Por Hyader Epaminondas

Há trinta anos, com o primeiro longa-metragem totalmente animado por computador, John Lasseter e a Pixar inauguraram a era da animação digital e deram vida a um sonho coletivo: a fantasia silenciosa de que nossos brinquedos sentem, pensam e existem para além da nossa presença.

Mas essa imaginação não nasceu nos anos 90. Desde Pinóquio, talvez a inspiração mais inevitável para Toy Story, o cinema já explorava o desejo de ver brinquedos ganhando vida. Clássicos da Sessão da Tarde como Pequenos Guerreiros (1998) e A Chave Mágica (1995) também alimentaram esse encantamento, cada um à sua maneira, mas foi Toy Story que imortalizou esse imaginário em uma escala geracional.

Para os kidults que colecionam brinquedos e guardam essas memórias até hoje, essa ideia ganha ainda mais força: cada peça carrega um valor simbólico único, moldado por afetos, lembranças e histórias pessoais. O retorno de Toy Story às telonas é um reencontro com essa poética do invisível, um mundo onde objetos ganham alma para revelar a nossa.

Acredito que esta seja a primeira vez que vejo o filme no cinema, e minha lembrança mais antiga da animação vem de uma fita VHS rebobinada dezenas de vezes durante a infância. Hoje, embora a obra revele as marcas do tempo em seu experimentalismo, a experiência na tela grande potencializa tudo: o som, a imagem, a emoção e o impacto da vida que pulsa nas expressões dos personagens.

Em um mundo em que somos obrigados a nos reinventar a cada frustração ou mudança brusca, o humor da animação se transforma em melancolia sutil e o simples se torna uma experiência de reflexão. Momentos como o colapso da Senhora Marocas ganham nova dimensão no escuro da sala de cinema, especialmente para o olhar adulto, capaz de perceber nuances e significados que passavam despercebidos na infância.

Não me importo de ser um brinquedo

No coração de Toy Story pulsa o medo do abandono, um sentimento universal que atravessa gerações, mas que aqui ganha contornos que vão além do universo infantil. Woody, ao se ver ameaçado pela chegada do reluzente e moderno Buzz Lightyear, não lida apenas com ciúmes: ele enfrenta a dolorosa percepção da obsolescência, o temor de ser deixado para trás quando já não for mais útil.

E talvez o que mais tenha incomodado o cowboy não tenha sido o carisma do astronauta, mas o fato de ele ter asas retráteis acionadas por um botão e uma pontaria a laser, atributos que, pelo menos para mim, sempre tornaram os brinquedos com asas os mais fascinantes, e essa admiração permanece até hoje. Seu dilema toca diretamente em questões como autoestima, identidade e a luta por permanecer relevante em um mundo que muda rápido demais.

Buzz, por sua vez, representa um tipo diferente de desilusão: ele acredita ser o herói de uma saga intergaláctica, vive imerso numa fantasia de grandeza até encarar a dura verdade de que é apenas um brinquedo. O que poderia ser uma piada visual ou uma simples reviravolta narrativa se transforma em um dos momentos mais melancólicos e potentes do cinema infantil.

Quando Buzz tenta voar e cai, quebrado tanto no corpo quanto no espírito, Toy Story deixa claro que seus conflitos são sobre identidade, desilusão e aceitação. É ali que a história se estabelece como uma fábula moderna sobre o que significa crescer, se reinventar e, sobretudo, encontrar valor mesmo quando tudo ao redor diz o contrário.

Por trás das cores vibrantes, da trilha sonora memorável de Randy Newman e do humor afiado, existe uma tristeza agridoce: a consciência de que tudo muda, de que até os brinquedos, tão resistentes ao tempo, também têm seus ciclos. Cada enquadramento ou ênfase na expressão dos brinquedos é cuidadosamente modelado para transmitir emoções sutis, seja o tremor de uma mão, um olhar perdido, a hesitação antes de agir, tornando o universo do filme rico em detalhes, em paralelo ao som de Amigo Estou Aqui, na voz de Zé da Viola.

O quarto azul com nuvens brancas de Andy, com sua atmosfera expansiva, funciona como um verdadeiro refúgio: um espaço onde fantasia e realidade se encontram, carregando memórias, afetos e a sensação de um mundo em que a imaginação floresce, onde os brinquedos exalam vitalidade. Ele simboliza a criação positiva, o potencial de construir histórias, aventuras e vínculos a partir do afeto e da curiosidade.

Em contraste, o quarto de Sid revela as marcas de uma infância menos acolhedora. A desordem, os brinquedos mutilados e as experiências cruéis sugerem que sua criatividade funciona como um mecanismo de defesa, uma forma de lidar com traumas que podem vir de dentro de casa. Sid não é apenas uma criança destrutiva, ele é produto de seu ambiente, lembrando que crescer nem sempre significa abrigo e proteção e que a maneira como vivemos nossa infância influencia profundamente a forma como nos relacionamos com o mundo e com os outros.

Você é meu brinquedo favorito!

Eu mesmo sempre sonhei em ter um Buzz Lightyear e, quando finalmente ganhei um, ao invés de brincar como o Andy em aventuras ilimitadas, me comportei como o colecionador do segundo filme: mantive o boneco em uma pose estática, cuidadosamente encaixado num nicho, protegido, com uma base para garantir que ele não caísse. O Woody recebeu o mesmo tratamento posteriormente. Esse distanciamento entre afeto e preservação revela o amadurecimento, e é aí que reside a atemporalidade da produção: sua honestidade emocional toca tanto a criança quanto o adulto que ela se tornou.

A ideia de que os brinquedos ganham vida quando não estamos olhando funciona, no fundo, como uma metáfora do afeto: assim como o cuidado dá sentido às coisas que amamos, é o amor que mantém Woody e Buzz vivos em nossa memória. O tempo passa, Andy cresce, seus gostos mudam, mas enquanto houver atenção, imaginação e lembrança, esses brinquedos continuarão a existir, seja nos olhos dele ou nas mãos de outra criança que descubra neles o mesmo encantamento. Essa fantasia fala mais sobre a infância do que para ela.

Esse talvez seja o maior legado da animação, e por extensão da própria Pixar nesta celebração de três décadas: mostrar que crescer não significa abandonar a infância, mas aprender a carregá-la conosco. Ao longo da quadrilogia, Toy Story mostra que a nostalgia pode ser um abrigo, mas nunca um lugar de permanência. Ela existe para nos impulsionar, lembrando de onde viemos e do que guardamos dentro de nós, sem nos aprisionar ao passado.

Crescer é justamente uma construção contínua que transforma a criança que fomos em força para seguir adiante, sem perder a capacidade de se maravilhar e se encantar por novos mundos, dentro e fora da tela. E com o quinto filme já em produção e previsto para chegar aos cinemas no ano que vem, só me resta dizer: ao infinito e além para essa franquia que segue tão viva quanto os brinquedos que um dia acreditamos ver se mover quando ninguém estava olhando.