“Apenas Escritoras”: Mesa na Feira do Livro 2024 debate a experiência de ser mulher e escritora
Auditório Armando Nogueira recebe Betina González e Andrea del Fuego para um bate-papo sobre literatura, criação e os desafios de ser mulher
Por Mauro Utida
Neste sábado, 29 de junho, o Museu do Futebol recebeu a mesa “Apenas Escritoras”, evento da Feira do Livro 2024 que reuniu as premiadas autoras Betina González, da Argentina, e Andrea del Fuego, do Brasil, em um bate-papo mediado por Beatriz Muylaert, editora da Quatro Cinco Um. O auditório Armando Nogueira ficou lotado por um público majoritariamente feminino, que acompanhou com entusiasmo e reflexão a conversa sobre a experiência de ser mulher e escritora.
A mesa “Apenas Escritoras” se consolidou como um evento de grande importância para a Feira do Livro 2024. Ao reunir duas autoras talentosas e engajadas, o debate proporcionou um espaço para reflexão sobre os desafios e as conquistas das mulheres na literatura, inspirando e motivando o público presente. A iniciativa reforça a necessidade de promover a diversidade e a igualdade de gênero no meio literário e em todos os âmbitos da sociedade.
Da infância à literatura: a paixão pela escrita
Desde a infância, a escrita acompanhava Betina González e Andrea del Fuego, permeada por experiências pessoais e pela paixão pela linguagem. Ambas as autoras relataram como a literatura se tornou um refúgio e um instrumento de expressão, moldando suas trajetórias e as levando a se tornarem escritoras reconhecidas.
“Eu acho que me tornei escritora quando tinha 8 anos. Era muito pequena. Voltava um dia da escola e na escola eles tinham nos dado um poema com rima. Não me lembro de quem. E eu vinha repetindo esses versos na minha cabeça… Como possuída, vinha possuída por esses versos. E não era muito pequena, mas aí me dei conta que a linguagem tinha música, algo que vocês, brasileiros, sabem muito bem, porque tanto cantam e tem tantos poetas e músicos talentosos. E então eu disse, “Uau! As palavras podem ser usadas para outras coisas. Além de comunicar, né? Elas podem ser usadas para fazer algo belo, para fazer algo lindo. E eu acredito, bem, aí voltei pra casa e corri, correndo como na mitologia que a gente tem. Eu lembro assim, fui até um caderno para escrever, para tentar fazer algo com rima, um poema, não sei, algo que saísse com música. E eu acredito que foi nesse momento que me tornei escritora.”
Essa lembrança retrata a paixão de Betina pela escrita desde a infância, despertada pela musicalidade da linguagem e pelo desejo de criar algo belo. Ela compara essa experiência com a de Andrea, que também teve uma infância marcada pela escrita, mas em um contexto diferente, onde a leitura e a escrita não estavam tão presentes em seu entorno familiar. Ambas, no entanto, foram tocadas pela magia da linguagem desde muito cedo, o que as impulsionou a trilhar o caminho da literatura.
Imaginação e criação
Para Betina González, a ficção se destaca por sua capacidade de transcender a realidade através da imaginação, elemento fundamental para a criação literária. A autora defendeu a liberdade criativa como pilar da arte, combatendo a pressão por se encaixar em moldes pré-determinados.
Os desafios da escrita
As escritoras compartilharam suas experiências com os desafios e as alegrias de iniciar e finalizar um romance. Betina González destacou a energia e a paixão presentes no início do processo, enquanto Andrea del Fuego enfatizou a importância da persistência e da disciplina para levar um projeto adiante até sua conclusão.
“Genialidade”: a pressão sobre as mulheres escritoras
Betina González abordou a exaustiva cobrança por “genialidade” imposta às mulheres no meio literário. Segundo a autora, essa pressão limita a liberdade criativa e a diversidade de vozes, gerando angústia e dificultando o processo de criação.
“Todas as escritoras mulheres têm a obrigação de ser geniais para poderem ser visibilizadas, para poderem ser editadas, para poderem ganhar um prêmio. O mercado exige essa excelência. Você tem que ser excelente, não é? Para poder superar todos esses obstáculos que foram colocados por esse sistema desde que você era menina”, indaga Betina sobre a frase de Ricardo Piglia.
E completa citando Alejandra Pizarnik: “Bem, eu sei que tenho talento, mas o talento não é suficiente, você tem que ser genial”. Esta frase inspirou o título de seu mais novo livro “A Obrigação de Ser Genial”.
Um boom de escritoras: ocupando espaços e quebrando barreiras
Andrea del Fuego e Betina González celebraram o crescente número de mulheres publicando livros e ocupando cargos de destaque no mercado editorial, como editoras, tradutoras e críticas literárias. As autoras reconheceram os avanços conquistados e defenderam a importância de continuar lutando por um espaço cada vez mais igualitário na literatura.
Elas falaram sobre a importância da imaginação na escrita, sobre como a emoção é fundamental para a criação literária e sobre a dificuldade que as mulheres enfrentam para se estabelecer no mercado literário.
Durante a mesa, elas também refletiram sobre Betina González ter sido a primeira mulher a ganhar o prêmio Tusquets e como a escritora argentina está consciente da disparidade de gênero no mercado literário e da necessidade de maior visibilidade para as escritoras.
Lidando com o bloqueio criativo: um obstáculo comum
Betina González propôs uma visão diferente sobre o bloqueio criativo, sugerindo que ele pode ser mais frequente entre escritores homens devido à pressão por se comparar a um cânone literário majoritariamente masculino. Segundo a autora, a busca por excelência e a comparação com outros autores podem gerar insegurança e dificultar o processo de escrita.
Silenciando o crítico interior
As escritoras discutiram a voz interna que questiona a capacidade de escrita, um fenômeno comum entre muitas mulheres, potencializado pela pressão social e pela busca pela perfeição. Ambas destacaram a importância de silenciar essa voz crítica e confiar no próprio potencial para criar e se expressar através da escrita.
Utopia e resistência
A Feira do Livro de São Paulo, organizada pela associação Quatro Cinco Um, ocupará a Praça Charles Miller durante nove dias, transformando-a em um espaço literário. O objetivo da feira é promover a leitura e o debate, colocando o livro como ferramenta para lidar com os mais diversos problemas, seja social, individual ou psicológico.
Paulo Werneck, diretor cultural d’A Feira do Livro e editor da revista Quatro Cinco Um, destaca que a expectativa é receber um público ainda maior que os 35 mil visitantes da edição anterior, e que o evento se tornou um espaço democrático para a cultura brasileira.
“A Feira do Livro se torna um espaço fundamental para defender a liberdade de expressão, a pluralidade de ideias e a diversidade cultural”, destaca.
A feira, gratuita e aberta ao público, também se destaca por democratizar o acesso à cultura, oferecendo um contraponto a eventos com ingressos exorbitantes. “A Praça Charles Miller sempre foi um centro de reunião popular, mas nos últimos anos tem sido cada vez menos utilizada pela população”, comenta Paulo, “a Feira do Livro ajuda a resgatar essa função da praça, promovendo a ocupação do espaço público”.
Com 150 expositores e diversas atividades, a Feira do Livro se consolida como um importante evento para o cenário cultural brasileiro, promovendo o acesso à literatura e incentivando o debate crítico.
Programação
A Feira do Livro de São Paulo 2024, acontece na Praça Charles Miller, no Estádio do Pacaembu, de 29 de junho a 7 de julho. Com mais dias, mais autores e mais atividades, a feira oferece uma programação rica e diversificada para todos os públicos.
Serviço:
- Data: 29 de junho a 7 de julho de 2024
- Local: Praça Charles Miller, Estádio do Pacaembu-SP
- Entrada: Gratuita
- Horário:
- 29 e 30 de junho: 10h às 21h
- De 1 a 5 de julho: 12h às 21h
- 6 de julho: 10h às 21h
- 7 de julho: 10h às 19h
Mais informações: