Por Tadeu Nunes Ferreira

Para que um longa-metragem concorra ao Oscar de Melhor Filme Internacional, é necessário que o país de origem o escolha como seu representante. Para isso, a obra deve atender a uma série de critérios específicos. All We Imagine As Light (Tudo que Imaginamos Como Luz, 2024) parecia ser a escolha óbvia da Índia, porém o país optou por Laapataa Ladies, de Kiran Rao, motivado, muito provavelmente, por questões políticas. Uma das explicações para essa decisão é que Payal Kapadia, diretora do filme preterido, é uma crítica tenaz ao primeiro-ministro indiano. Apesar disso, Anuja, um belíssimo curta-metragem, foi indicado e, apesar de estadunidense, tem fortes conexões com a Índia.

Não é a primeira vez que um filme fica fora da lista de seu país de origem por motivos políticos ou ideológicos. O Brasil, por exemplo, já escolheu representantes menos aclamados simplesmente por não estarem alinhados com o discurso ideológico hegemônico do período, como no caso do franco-brasileiro Aquarius, de 2016.

Em entrevista à DW Brasil na época, Kleber Mendonça Filho criticou o fato de sua obra ter sido preterida em relação a Pequeno Segredo, de David Schurmann, um título praticamente desconhecido pelo grande público. Acredita-se que o protesto do elenco em Cannes contra o governo brasileiro tenha influenciado na escolha do filme representante do país no Oscar de 2017.

Voltando ao caso indiano, observa-se uma decisão tão questionável quanto a do Brasil. A explicação de Ravi Kottarakara, presidente da Federação Indiana de Filmes, em entrevista ao The Hollywood Reporter, foi de que “o júri disse que estava assistindo a um filme europeu que se passa na Índia, não a um filme indiano que se passa na Índia”. Essa justificativa é particularmente interessante, pois se relaciona com as polêmicas em torno do controverso Emilia Perez, um filme francês criticado por não representar adequadamente o povo mexicano.

Por ser uma coprodução franco-indiana, All We Imagine As Light poderia ter sido a escolha da França, mas o país europeu optou pelo filme de Jacques Audiard, deixando a coprodução disponível para a Índia. No entanto, com a escolha de Laapataa Ladies, o país sul-asiático acabou ficando sem nenhuma indicação ao Oscar.

Entretanto, a “pequena grande surpresa” Anuja ganhou destaque na categoria de Melhor Curta-Metragem em Live Action, tornando-se uma excelente representação indiana, mesmo não sendo produzido pelo país asiático. O filme é um excelente retrato da exploração do trabalho infantil e, principalmente, da opressão feminina em uma sociedade marcada pelo abismo entre ricos e pobres e pela misoginia.

Anuja narra a trajetória de duas irmãs órfãs que trabalham em uma fábrica de roupas e enfrentam uma jornada exaustiva em condições extremamente precárias. A irmã mais nova tem um talento para matemática e precisa decidir entre continuar trabalhando ou frequentar uma escola de elite. Esse dilema constitui o clímax da história, que, apesar de funcionar muito bem no formato de curta-metragem, deixa a sensação de que poderia ser um longa de duas horas ou mais. Ao final, Anuja se destaca como uma obra que representa a Índia de forma muito autêntica.

Diferente do diretor Jacques Audiard, que declarou em entrevistas não ter feito uma pesquisa profunda sobre o México, o diretor Adam J. Graves tem sua biografia destacada no site de divulgação do filme (https://www.anujathefilm.com/) como “um filósofo que virou cineasta”. Ele é bacharel em estudos do sul da Ásia e doutor em filosofia da religião pela Universidade da Pensilvânia. Já a produção da obra ficou a cargo da esposa de Graves, Suchitra Mattai, descrita como uma artista multidisciplinar de ascendência sul-asiática “cujo trabalho celebra o poder das mulheres, reimagina narrativas históricas e explora a história de trabalho forçado de sua família”. Apesar de não ser um filme da Índia, Anuja é um filme profundamente indiano e representa aquilo que “imaginamos como luz” em tempos de tanta confusão quanto a uma genuína representatividade.

Além do mais, a expectativa é que a obra possa ajudar a trazer um impacto real na sociedade através da denúncia do trabalho infantil e do fortalecimento da Salaam Baalak, uma organização sem fins lucrativos que oferece educação e oportunidades a milhares de pessoas em situação de rua, crianças e mulheres trabalhadoras em Déli. É assim que Anuja pode se tornar uma sutil e genuína lembrança de que, para ser bem representado, o Sul Global precisa ser conhecido profundamente, sem a tutela e os olhares enviesados do eurocentrismo.

Texto produzido em colaboração a partir da Comunidade Cine NINJA. Seu conteúdo não expressa, necessariamente, a opinião oficial da Cine NINJA ou Mídia NINJA.