Após anos de espera, povos indígenas têm territórios homologados em três estados
Novas homologações de TIs fortalecem direitos indígenas e a política ambiental do Brasil
Jorge Fagundes, da Cobertura Colaborativa NINJA na COP30
Em um gesto simbólico e prático durante a COP30, o governo brasileiro oficializou a homologação administrativa de quatro Terras Indígenas (TIs), nos estados do Pará, Amazonas e Mato Grosso. Os decretos assinados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva abrangem cerca de 2,45 milhões de hectares, conferindo posse permanente às comunidades indígenas que habitam essas áreas.
Segundo o Ministério da Justiça e o Ministério dos Povos Indígenas (MPI), essas áreas são habitadas por 854 pessoas, de povos como Kaxuyana, Tunayana, Katuena, Mawayana, Tikiyana, Xereu-Hixkaryana, além de comunidades Paresí, Irantxe-Manoki e grupos isolados.
Para o governo, trata-se de uma prova concreta de que a proteção dos povos indígenas é parte central da estratégia climática nacional. À ocasião da cerimônia de assinatura das portarias, no dia 17 de novembro, durante o Dia dos Povos Indígenas na COP30, com a presença do ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, a ministra Sônia Guajajara destacou que a iniciativa fortalece a proteção ambiental. Ela disse que até o fim da COP, articularia muito para sair de lá “com o reconhecimento da demarcação das terras indígenas como medida mais eficaz para enfrentar a crise climática”.
A homologação dessas terras nos três Estados mostra uma estratégia clara: direitos indígenas + agenda climática. No Pará e Amazonas, a TI Kaxuyana-Tunayana atua como grande bloco amazônico protegido; já em Mato Grosso, as terras são menores, mas igualmente estratégicas por sua função ambiental – rios e matas) e cultural – povos Paresí e Manoki.
Terras homologadas
Pará e Amazonas – TI Kaxuyana-Tunayana
A Terra Indígena Kaxuyana-Tunayana é a maior entre as quatro homologadas: são cerca de 2,182 milhões de hectares, segundo o Ministério dos Povos Indígenas.
- Localização: está localizada entre os municípios de Faro e Oriximiná (no Pará) e Nhamundá (no Amazonas).
- Povos que habitam essa terra: a TI abriga muitos povos, incluindo Kaxuyana, Tunayana, Kahyana, Katuena, Mawayana, Tikiyana, Xereu-Hixkaryana e Xereu-Katuena, segundo a Funai/MPI.
- Importância ambiental: por seu tamanho e localização, essa TI representa um corredor importante de floresta amazônica, reforçando a estratégia de preservação florestal ligada à mitigação das mudanças climáticas.
- Processo demarcatório: o processo para essa terra se arrastou por mais de dez anos e só avançou após um acordo técnico entre a Funai e o Instituto Iepé, assinado durante o Acampamento Terra Livre.
Mato Grosso – TIs Manoki, Uirapuru e Estação Parecis
TI Manoki
- Povo: Irantxe-Manoki.
- Área: cerca de 250.539 hectares.
- Localização: município de Brasnorte, Mato Grosso.
- Histórico: segundo o HiperNotícias, site de Mato Grosso, a TI já enfrentava conflitos antigos, especialmente com madeireiros e produtores rurais.
- Função estratégica: a Funai destaca que a homologação fortalece direitos tradicionais, reconhecendo oficialmente a “posse permanente” das comunidades.
TI Uirapuru
- Povo: Paresí.
- Área: cerca de21.667 hectares.
- Localização: nos municípios de Campos de Júlio, Nova Lacerda e Conquista D’Oeste, Mato Grosso.
- Importância hídrica: segundo a Funai, a TI Uirapuru protege matas ciliares de rios formadores da bacia do Rio Juruena, o que a torna relevante para a preservação de recursos hídricos no estado.
- Contexto: também já foi alvo de invasões. Conforme a reportagem do site HiperNotícias, em 2021 houve reintegração de posse por ordem da Justiça devido a desmatamento ilegal.
TI Estação Parecis
- Povo: Paresí.
- Área: cerca de 2.170 hectares (como citado pelo MPI / Funai).
- Localização: no município de Diamantino, Mato Grosso.
- Pressão ambiental: segundo a Funai, a homologação é importante para proteger esse território ancestral que sofre “forte pressão de desmatamento”.
Reações
Na defesa do setor produtivo, a Comissão de Agricultura do Senado (CRA) aprovou um requerimento para cobrar explicações do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, sobre a legalidade dos decretos que homologaram essas terras.
Já a Associação Mato-Grossense dos Municípios (AMM) de Mato Grosso, manifestou preocupação, alegando que “são as prefeituras que podem perder parte importante da receita de uma hora para outra, sem tempo de adaptação e sem diálogo.” A AMM fez também questionamentos institucionais quanto à legalidade dos decretos. Isso sugere que a homologação, mesmo simbólica, pode desencadear disputas políticas e jurídicas.
Na Assembleia Legislativa de Mato Grosso, diversos deputados da bancada do agronegócio também se manifestaram em sessão realizada no dia 19, sendo contrários à iniciativa. Já o governador do estado, Mauro Mendes (União) rapidamente entrou com ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender os efeitos do decreto, como aponta reportagem do site Olhar Direto.
Já as organizações de defesa da agenda socioambiental, avaliaram a inicitiva do governo federal, como um avanço significativo. E diante das manifestações contrárias, alertam para os riscos de retrocessos caso a regularização fundiária seja apenas simbólica, sem investimentos concretos em proteção e fiscalização.
Para muitos, a homologação deve ser seguida de medidas efetivas para evitar invasões ilegais e exploração predatória dessas áreas. Já os especialistas advertem que a efetividade dessas medidas dependerá da implementação de políticas de proteção, monitoramento e respeito à autodeterminação dos povos indígenas.
Uma reportagem da InfoAmazonia destaca que esse anúncio representa a retomada de processos que estavam engavetados: foram “destravados” 20 processos demarcatórios ao todo.
Além das quatro homologações, o governo anunciou dez portarias declaratórias para outras terras indígenas, e finalizou seis Relatórios Circunstanciados de Identificação e Delimitação (RCID) da Funai. Essas ações reforçam o compromisso do governo com a agenda indígena e ambiental. Vai, enfim, além de um gesto simbólico: representa a consolidação de direitos territoriais fundamentais, bem como uma estratégia ambiental de longo prazo.
A presidente da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt), Eliane Xunakalo celebrou, realçando que as homologações são fruto de muitos anos de luta e resistência. E ainda, que as homologações garantem maior proteção territorial, segurança jurídica e de salvaguarda cultural.
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Importância climática e ambiental
De acordo com dados oficiais, as terras indígenas abrangidas por essa homologação são estratégicas para a proteção socioambiental. Elas fazem parte de regiões florestais extensas, e sua proteção é apontada como peça-chave na mitigação do desmatamento e da emissão de carbono. Ainda segundo a Funai, em matéria publicada no site oficial, a taxa de desmatamento em terras indígenas demarcadas é historicamente muito inferior à média nacional, reforçando seu papel na conservação ambiental.
Estudo lançado em 2029, durante a COP do Azerbaijão numa ação conjunta da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e o Comitê Indígena de Mudanças Climáticas (CIMC), indica que novas demarcações podem evitar até 20% do desmatamento adicional e reduzir 26% das emissões de carbono até 2030.
Processo e etapas da demarcação
Assim, a homologação dessas terras representa uma etapa avançada no processo de regularização fundiária indígena, como apontamos em matéria anterior, publicada no site da Mídia Ninja durante a cobertura da COP30. Para chegar a esse momento, são necessárias várias fases: estudos antropológicos, cartográficos e ambientais; definição de limites – com emissão de portaria declaratória; demarcação física e, por fim, a homologação por decreto presidencial. Após a homologação, o próximo passo é o registro imobiliário para consolidar a posse dessas terras.



