Arqueira cultiva sonho de ser a primeira mulher indígena a se classificar para os Jogos Olímpicos
Desde 2013, Graziela Santos treina para tentar representar o seu estado e o seu povo em uma Olimpíada no tiro com arco. Hoje, é a 2ª no ranking nacional.
Por Cristina Dominghini Possamai, para Cobertura Colaborativa Paris 2024
A arqueira indígena amazonense Graziela Santos integrou a seleção brasileira na disputa por uma vaga em Paris, além da Copa do Mundo de Arco e Flecha, nos dias 18 a 23 de junho, na Turquia. Filha do povo Karapanã, do interior do Amazonas, Graziela Yaci, cujo nome indígena significa “Lua”, tornou-se a primeira atleta indígena a integrar a seleção brasileira na categoria. Atualmente, treina todos os dias no Centro de Treinamento de Tiro com Arco, em Maricá (RJ), para se tornar a primeira mulher indígena a se classificar para os Jogos Olímpicos.
O início
Yaci disputa o esporte profissionalmente desde 2013 sendo beneficiada pelo “Projeto de Arquearia Indígena”, idealizado e coordenado pela Fundação Amazônia Sustentável (FAS), em parceria com a Federação Amazonense de Tiro com Arco (Fatarco). A iniciativa visa valorizar a cultura indígena no Amazonas e promover oportunidades de crescimento e desenvolvimento por meio do esporte.
“Eu morava no interior, que ficava a 5 horas de barco de Manaus e estava estudando no ensino médio na época. Teria uma seletiva para atletas do arco e flecha, algo que conhecemos como bem cultural, de caça, pesca e sobrevivência. Falei com os meus pais em casa e selecionaram 12 jovens, desses 11 meninos e apenas eu de menina. A gente começou a aprender sobre o esporte. Em 2014, fomos morar em Manaus, aprendemos a técnica e estou aqui até hoje”, afirma em entrevista ao Meu Esporte Podcast.
Sonho olímpico
Em relação ao sonho de ser a primeira indígena a participar de uma Olimpíada, ela ressalta que esse foi um objetivo que ganhou peso gradativamente. “É algo que me motiva, não era um objetivo meu ser essa atleta indígena a estar na Olimpíada porque eu não conhecia o esporte. Antes do projeto, eu não sabia que era um esporte no qual eu poderia representar o meu estado, o meu país e o meu povo fora dali”, conta.
“Com o passar do tempo, eu fui vendo que o esporte é um caminho que abre muitas portas. Fui gostando do tiro com arco, me apaixonei e não quero viver a minha vida sem isso. Peguei esse objetivo para mim, porque entendo que todo atleta quer chegar no evento maior da carreira, e para a gente são os Jogos Olímpicos”, complementa.
Além disso, Graziela destaca que o projeto já pode ser considerado bem-sucedido pelos resultados obtidos em um curto espaço de tempo. “O projeto começou com atletas indígenas e eles acharam que seria um projeto de sucesso, e é um projeto de sucesso. A gente alcançou um nível de alto rendimento que treina há 10 anos em dois anos, conseguimos chegar nas seletivas da Rio 2016. Participamos de Tóquio e chegamos mais perto agora em Paris, no meu caso que fiquei em segundo no ranking nacional, estamos batendo perto desse sonho”.
Desempenho brasileiro em Paris 2024
Em Paris 2024, o Brasil não conseguiu classificar equipes nos naipes masculino e feminino, enviando apenas dois representantes. A carioca Ana Luiza Caetano, de 21 anos, se despediu dos Jogos Olímpicos de Paris nas oitavas de final do tiro com arco.
Ela igualou o melhor resultado já obtido por uma brasileira no torneio olímpico, repetindo o desempenho de Ane Marcelle dos Santos na edição do Rio, em 2016. Ela já tinha sido eliminada na mesma fase no torneio de equipes mistas, ao lado de Marcus D’Almeida. Graziela poderia ter estado em Paris, caso a equipe feminina tivesse obtido a vaga.
Líder do ranking mundial, Marcus pegou um concorrente complicado logo nas oitavas, o sul-coreano Kim Woojin, atual campeão olímpico no individual, encerrando sua participação na modalidade.
Equilíbrio mental e evolução da modalidade no Brasil
Segundo a atleta em entrevista ao Meu Esporte Podcast, a rotina de treinamento é árdua com prática do tiro com arco, treinamento físico e acompanhamento psicológico. Ela destaca o peso que uma mentalidade equilibrada pode ter no momento de uma competição de alto rendimento.
“Tem acompanhamento com psicólogo para quando estiver competindo lá fora. O que diferenciará quem ganha na competição é quem está melhor mentalmente porque todo mundo atira, treina todo dia”, ressalta.
Em relação ao futuro, Graziela reforça haver um caminho a ser percorrido para que o tiro com arco brasileiro continue a evoluir. Pessoalmente, ela teve a primeira experiência de Copa do Mundo neste ano.
“Neste ano foi minha primeira Copa do Mundo, tive uma experiência importante para ir melhorando. O que observo muito é que o nível lá fora é muito alto, por mais que a gente tenha evoluído muito (a equipe feminina), ainda temos muito o que melhorar na questão de treinamento, treinamento no exterior, que é importante e infraestrutura”, pontua.
“Os países que são os melhores do mundo têm campos específicos com tiro com arco para simular finais. Tem muita coisa envolvida para você treinar e conseguir bons resultados. Entendo que só a vontade da gente não basta, precisa de mais”, finaliza.