O racismo é estrutural, institucional, e existe pela forma como a escravidão pautou a construção do Brasil. Símbolos e temáticas da cultura negra, provenientes da África, costumam ser rechaçados, colocados como expressão cultural inferior, como o turbante, por exemplo, que chegou a ser transformado em acessório, com mulheres de todas as cores utilizando, sem se atentarem ao fato de que é um símbolo cultural de resistência das mulheres e homens negros.

Dandara Tonantzin, mulher negra, militante do movimento Enegrecer, que visa a inserção de negros e negras na academia e no movimento estudantil, fazia uso deste símbolo em festa de formatura na cidade de Uberlândia, Triângulo Mineiro, e passou por uma situação violenta e racista, quando tentaram arrancar o seu turbante. Isso é racismo, não há nem margem para discutir tal ação, mas a jovem não conseguiu sequer registrar um boletim de ocorrência por este crime, que foi registrado como lesão corporal, apesar da insistência de Dandara de que o crime deveria ser autuado como injúria racial também, o que é previsto por lei no Brasil.

Foto: Guiga Guimarães / Mídia NINJA

Em Minas Gerais, dentre as 853 cidades, só há 1 delegacia especializada em racismo, segundo Jonathan Monteiro também do Enegrecer, e a desinformação é grande sobre a forma de agir quando se é vítima deste crime. Pensando nisso, o coletivo se uniu a empresa de tecnologia Thought Works para desenvolver algum projeto que pudesse combater o racismo.

Dessa parceria nasce Verdade Seja Dita, aplicativo para dispositivos móveis que fará o mapeamento de locais onde ocorreram casos de racismo, e também fornecerá as leis de combate a esse crime e auxílio para denúncias. A ideia inicial do app é que ele faça esse mapeamento em Minas Gerais, mas nada exclui a possibilidade de se tornar uma ferramenta essencial no combate ao racismo no país, afirmam Dandara e Moara Correa, também integrante do coletivo e ex presidenta da UNE.

Foto: Guiga Guimarães / Mídia NINJA

Após um ano de extenso trabalho de mapeamento de delegacias em todas as cidades mineiras e outros dados necessários para a criação do aplicativo, é hora da Thought Works entrar em ação. Neste sábado, 23, houve o pré lançamento do Verdade Seja Dita no escritório da empresa em Belo Horizonte, e também o hackaton, espécie de maratona de programadores para o rápido desenvolvimento do projeto e colocar sua marca no app.

Foto: Guiga Guimarães / Mídia NINJA

Foto: Guiga Guimarães / Mídia NINJA

Cerca de 15 programadores e programadoras receberam o código aberto do aplicativo, e assim puderam passar o dia de sábado fazendo a sua programação, avançando no projeto que se mostra ferramenta de grande importância em um estado onde mais de 44% da população se declara parda ou negra, e possui mais de 400 territórios quilombolas. O mesmo estado que tem a 2ª maior população do país, mas o combate ao racismo ainda precisa ser feito com bastante força. O arquivamento do processo de Dandara Tonantzin é uma prova do descaso da justiça brasileira com esse crime que, infelizmente, é comum na sociedade.

O resultado desse hackaton veremos mesmo em dezembro, quando o app for lançado oficialmente e começar a mapear os casos de racismo no estado. A ideia, como Dandara explicou, é, além de conseguir estes dados, fazer o acompanhamento dos casos, dando suporte e assistência às pessoas que acessarem o Verdade Seja Dita.