A eleição de uma mulher lésbica e com deficiência incomoda toda a estrutura de um sistema político construído para excluir a diversidade. Em uma cidade conservadora como Uberlândia, o fator disruptivo de uma mulher lésbica e com deficiência na vereança é visto como uma ameaça a alguns setores predominantes da sociedade que sempre se colocaram hierarquicamente superiores nos espaços de poder e tomada de decisões. Enraizados no machismo, patriarcado, misoginia, sexismo, capacitismo e LGBTfobia. São essas violências que continuam atravessando a minha existência e o lugar que ocupo.

Sobrevivi a diferentes formas de violência desde a infância e, assim como eu, tantas outras mulheres lutaram para conquistar e transformar o espaço político. Colocamos nossos corpos à disposição para lutar por uma sociedade menos desigual e pelo futuro que queremos.

Em 2020, tive minha primeira experiência político partidária em uma eleição, entrei em um novo mundo repleto de novos desafios para uma ativista em direitos humanos que pauta recortes sociais que atravessam minha própria existência e o entendimento de meu lugar no mundo. Mesmo com baixíssimos recursos, tive muito propósito durante a campanha, tanto que ao final do período eleitoral recebi a grata notícia de que havia uma cadeira na Câmara de Uberlândia esperando por mim.

Além de todos os desafios, aconteceu o que há de mais comum para nós, mulheres na política, o início de uma violência política de gênero praticada por homens que disputavam diretamente comigo e não conseguiam aceitar uma mulher abordando a construção de uma cidade com mais justiça social e democracia.

Boicotes foram feitos numa tentativa frustrada de sabotar que uma mulher como eu cumprisse o mandato. Há uma expectativa dos homens de que mulheres não consigam trabalhar na política de maneira efetiva sem os estereótipos que nos são colocados.

Ser a primeira mulher publicamente lésbica e com deficiência eleita em Uberlândia traz consigo um marco histórico e uma enorme responsabilidade no que isso representa.

Desde o início, as micro violências têm se tornado parte da minha rotina de trabalho, desde o desrespeito nas sessões pelos parlamentares que diminuem a importância das minhas colocações, da falta de respeito durante as falas, de sempre tentarem colocar as mulheres como histéricas nas discussões naturais da política. Pra além disso, as falas violentas sobre nossos corpos e existências, as diferentes formas de assédio. É um espaço extremamente hostil e violento, falas de cunho sexual, por exemplo, acontecem pelo fato de ser uma mulher lésbica.

O fato é de que, além das posturas de afronta à credibilidade e competência, há os ataques que são direcionados à minha existência, ofendendo a minha orientação sexual e me desumanizando pelo fato de ser uma pessoa com deficiência visual.

Nos atos antidemocráticos de ocupação de quartéis, após o resultado das últimas eleições, recebi diversos ataques de grupos da extrema direita por eu cobrar, em sessão, que a polícia realizasse fiscalização na área por conta das denúncias de perturbação da ordem e do sossego, em parte feitas por mães atípicas.

Foram dias convivendo com mensagens de ódio nas redes sociais, ligações e e-mails, além de ameaças a minha integridade física e segurança, em que pessoas com perfis utilizando fotos com rifles diziam que eu “teria o que merecia”.

O fato que chama atenção aqui é que outros vereadores homens também denunciaram a mesma questão e não foram ameaçados pelos ataques coordenados que vieram de vários locais do país.

Por dias recebi prints de imagens de fotos minhas e meu número pessoal sendo divulgado nestes grupos e foi preciso direcionar todos esses fatos para que o Ministério Público Federal (MPF) pudesse tomar providências e investigar todas essas questões que se agravaram durante meses.

O mesmo aconteceu quando relatei condutas de empresários da cidade que constrangiam funcionários em seus locais de trabalho para coagi-los a votarem em seus candidatos na eleição.

Em um episódio mais recente, novos ataques foram feitos a mim por expor a questão de um projeto de lei inconstitucional que proibia o que chamam de “ideologia de gênero”, aprovado em Uberlândia neste mês.

Sabemos da manipulação deste discurso utilizado por setores de uma ultradireita que postula a legitimação da violência de gênero e da LGBTfobia, negando nossa existência e nossos direitos. Querem determinar sobre diretrizes de educação que não são competências de legislatura municipal, mas conseguiram concretizar uma discriminação legislada contra mulheres e LGBTs, impedindo que se faça o debate dos estudos de gênero nas escolas e que se dialogue sobre prevenção a diferentes formas de violência contra crianças e jovens, uma ferramenta importantíssima no combate ao abuso infantil, por exemplo.

A criação desse inimigo fictício que somos nós, mulheres, LGBTs, população negra, periférica e os mais vulneráveis socialmente, é utilizada como projeto político de dominação e uma cortina de fumaça com relação aos debates que realmente trazem um impacto social e econômico relevante.

Essa atmosfera de medo do desconhecido que é gerada só atende aos propósitos de uma elite que precisa manter o controle social dos espaços onde está inserida. Os ataques que recebi em virtude deste projeto não me espantam, mas me preocupam pelo alcance e proporções desse discurso de ódio e de desinformação que são plantados e encorajados em falas de parlamentares que dizem estar “combatendo o pecado” e protegendo a família, em uma concepção extremamente arcaica, que não contempla o que existe de realidade em nosso país, composto em sua maioria por mães solo, famílias amplas com avós cuidando de netos, e tantos outros formatos juridicamente estabelecidos, inclusive.

Foram violências diversas sobre o que sou e represento. Todo esse ódio mostra que o real propósito de projetos como esse, são para exterminar nossa existência e nos colocar de volta no esquecimento, na invisibilidade e marginalidade. Por isso resistimos, e não retrocederemos. Chegamos para ficar, aqui estarei e seguirei no propósito para que mais de nós ocupem os espaços políticos.

Conheça outros colunistas e suas opiniões!

Colunista NINJA

Memória, verdade e justiça

FODA

Qual a relação entre a expressão de gênero e a violência no Carnaval?

Márcio Santilli

Guerras e polarização política bloqueiam avanços na conferência do clima

Colunista NINJA

Vitória de Milei: é preciso compor uma nova canção

Márcio Santilli

Ponto de não retorno

Renata Souza

Abril Verde: mês dedicado a luta contra o racismo religioso

Jorgetânia Ferreira

Carta a Mani – sobre Davi, amor e patriarcado

Moara Saboia

Na defesa das estatais: A Luta pela Soberania Popular em Minas Gerais

Dríade Aguiar

'Rivais' mostra que tênis a três é bom

Andréia de Jesus

PEC das drogas aprofunda racismo e violência contra juventude negra

Colunista NINJA

50 anos da Revolução dos Cravos: Portugal sai às ruas em defesa da democracia

Colunista NINJA

Não há paz para mulheres negras na política

André Menezes

“O que me move são as utopias”, diz a multiartista Elisa Lucinda

Ivana Bentes

O gosto do vivo e as vidas marrons no filme “A paixão segundo G.H.”

Márcio Santilli

Agência nacional de resolução fundiária