Anuário Estatístico: Se fosse um país, agricultura familiar brasileira seria oitava potência do mundo
Documento divulgado no último mês reúne dados acerca da produção rural familiar e sua importância para o Brasil
Documento divulgado no último mês reúne dados acerca da produção rural familiar e sua importância para o Brasil
Por Maria Vitória Moura
No último mês, a Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag) e o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) divulgaram o Anuário Estatístico da Agricultura Familiar, reunindo informações acerca da produção rural familiar e sua importância para o Brasil. O documento traz informações essenciais para entender o perfil, a renda, a importância e a potência que é a produção familiar no país.
Conforme dados de 2017, 76,8% do total dos estabelecimentos agrícolas são da agricultura familiar. Em contrapartida, esses estabelecimentos representam apenas 23% da área rural. Tais dados evidenciam como a concentração de terras permite que grande parte da área rural permaneça concentrada em poucos latifúndios que, em números ínfimos, correspondem a quase a totalidade do território.
Mesmo com um número alarmante de desigualdade de acesso à terra, a agricultura familiar, se fosse um país, seria o 8° maior produtor de alimentos do mundo, por seu papel fundamental no abastecimento do mercado interno com alimentos saudáveis e sustentáveis, sendo responsável por até 70% da diversidade de alimentos consumidos no Brasil, gerando até 10 milhões de empregos e um faturamento anual de US$ 55,2 bilhões. Dessa produção, dividindo os dados por estado, mais da metade dos estabelecimentos não utilizam agrotóxicos, garantindo não apenas alimentos para o campo e a cidade, mas também alimentos de qualidade.
Só no Nordeste vivem cerca de 14 milhões de agricultores familiares, o que representa 47% da população rural brasileira. Mesmo recebendo apenas 14,1% do crédito distribuído pelo Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), do governo federal, a região é um dos principais polos de produção de alimentos no país. Em 2022, o Pronaf destinou R$ 5,8 bilhões aos agricultores familiares do Nordeste. Já o Sul, que tem cerca de 4 milhões de agricultores (14,3% do total), recebeu R$ 22,7 milhões, o que é mais da metade de todo recurso liberado por meio do programa.
“Imagina se a gente tivesse a mesma quantidade de recursos financeiros do Sul no Nordeste. Imagina a produtividade”, afirmou a secretária de Política Agrícola da Contag, Vânia Marques Pinto, enfatizando a necessidade de que o Estado se volte para essa região que em tanto contribui e pode contribuir para a segurança alimentar brasileira.
Para além dos dados de produção, o relatório também investigou a qualidade de vida e a participação da juventude, das mulheres e da população LGBTQIA+ nos estabelecimentos familiares.
O que chama a atenção é o esvaziamento do campo pela juventude. Em uma década, o campo perdeu mais de 1 milhão de jovens trabalhadores que se deslocaram para as áreas urbanas. Esse esvaziamento é consequência direta do sucateamento das condições de vida no campo, inclusive em relação às oportunidades de estudo. De 2010 a 2022, o número de estabelecimentos rurais de educação básica caiu de 79,3 mil para 52,7 mil.
Os jovens do campo são, ainda, disputados pelo modelo do agronegócio, sendo essa permanência, acima de tudo, uma disputa ideológica entre a agroecologia e o Pop Agro que se dissemina na mídia e na indústria cultural.
Alexandre Ferraz, técnico do Dieese, explica que é preciso pensar em ações que tornem o campo mais atrativo ao jovem, a fim de dar continuidade não apenas à produção rural, mas também à cultura e técnicas tradicionais de cultivo para as próximas gerações, já que o futuro, tanto em relação à segurança climática quanto alimentar, é inseparável da necessidade de fortalecer a agricultura familiar sustentável.