Além dos problemas correntes do serviço público de saúde, parte da população brasileira composta por lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis, queer, dentre outras sexualidades e identidades de gênero, encontram entraves que os distanciam da integralidade e da equidade ao acesso aos serviços de saúde, como os constrangimentos diversos que ocorrem antes, durante e após as consultas.

Quando se trata de um grupo composto por mulheres transexuais e travestis, esse problema torna-se ainda mais evidente, pois para a continuidade do acompanhamento junto ao urologista – lembrando que mesmo àquelas que optam pela transgenitalização, não retiram a próstata – é necessário que frequentem ambientes predominantemente masculinos, como as salas de espera dos consultórios médicos.

Para além disso, o cenário fica ainda mais delicado quando examinamos os dados da VU University Medical Center, da Holanda. Segundo a pesquisa, mulheres transexuais e travestis que realizam terapia hormonal têm quarenta e sete (47) vezes mais chances de desenvolver câncer de mama. Este número deve-se não somente em razão do uso prolongado de hormônios, mas, também, ao uso desses medicamentos sem acompanhamento médico regular. Importante apontar que o emprego dessas terapias hormonais é fundamental para muitas mulheres transexuais, travestis e também para homens transexuais e não-binários, uma vez que possibilita que essas pessoas se sintam confortáveis na pele que habitam.

Mulheres bissexuais, lésbicas e pansexuais também sofrem com os efeitos da discriminação no âmbito da saúde, com maior incidência na área da ginecologia, pois uma vez que revelam sua orientação sexual ao médico, tendem a ter os exames preventivos de cânceres, como o papanicolau, dispensados sob orientação médica, dificultando a detecção de qualquer indício de neoplasia maligna. Isto fica evidente quando vemos que apenas 47% das mulheres que fazem sexo com mulheres (MSM) realizam consultas ginecológicas anualmente, segundo dados do relatório Atenção Integral à Saúde das Mulheres e Bissexuais, do Ministério da Saúde.

Muitas pacientes não se sentem confortáveis em revelar sua orientação sexual, porque os especialistas não dão a devida atenção às suas demandas, seja por desconhecimento para com os cuidados médicos necessários a essas mulheres, ou, ainda, por preconceito. Assim, evitam frequentar ambientes que sabem que serão alvo de discriminação e intolerância, deixando de lado o rastreamento de inúmeras doenças.

Todas essas questões criam sobreposições de opressão nesta parcela excluída da população que, embora contemplada pelo direito à não-discriminação presente tanto na Declaração Universal dos Direitos Humanos, quanto na Carta das Nações Unidas, ainda está superincluída nas categorias de gênero existentes, através de uma visão universalista de como são percebidas as vulnerabilidades e os abusos. Essas lacunas legislativas atrapalham não somente na percepção dos casos onde a discriminação se faz presente, como também na proteção de garantias de direitos que deveriam ser devidamente reconhecidos.

Em Uberlândia (MG), propusemos o Projeto Saúde LGBTQIA+

Elaboramos um projeto de lei, na Câmara Municipal de Uberlândia, que prevê a criação de uma seção no Código Municipal de Saúde para determinar a promoção de iniciativas para a redução de riscos e atenção ao uso prolongado de hormônios, a prevenção de cânceres ginecológicos (cérvico uterino), de mama e próstata, além da garantia aos direitos sexuais e reprodutivos.

A proposta é assegurar atendimento adequado nas unidades de saúde do Município, coibir discriminações, evitar constrangimentos e contemplar as especificidades dessa parcela da população. Nosso projeto foi construído em parceria com a ex-vereadora e deputada federal Dandara Tonantzin (PT).

Devemos entender, também, que quando tratamos de pessoas que se identificam como LGBTQIAP+, é essencial que se trabalhe com toda a estrutura que as oprimem, isto é, realizando os recortes que as atravessam como forma de compreender suas necessidades específicas. Neste caso, importa compreender que essa comunidade vai ser, mais frequentemente, alvo de intolerância e discriminação por não performarem, em certa medida, o binarismo ou gêneros com os quais nasceram.

Nossa pretensão é garantir acesso a direitos básicos para uma parcela da população que, sistematicamente, sofre com preconceitos e marginalização. O devido acolhimento e atenção dos serviços de saúde às pessoas LGBTQIAP+ são passos fundamentais para a garantia de cidadania e vida digna à nossa comunidade.

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