Por Isabella Senise para a Cobertura Colaborativa #NECParis2024

Presente nas disputas paralímpicas desde 2004, a seleção brasileira feminina de goalball tem um histórico de conquistas, incluindo a medalha de bronze no Campeonato Mundial de 2018 e no Parapan-Americano de Santiago em 2023, além do ouro no Parapan-Americano de Lima em 2019.

A equipe chegou a Paris ciente dos desafios que enfrentaria na primeira fase dos Jogos Paralímpicos. Mesmo assim, as atletas estrearam com um empate contra a Turquia, bicampeã paralímpica. Apesar das derrotas para Israel e China, ambas potências na modalidade, a seleção brasileira segue confiante para as quartas de final. Elas entrarão em quadra nesta terça-feira, 3 de setembro, às 13 horas (horário de Brasília), para enfrentar o Japão.

Para entender os desafios desta nova fase e os progressos alcançados até agora, o Ninja Esporte Clube conversou com Alessandro Tosim, técnico da equipe feminina desde 2023.

Com uma trajetória marcada por conquistas como técnico da equipe masculina, incluindo ouro nos Jogos Paralímpicos, Campeonatos Mundiais e Jogos Parapan-Americanos, Alessandro possui vasta especialização em pedagogia do esporte, especialmente em atividades motoras e esportivas inclusivas para pessoas com deficiência. Doutor em Educação Física na área de Biodinâmica do Movimento e Esporte, ele também é especialista em Atividade Motora Adaptada e, desde 2023, coordena as categorias de base da CBDV (Confederação Brasileira de Desportos de Deficientes Visuais), onde ministra cursos de capacitação em futebol de cegos, goalball e judô paralímpico.

Após 13 anos atuando como técnico da seleção masculina de goalball, como foi assumir o time feminino em 2023?

Foto: Portal Crabeúva

Eu acredito que todo grande treinador gosta de desafios. Quando o presidente da CBDV, Zé Antônio, me convidou para assumir esse novo desafio, aceitei prontamente, sabendo da minha experiência e do quanto posso contribuir para o desenvolvimento dessas atletas. E acho que está funcionando. É visível o quanto elas evoluíram ao longo desses sete meses em que estou à frente da seleção feminina.

Como sua experiência com a evolução do time masculino até o ouro em Tóquio tem contribuído para a preparação das meninas nos últimos sete meses de treino?

São situações diferentes. Para chegar ao ápice, existem diversos fatores que levam um atleta a conquistar o maior título de todos, como a medalha de ouro dos meninos. Estamos em um processo de grande evolução. Elas mudaram muito em relação ao estilo de jogo, à dinâmica e ao sistema tático. Agora, estamos focados na evolução mental, fazendo com que se tornem grandes atletas no quesito pensamento e adquiram um ímpeto vitorioso. Estamos começando a ver esse progresso, com elas entendendo a importância de ter essa mentalidade vencedora.

As competições de goalball feminino começaram com uma primeira rodada desafiadora para o Brasil, contra Turquia, Israel e China. Como foi a preparação para esse momento?

Realmente, o grupo era muito forte. São três seleções candidatas ao ouro, mas sempre trabalho com a mentalidade de que uma equipe que quer ser campeã não escolhe adversários, ela joga contra todos. A importância de enfrentar um grupo tão qualificado desde o início é imensa, pois nos coloca no ritmo da competição. A partir daí, a equipe tende a evoluir dentro do torneio.

Depois de passar por uma primeira fase desafiadora, como tem sido a preparação psicológica das meninas para as quartas de final?

Sabíamos que a primeira fase seria intensa e estávamos em um grupo forte, com grandes confrontos. E foi exatamente o que aconteceu. No goalball, pequenos detalhes fazem toda a diferença. Estamos constantemente trabalhando com uma abordagem positiva, mostrando para elas o quanto evoluíram nessa fase inicial. Vimos isso de forma muito positiva. Acabamos de realizar um treino e já trabalhamos todas as estratégias táticas que usaremos contra o Japão. A confiança delas para passar às semifinais é evidente.

O goalball masculino tem um histórico mais longo nos Jogos Paralímpicos e o time masculino brasileiro foi ganhando força ao longo das participações. Independentemente do resultado das quartas de final femininas, como você vê a participação e o progresso das meninas até agora, além da importância da representatividade que elas podem ter no esporte daqui pra frente?

Foto: Alessandra Cabral/CPB

A evolução dentro da competição é clara. A equipe masculina foi construída ao longo dos anos, e para alcançar todos os títulos que têm, foi necessário muito tempo e trabalho. É o que estamos tentando fazer com a equipe feminina. Assumimos o time há sete meses e estamos criando novas estratégias para elas. A primeira competição foi muito forte, o que já representa um grande progresso. No futuro, novas estratégias e novos atletas serão incorporados à seleção, construindo uma nova história. Estamos confiantes em nossa partida contra o Japão. Sabemos que será um jogo difícil e muito tático, mas treinamos para isso. Analisamos o Japão e planejamos nossas ações. Precisamos de paciência em um jogo tão complexo para tentar avançar às semifinais.

Em 2023, você se tornou coordenador das categorias de base da Confederação Brasileira de Desportos de Deficientes Visuais (CBDV) e iniciou um trabalho importante de capacitação e apoio aos técnicos de categorias como futebol de cegos, judô e o próprio goalball. Como esse trabalho pode contribuir a longo prazo para o desempenho das equipes brasileiras nesses esportes?

Esse é um trabalho que eu desejava realizar há muito tempo, considerando as perspectivas futuras das modalidades administradas pela CBDV. Uma das ideias era capacitar treinadores para essas modalidades, o que também foi tema do meu doutorado. O estudo focou na formação de treinadores no esporte de alto rendimento paralímpico, e isso nos permitiu contribuir para o desenvolvimento desses profissionais, que muitas vezes têm conhecimento da modalidade, mas precisam aprofundá-lo. Além disso, existem outros fatores que influenciam o desenvolvimento desses treinadores. O objetivo do curso de capacitação era justamente esse: contribuir. E, obviamente, vamos continuar com esse processo.

Qual é a importância do goalball, além do desempenho esportivo, para a vida das jogadoras?

Hoje, temos um papel fundamental em contribuir para além das quatro linhas. Sempre digo isso às meninas. Um treinador atual se preocupa não só com o atleta dentro da quadra, mas também com tudo o que está ao seu redor. Quando tudo está alinhado, a mente pode se concentrar no principal, que é a modalidade que você pratica e compete. Além disso, tentamos estimular de outras maneiras. O treinador hoje precisa fazer com que os atletas sejam constantemente estimulados em atividades cognitivas, por isso a importância de continuar estudando e pensando no futuro, não apenas no esporte. Também focamos em condutas: sempre mostramos a importância de respeito e harmonia dentro do grupo, pois esses elementos são fundamentais para o desenvolvimento. Portanto, o papel do treinador esportivo vai além das quatro linhas.

Em uma entrevista para o Comitê Brasileiro de Clubes Paralímpicos, você afirmou que “não se faz esporte paralímpico sem ciência”. Você poderia explicar por quê?

Hoje, tudo mudou, inclusive as metodologias de ensino. O treinador esportivo deve trabalhar com metodologias atuais no esporte coletivo para desenvolver os atletas dentro da quadra. A ciência, com suas avaliações e equipes multidisciplinares, contribui enormemente para o desenvolvimento dos atletas. Atualmente, para alcançar a alta performance esportiva, ninguém trabalha mais sozinho. Precisamos de várias pessoas contribuindo para o desenvolvimento do esporte. Por isso, as áreas que complementam o head coach são tão importantes: psicologia, nutrição, fisioterapia, medicina, análise de desempenho, preparação física. Todos esses grupos são essenciais para o desenvolvimento das modalidades esportivas. Por isso, o treinador não pode mais pensar que é a peça central; ele é o líder, mas sozinho não consegue realizar um grande trabalho. Se temos pessoas para nos auxiliar, precisamos delas.