Por Hyader Epaminondas

Com excelência comprovada no gênero do terror, Fede Alvarez, o diretor que assume as rédeas deste novo capítulo, acerta em cheio ao injetar frescor na franquia, ao mesmo tempo que preserva a essência claustrofóbica característica da saga “Alien”.

Desta vez, o protagonismo é dividido entre Cailee Spaeny, que dá vida a Rain, e David Jonsson, interpretando seu irmão sintético, Andy, com uma interação energética fluida e interdependente. Juntos, eles não apenas brilham nos melhores momentos do filme, mas também trazem uma profundidade humana aos aspectos mais densos e filosóficos da narrativa para quem busca ir além do terror explícito.

Enquanto a franquia “O Exterminador do Futuro” se perdeu em um ciclo interminável de reinícios e ajustes apressados, sacrificando sua coesão narrativa e popularidade ao apagar produções anteriores sem um planejamento a longo prazo, a franquia Alien preservou sua integridade ao respeitar e expandir sua cronologia original. “Romulus” exemplifica essa abordagem cuidadosa, sendo inserido de forma inteligente em um momento repleto de incertezas e mistérios, durante os 57 anos de hibernação de Ellen Ripley após os eventos do primeiro filme.

A introdução de um novo grupo de tripulantes, composto por adolescentes forçados a condições análogas à escravidão em um dos planetas colonizados pela corporação Weyland-Yutani, oferece uma nova perspectiva ao universo. Esses jovens, em busca desesperada por uma vida melhor, introduzem uma nova camada de complexidade ao cenário nos subtemas abordados pela saga em paralelo com as sequências de terror promovidas pelo icônico Xenomorfo, onde o silêncio absoluto do espaço amplifica ainda mais o peso de suas lutas e esperanças.

Ultimamente, tenho admirado como tramas simplificadas estão sendo exploradas em todo o seu potencial, com uma visão objetiva e clara dos realizadores. “Romulus” é uma história completa, com início, meio e fim, sobre uma invasão que dá errado na Estação Espacial Renaissance, que possui dois módulos distintos: Remus e Romulus, funcionando tanto como um novo capítulo na saga quanto como um thriller de terror autossuficiente ao mesmo tempo que expande a história rumo a um futuro inexplorado.

Apesar do elenco de apoio ser esquecível, a interação entre eles funciona na progressão da trama. Dentre eles, apenas Isabela Merced se destaca ao transmitir com autenticidade todo o horror das situações enfrentadas por sua personagem, mesmo com diálogos mínimos ou inexistentes.

Do fandom à direção

Como um fã declarado da saga, a direção de Alvarez é precisa e eficaz, mesmo dentro das limitações de tempo, conseguindo não apenas apresentar, mas também desenvolver seus personagens de maneira convincente antes do tão aguardado confronto com o Xenomorfo. Em vez de recorrer a diálogos longos e expositivos, Alvarez aposta na força de projeção do seu elenco, permitindo que os atores expressem suas convicções através de ações cuidadosamente arquitetadas, refletindo uma direção que valoriza a sutileza e a intensidade emocional.

O resultado é uma aventura paralela que revitaliza a saga, a qual havia perdido parte de seu fôlego nos últimos anos com filmes excelentes, mas filosoficamente complexos, como os prólogos, “Prometheus” e “Covenant”, dirigidos por Ridley Scott, o criador da saga, que não foram compreendidos e aceitos pelo grande público.

A protagonista, interpretada por Spaeny, dá continuidade à tradição das heroínas da saga, assumindo sem querer uma responsabilidade monumental em suas costas. Sua atuação é notável por sua capacidade de transitar entre momentos de silêncio ansioso e a firmeza da tomada de ações decisivas para proteger seu irmão, demonstrando um comprometimento absoluto, capturando a complexidade necessária para enfrentar uma missão quase impossível e claustrofóbica no vazio do espaço, mas isso já era esperado devido a sua performance em “Guerra Civil”, de Alex Garland.

Por outro lado, o androide Andy, interpretado por Jonsson, inicia sua jornada com timidez, como um personagem quase irrelevante, um ser artificial obsoleto, marcado por sinais de demência devido à sua desatualização. No entanto, ao longo da trama, Andy evolui de maneira surpreendente, transformando-se em um dos seres sintéticos mais complexos e intrigantes da franquia, deslizando de um olhar aparentemente inofensivo, marcado pelo medo do que o cerca, para uma postura intimidadora e segura de si, com uma naturalidade gelidamente fascinante. Sua transformação projeta de forma simbólica a crítica do público às ações imprudentes e impulsivas dos tripulantes que passaram pela franquia, oferecendo uma reflexão interessante sobre a lógica e os erros humanos.

O legado da saga

Desde o filme original, “Alien” tem utilizado o terror e a ficção científica para investigar vários aspectos da existência humana, incluindo a natureza da vida, a consciência de classe, a opressão do sistema capitalista, o papel da inteligência artificial e as implicações éticas das nossas interações com o desconhecido, sempre trazendo a proposta de focar em uma classe social específica subjugada pela corporação Weyland-Yutani. Em “Romulus”, esses temas são reintroduzidos, oferecendo não apenas sustos e tensão, mas também um convite para refletir sobre a natureza da consciência e os desafios éticos que ela impõe.

A questão da consciência, por exemplo, é central ao enredo, transformando-se em uma espécie de dissertação sobre o que significa estar consciente em um universo indiferente – toda a trajetória de Andy serve para abordar essa temática. Esse tema é ampliado pela introdução de debates sociais sutis, levantando questões sobre controle, poder e moralidade. “Romulus” mergulha profundamente na opressão sistêmica, ao dar voz ao cidadão comum, explorando um cenário em que crianças crescem sob a sombra implacável do lucro corporativo nas colônias.

O ambiente retratado perpetua um ciclo de exploração devido à ganância corporativa que reflete a injustiça vivida pelas gerações anteriores. Os pais, atraídos pela promessa de uma vida melhor nas colônias, acabaram se vendo presos em um destino sem escapatória, vivendo em planetas com condições desumanas e com contratos de trabalho que remetem a condições de exploração extrema. Esta situação serve como uma metáfora para a nossa realidade atual.

Se tirarmos os elementos de ficção, podemos ver paralelos com a sociedade contemporânea, que está mergulhada em conflitos sem sentido e aprisionada por um sistema falido em direção à miséria absoluta. Esse cenário é especialmente relevante para os jovens de hoje, cujos direitos e esperanças estão se fragmentando e enfraquecendo cada vez mais.

Fede Alvarez, em perfeita sintonia criativa com Ridley Scott, entrega uma produção que satisfaz tanto os fãs fervorosos da franquia quanto aqueles em busca de um thriller de terror envolvente, sempre evocando de forma eficaz o sentimento de ser consumido, seja pelas forças implacáveis do capitalismo ou pela ameaça aterradora do monstro título. “Alien: Romulus” mescla o terror clássico com elementos modernos, enquadramentos surreais e soluções inteligentes para capturar toda a tensão necessária na construção do organismo perfeito para ir além do bizarro para reafirmar Alien como uma das franquias mais importantes do cinema.