Alguns artistas marcam as suas gerações, outros transcendem. É o caso de Sandra de Sá, uma das vozes mais potentes da música preta brasileira e da black music. Na coluna de hoje, ela fala sobre a carreira, a família, sua missão como artista e a importância de se ficar atento aos avanços do movimento negro, que ainda caminha a passos lentos, quando o assunto são medidas efetivas. Para além disso, no mês do setembro amarelo, ela também joga luz para um tema extremamente urgente: a saúde mental da população negra.

Sem mais delongas, com vocês, a nossa icônica Sandra de Sá:

Como está sendo essa experiência de fazer o musical “80 – A Década do Vale Tudo”?

Sandra de Sá – Além de ser um exercício incrível de disciplina e respeito, está sendo altamente incrível a convivência com os criadores, Fred e Marcos, Victor, Jules, todo o elenco incrível. Essa experiência está sendo muito engrandecedora, muito evolutiva, digamos assim, para mim. E fora isso, nossa! Eu acho que a década de 80 é a espinha dorsal do que eu sou hoje, do que somos hoje. A importância dela para o Brasil, pra gente que viveu, é muito grande. Eu sou sobrevivente da década de 80 e sou feliz por isso. Tá sendo muito bom, estou altamente alucinada com isso tudo.

Foto: Roberto Schwenck

Você acredita que a pauta racial avançou no Brasil?

Sandra de Sá – Isso aí é uma parada altamente delicada, principalmente no país que a gente vive. Eu acredito que as discussões tenham avançado, mas as medidas efetivas não. Ainda que tenhamos uma representatividade maior na política, inclusive com pessoas da comunidade LGBTQIAP+, como a deputada federal Erika Hilton, o Brasil ainda é um país extremamente violento para pessoas negras, especialmente para as mulheres. Das vítimas de feminicídio no país, 62% são negras, além de que é a população que mais morre em confrontos com a polícia, homens ou mulheres. Estes são dados da Anistia Internacional, não sou eu quem tô falando, tá ligado? E eu não falo só de violência física, não! Mas também tem o sofrimento psicológico, que afeta principalmente jovens. O índice de suicídio é 45% maior entre jovens negros em relação aos brancos segundo o Ministério da Saúde. E eu acredito que, para além das discussões, faltam medidas públicas e intencionalidade para o combate ao racismo no Brasil.

Foto: Divulgação

Quando você leu pela primeira vez a composição de Macau, “Olhos Coloridos”, que se consagrou na sua voz, o que você sentiu?

Sandra de Sá – “Olhos Coloridos” é um hino para muita gente. Basta ouvir uma vez e a música já te absorve, e eu acho que são as palavras que são cantadas. É o que as pessoas querem falar porque é o que elas sentem. E quem conhece a história da música, mais ainda. Acho que já foi altamente falado, mas a história é que Macau estava numa exposição de um colégio no Estádio de Remo (da Lagoa), e um policial achou que ele estava em atitude suspeita, foi preso, tomou porrada e tudo o mais. Quem tirou ele da cadeia foi o padre da Igreja onde ele era coroinha. Ele ficou quase 12 horas rodando dentro do camburão, porque naquele tempo rolava muito isso. E depois de acontecer isso tudo, ele tava arrasado, chorando e psicografou “Olhos Coloridos”. É uma história forte que muita gente se identifica. É um hino, é o que a gente quer falar.

Muitas de suas músicas se tornaram verdadeiros hinos, atravessando gerações. Qual é a sensação de ver suas canções continuarem tocando corações e sendo apreciadas ao longo do tempo?

Sandra de Sá – Ah, é uma sensação maravilhosa! Não de dever cumprido, mas de que estou cumprindo legal a minha missão, de que está fluindo bem. Saber que um pai ou mãe me escuta, e, agora, os filhos deles curtem o meu trabalho é muito especial. Esse passar das gerações é muito maneiro e ver que minhas músicas sobrevivem a isso é sensacional. Fico muito feliz de ver esse movimento com a minha arte.

Foto: Lucas Carvalho

André Menezes – Sabemos que você já se apresentou em diversos lugares no Brasil e no mundo. Existe algum show ou momento em particular que você considere como um dos mais memoráveis da sua carreira?

Sandra de Sá – Eu falei sobre missão e a parada é essa. A missão é tão leve, tão gostosa, são tantos momentos especiais pra mim em mais de 40 anos de carreira que nem sei por onde começar (risos). Mas cada vez que eu me apresento é altamente especial, dividir o palco não com colegas de profissão, mas com amigos, cúmplices de missão, tem sido extraordinário

Qual legado você quer deixar?

Sandra de Sá – O que eu procuro deixar bem claro pra todo mundo, o que eu falo até nas minhas atitudes, é que a verdade é importantíssima. A gente não pode ter medo de ser, não podemos ter medo da gente. A gente tem que exercitar o sair pra dentro para entrar para fora.

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