Por Thaís Morello

Recentemente, a estreia do filme ‘Anora’, dirigido por Sean Baker, gerou uma importante discussão nas mídias: ainda precisamos de roteiros em que a mulher é explorada sob o olhar masculino? Segundo os júris do Festival de Cannes, as seis indicações ao Oscar e a grande quantidade de aclamações, a resposta parece ser sim.

O filme nos mostra Anora, interpretada por Mikey Madson, uma garota de programa e stripper que conhece Vanya (Mark Eydelshteyn) na boate em que trabalha. Após ser contratada pelo jovem diversas vezes, a proximidade dos dois os levam ao altar. O que ela não esperava eram os conflitos que a família russa do garoto traria. 

Logo nos primeiros minutos, a cinematografia, que é dominada pelo olhar masculino, foca as interações sexuais de Anora com vários homens de forma desproporcional. A quantidade de cenas explícitas é exagerada, encaixadas em momentos desnecessários da história. Às vezes, sem motivo algum para o desenvolvimento da trama, estamos assistindo longas cenas sexuais.

Rapidamente, a trama leva a protagonista a ser uma personagem coadjuvante da própria história. A divulgação nos vende a imagem de uma garota forte, que não tolera desrespeito. Mas ao longo dos acontecimentos ela é reduzida a um estereótipo. Após vê-la afrontando o dono da boate e discursando pelos direitos trabalhistas, é difícil ver a mesma mulher se transformando em uma figura frágil, iludida e usada por divertimento por um jovem adulto, que mais parece um adolescente, o que a coloca como uma vítima que precisa ser salva.

É dentro desse contexto que o personagem Igor, interpretado por Yura Borisov, é introduzido: um capanga oligarca russo, gentil e que aparece como salvação e apoio para Anora durante o processo de anulação do casamento. Essa trama reforça a ideia de que uma mulher nunca consegue se virar sozinha e sempre precisa estar ao lado de uma figura masculina. 

Desde sua aparição, Igor é retratado como um príncipe encantado, um homem gentil que parece ser compreensivo. O que é estranho, já que ele chegou a amarrá-la e mantê-la presa em posições sexuais em uma das principais cenas do filme. O equilíbrio entre o abuso físico e a calma do personagem fazem com que o público trate a representação como cômica.

Na cena final, a protagonista, que passou um longo tempo sofrendo vários tipos de abusos, pergunta a Igor o porquê dele não querer estuprá-la. Só a presença masculina no desenvolvimento do filme poderia inserir essa fala e considerá-la apropriada, o que evidencia a falta de sensibilidade com a figura feminina. 

Ani passa praticamente o filme inteiro ao lado de personagens masculinos, já que poucas mulheres aparecem na tela. Ela é colocada muitas vezes em situações que exigem dela um posicionamento submisso. 

O roteiro insiste em destratar a jovem, principalmente negando sua identidade, insistindo em chamá-la de Anora, quando ela prefere Ani. A personagem é explorada física, psicológica e sexualmente, mas tudo é mascarado como se fosse uma grande comédia. A personagem principal passa pelas situações violentas com diálogos engraçados que tentam pintar um ar de empoderamento.

Texto produzido em colaboração a partir da Comunidade Cine NINJA. Seu conteúdo não expressa, necessariamente, a opinião oficial da Cine NINJA ou Mídia NINJA.