura do desafio do aumento das temperaturas”, descreve o calor extremo como um “assassino silencioso”

“O estresse térmico é a principal causa de mortes relacionadas a condições climáticas extremas. A exposição aguda e prolongada ao calor excessivo causa estresse térmico no corpo e agrava doenças preexistentes, incluindo doenças cardiovasculares, diabetes, problemas de saúde mental, asma e doenças renais, podendo aumentar o risco de acidentes, complicações na gravidez e no parto, e transmissão de algumas doenças infecciosas. Em condições de calor extremo, o estresse térmico não tratado pode levar à insolação, uma emergência médica que pode ser fatal”, diz.

Este alerta coincide com as discussões da COP30, que reúne líderes mundiais para definir metas de adaptação e mitigação frente ao aquecimento global, incluindo medidas urbanas e arquitetônicas para reduzir riscos de saúde relacionados às ondas de calor.

Métodos modernos e tradicionais

Na Amazônia, por exemplo, a história da arquitetura evidencia a importância de aprender com os povos originários. Em 1984, Severiano Porto já destacava a necessidade de substituir conceitos inadequados por soluções compatíveis com o contexto local: “Vamos tentar sacudir um pouco tudo que aprendemos… Substituindo-os com criatividade, segurança e coragem por outros adequados à nossa região.” Essa perspectiva valoriza materiais e técnicas tradicionais, combinando conhecimento empírico com inovação para criar construções adaptadas ao clima e à cultura da região.

Em sintonia, Denise também acredita que é preciso análise cuidadosa do território e das condições locais. Segundo a pesquisadora, é preciso “tirar o máximo proveito do clima local — entender os dados, os materiais disponíveis e a cultura da região.” Em ambientes áridos, as paredes espessas ajudam a manter a temperatura interna estável, enquanto em zonas úmidas, a circulação contínua de ar é essencial para conforto térmico.

E a perspectiva de pensar a arquitetura envolve também o uso estratégico de materiais naturais desempenha papel central. Na Amazônia, madeira, barro e palha permitem construções adaptadas ao solo e à umidade, regulam a temperatura e reduzem a emissão de carbono. Construções elevadas, como as palafitas, protegem contra enchentes e refletem soluções regionais desenvolvidas ao longo de gerações. A combinação de amplas aberturas e iluminação solar direta garante ambientes mais frescos sem depender de sistemas artificiais de climatização.

Além das escolhas materiais, arquitetos e urbanistas devem lançar mão também, de estratégias que equilibram conforto e sustentabilidade.

Isolamento térmico, ventilação cruzada, telhados verdes e fachadas refletivas são aplicados de maneira integrada. Sombreamento natural e elementos de paisagismo urbano criam microclimas agradáveis, enquanto a orientação dos edifícios é planejada para otimizar a iluminação e circulação de ar. Assim, os melhores projetos arquitetônicos devem levar em consideração as potencialidades de cada região:

  • Norte: ventilação natural, materiais locais, captação de água da chuva
  • Nordeste: bioclimatização, sombreamento, adobe
  • Centro-Oeste: eficiência energética, painéis solares, cerâmica
  • Sudeste: ventilação natural, materiais reciclados
  • Sul: isolamento térmico, energias renováveis, reaproveitamento de água

Ana Belizário, arquiteta e diretora comercial da Urbem, destaca a importância de materiais de baixa emissão de carbono e madeira engenheirada, combinados com ventilação cruzada, iluminação natural, painéis solares e reaproveitamento de água. Essas estratégias aumentam a eficiência energética, reduzem a pegada de carbono e valorizam as economias locais.

No Brasil, normas técnicas como a ABNT NBR 15.575, que define critérios de desempenho para edificações habitacionais, a NBR 15220, voltada ao desempenho térmico por zonas bioclimáticas, e a NBR 17162, sobre fachadas e telhados refletivos, estabelecem parâmetros claros para a construção sustentável. Contudo, a aplicação plena dessas normas ainda é limitada: custos, falta de fiscalização e conhecimento técnico insuficiente, especialmente em regiões remotas ou em habitações populares, impedem que os padrões sejam integralmente seguidos. 

A execução depende da atuação coordenada de engenheiros, arquitetos e órgãos de controle, revelando uma lacuna entre teoria e prática. Nesse cenário de aquecimento global, a arquitetura deixa de ser apenas estética e se torna uma ferramenta de sobrevivência: aprender com saberes populares, integrar técnicas tradicionais e modernas e utilizar materiais locais é essencial para criar espaços saudáveis, confortáveis e sustentáveis.