Apenas 8% de ações do MPF renderam punição a desmatadores; mas o jogo pode virar
Criação da jurisprudência para punição de desmatadores ilegais com o uso da tecnologia pode acelerar punições e mudar o rumo da impunidade na região
O Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) realizou uma pesquisa inédita sobre o resultado das ações do Ministério Público Federal (MPF) dentro do Programa Amazônia Protege. Foram analisados processos encaminhados entre 2017 e 2020.
O programa foi criado pelo MPF para responsabilizar os desmatadores ilegais por meio de ações civis públicas (ACPs) que foram movidas a partir de provas obtidas de forma remota, como imagens de satélites e dados públicos sobre terras, sem a necessidade de vistoria em campo.
Os pesquisadores levantaram 3.561 processos movidos pelo órgão nos nove estados que compõem a Amazônia Legal. Esses processos têm o objetivo de responsabilizá-los pela derrubada de 231.456 hectares de floresta, com pedidos de indenizações que somam R$ 3,7 bilhões.
Conforme a pesquisa, das mais de 3 mil ações, 650 (18%) tinham sentença em primeira instância até outubro de 2020. E, entre essas ações, 440 (67%) tiveram recursos. Os pesquisadores analisaram, então, todas essas decisões em primeiro grau e o que ocorreu nos casos em que as instâncias superiores foram acionadas.
O Imazon destaca que a criação da jurisprudência para punição de desmatadores ilegais com o uso da tecnologia pode acelerar punições e mudar o rumo da impunidade na região.
A conclusão foi de que, em primeira instância, a grande maioria dos processos, 506 casos (78%), foi extinta “sem resolução do mérito”. Ou seja, os juízes entenderam que o MPF não apresentou elementos suficientes para a tramitação das ações. A segunda maior fatia, de 80 casos (12%), correspondeu aos processos em que os magistrados determinaram o envio para julgamento da Justiça Estadual.
Em apenas 51 casos (8%) houve a condenação do réu, quando os juízes consideraram procedentes um ou mais pedidos do MPF, além de uma ação onde houve a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Os outros 13 casos (2%) foram de sentenças improcedentes, em que os juízes negaram todos os pedidos do MPF.
Inovações jurídicas
Nos julgamentos dos recursos, porém, o estudo identificou que as instâncias superiores foram favoráveis a uma série de inovações jurídicas que podem mudar o rumo da impunidade. A mais relevante foi a aceitação da condenação dos réus com base nas provas obtidas remotamente. As decisões de segunda instância e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reforçam que esse tipo de prova é considerado idôneo e de precisão superior para aferir a área desmatada.
O pesquisador do Imazon, Jeferson Almeida, explica que a inovação do MPF em usar dados remotos que comprovam o dano ambiental já possui jurisprudência favorável do STJ. “A expectativa, agora, é que esse entendimento seja adotado de forma mais célere nas decisões em primeira instância para que mais processos resultem em condenação e na obrigação de pagamento de indenização pelo dano ambiental causado à toda sociedade com o desmatamento da floresta Amazônica”.
Pagamento de indenizações
Durante o período analisado, de 2017 a 2020, apenas duas das 51 ações que resultaram em condenação com indenizações foram efetivamente pagas, que somaram R$ 42 mil. Outras condenações ainda aguardam a fase de cumprimento de sentença ou julgamento de recursos.
Além disso, a pesquisa mostrou que os magistrados reduziram os valores pedidos pelo MPF para indenização por danos materiais e morais ambientais. No caso do dano ambiental material, o valor médio pedido foi de R$ 10.843,00 por hectare desmatado, mas os magistrados determinaram o pagamento de em média R$ 5.209,00, menos da metade. Já em relação ao dano ambiental moral, as indenizações pedidas foram de R$ 5.306,90 por hectare, mas os juízes definiram em média R$ 2.277,43.
“A redução dos valores de indenizações por desmatamento ilegal mostram a necessidade de mais discussão técnica com o poder Judiciário para quantificar o dano ambiental, mesmo que o MPF tenha apresentado uma nota técnica feita com o Ibama sobre a metodologia de cálculo. Vemos que é uma demanda na qual o Conselho Nacional de Justiça poderia ter um papel, de ajudar a definir parâmetros técnicos para essas decisões”, sugere Jeferson.
Soluções apontadas
As ações que chegaram a recursos no STJ tramitaram por 2,9 anos e algumas ainda seguirão tramitação de volta à primeira instância. Por isso, os pesquisadores recomendam que o MPF passe a solicitar sanções de aplicação imediata, que podem ser determinadas pelos juízes no início do processo. São elas: a suspensão do Cadastro Ambiental Rural (CAR) do imóvel onde ocorreu o desmatamento, a restrição de acesso à crédito para atividades no imóvel, a suspensão da emissão de Guia de Trânsito Animal (GTA) e a suspensão de processos de regularização fundiária incidentes na área desmatada até o comprometimento da recuperação do dano ambiental.
Já em relação ao Judiciário, os autores do estudo recomendam a realização de treinamentos sobre responsabilização ambiental e jurisprudências mais recentes sobre o tema, como a validade do uso de provas obtidas de forma remota.
Os próximos estudos previstos pelo Imazon vão focar nos motivos para a demora na obtenção de sentenças na maioria dos processos do programa, além de atualizar o levantamento de novos casos com decisões.