No último dia 9 de agosto, o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) lançou o estudo inédito “Saúde na Linha de Tiro: impactos da guerra às drogas sobre a saúde no Rio de Janeiro”. A investigação revela como moradores de comunidades expostas à violência armada, provocada por agentes de segurança, são impedidos de acessar os serviços de saúde e podem desenvolver doenças físicas e transtornos mentais devido a esses episódios. Os dados mostram, também, que o Estado gasta ainda mais dinheiro público para tratar doenças e transtornos que ele mesmo provoca.

A pesquisa é a terceira etapa do projeto “Drogas: Quanto Custa Proibir”, que discute os impactos da guerra às drogas, trazendo análises inéditas em quatro áreas específicas: segurança e justiça, educação, saúde e território. A primeira fase do projeto, lançada em março de 2021 com o relatório Um Tiro no Pé, revelou os impactos do proibicionismo — mote da atual política de drogas do país — no orçamento do sistema de justiça criminal do Rio de Janeiro e São Paulo. O segundo relatório Tiros no Futuro, divulgado em fevereiro de 2022, apresentou dados sobre o impacto da guerra às drogas no desempenho escolar dos alunos da rede pública municipal do Rio de Janeiro.

Julita Lemgruber, socióloga e coordenadora do CESeC e do projeto Drogas: Quanto Custa Proibir, explica que a guerra às drogas atinge brutalmente uma parcela específica da sociedade — a população negra e periférica do Rio de Janeiro. “A guerra às drogas afeta toda a sociedade brasileira. Mas são os moradores de comunidades, pobres e negros que mais adoecem com essa escolha política do Estado. Com essa pesquisa, queremos chamar atenção da sociedade para essa realidade”, afirma.

Para se ter um panorama mais abrangente, em 2022, a pesquisa entrevistou 1.500 moradores maiores de 18 anos, de seis comunidades cariocas semelhantes do ponto de vista socioeconômico, mas expostas a diferentes níveis de violência armada. As comunidades foram divididas em dois grupos: três delas frequentemente afetadas por tiroteios com a presença de agentes de segurança em 2019 e outras três que não são atingidas pelo mesmo tipo de violência, segundo dados do Instituto Fogo Cruzado. Foram considerados os tiroteios registrados a um raio de até 400 metros das unidades de saúde desses locais.

Entre as mais afetadas estão: Nova Holanda, uma das comunidades do complexo da Maré, CHP-2, do complexo de Manguinhos, ambas na Zona Norte da cidade, e Vidigal, na Zona Sul. As três comunidades que não registraram tiroteios em 2019 foram Parque Proletário dos Bancários, na Ilha do Governador; Parque Conquista, no bairro do Caju, ambas na Zona Norte do Rio de Janeiro; e Jardim Moriçaba, na Zona Oeste.

Principais destaques da pesquisa

Os números demonstram que a rotina de medo, a insegurança e as incertezas provocadas pelas constantes operações policiais nas comunidades cariocas têm impactos imediatos e causam prejuízos à saúde física e mental dos moradores no longo prazo.

As proporções de adultos com hipertensão arterial, insônia prolongada, ansiedade e depressão são maiores nas comunidades onde esses episódios se repetem sistematicamente se comparadas a outras áreas sem tiroteios constantes. Cerca de 51% dos moradores das comunidades mais expostas a tiroteios com presença de agentes de segurança sofrem com algumas dessas condições, em comparação a 35,9% dos moradores das comunidades não afetadas por esses casos.
Dos moradores das comunidades mais afetadas por tiroteios, 29,6% relataram sintomas típicos de depressão em comparação aos 15,7% dos moradores das demais comunidades.
Além disso, moradores das comunidades com mais tiroteios têm um risco 42% maior de desenvolver hipertensão e o dobro da chance de sofrer com sintomas típicos de ansiedade em relação aos moradores das outras três comunidades analisadas e com menor incidência desses episódios.

Outra condição clínica associada à violência armada é a insônia prolongada. A pesquisa estima que a probabilidade de ter insônia é 73% maior para pessoas que moram em comunidades expostas à violência armada.

A violência provocada por agentes do Estado também interfere na oferta dos serviços de saúde, resultando no fechamento de unidades, na ausência de profissionais e na impossibilidade de deslocamento até os serviços. Nas comunidades mais expostas à violência do Estado, 59,5% das pessoas disseram que a unidade de saúde já havia sido fechada em algum momento; 31,6% souberam de algum episódio em que profissionais de saúde deixaram de trabalhar e 26,5% informaram que já haviam sido obrigados a adiar a procura por um serviço de saúde em função dos conflitos armados. Nas comunidades que não foram afetadas por esses episódios, esses percentuais são consideravelmente menores.

Cerca de 30% dos moradores de comunidades submetidas à violência armada relataram efeitos negativos imediatos como sudorese, falta de sono, tremor e falta de ar durante episódios de tiroteio, e 43% dessas pessoas relataram sentir o coração acelerado ao ouvir tiroteios próximos às residências.

O custo das interrupções de atendimento nas unidades básicas de saúde

Considerando que as unidades de saúde das comunidades mais expostas a tiroteios provocados por agentes de segurança não possam funcionar aproximadamente três dias há mais por ano em comparação às unidades das outras comunidades, o custo anual desses fechamentos para os cofres públicos e para a sociedade é de R$ 316.963,72 . Em 2022, conforme a Secretaria Municipal de Saúde, foram contabilizados 445 fechamentos de unidades de saúde em função da violência.
O aumento do adoecimento nas comunidades mais afetadas pela violência provocada por agentes de segurança acarreta um custo adicional para o Estado. O custo anual do tratamento de paciente com hipertensão arterial e depressão pode variar entre R$ 69 mil e R$ 95 mil, em valores de 2022.
“O contexto da violência armada no Rio de Janeiro tem uma singularidade em relação às outras cidades no Brasil. Nossos dados mostram que a guerra às drogas impede que as pessoas tenham acesso a um direito básico e universal como a saúde. Compreender os impactos dessa violência é essencial para a formulação de políticas que possam transformar essa realidade”, reflete Mariana Siracusa, coordenadora da pesquisa.
Para mais informações sobre o projeto “Drogas: Quanto Custa Proibir”, clique aqui.

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