Por Maria Antônia Diniz

A cinematografia latino-americana teve um desenvolvimento lento no que se refere à formação de mercado, em razão do isolamento econômico entre os diferentes países nas regiões das Américas do Sul, Central e México, dependendo quase que exclusivamente dos espectadores de seus mercados internos para se sustentar. Só a partir dos anos 1960, com o levante dos cineastas revolucionários que contestavam os regimes militares, surgiu a noção de um “cinema latino” como uma manifestação artística com uma identidade própria, que segue cativando olhares do mundo com a sua internacionalização. 

Breve histórico

Apenas um ano após a primeira exibição de cinema, os equipamentos de filmagem já seguiam para a América Latina, impulsionando o cinema especialmente no Brasil, Argentina e México. Na década de 1930, as paisagens exóticas da região atraíram cineastas estrangeiros, como Sergei Eisenstein. No século 20, surgiram produtoras como México Films (uma empresa estatal) e Pecusa – Películas Cubanas SA (de natureza privada), focadas em exaltar paisagens e mulheres latinas, muitas vezes reforçando estereótipos e uma visão exotizada da cultura local.

Após a Segunda Guerra Mundial, a cultura cinematográfica na América Latina passou por uma reconfiguração. Enquanto os filmes de Hollywood ganhavam cada vez mais espaço nas salas de cinema da região, cineclubes surgiram para promover inovações e filmes alternativos produzidos em outros países, como o Neorrealismo Italiano e a Nouvelle Vague Francesa. Esses cineclubes eram, em sua maioria, frequentados por estudantes, críticos de cinema e entusiastas da sétima arte. Além disso, as revistas especializadas em cinema também alcançaram grande popularidade nesse período.

Cena do filme “Los Olvidados” (1950). Foto: OCEC

Nos anos 1940 e 1950, o cinema latino-americano viveu sua fase de ouro com melodramas e comédias populares, como as rancheiras mexicanas e as chanchadas brasileiras. Estúdios como Vera Cruz, Atlântida e Churubusco prosperaram, promovendo suas próprias estrelas e competindo com Hollywood. Diretores como Juan Orol e Emilio Indio Fernández exploravam temas humanos e trágicos.

Na década de 1960, influenciados pela Revolução Cubana e outros movimentos revolucionários, cineastas como Glauber Rocha, Fernando Solanas e Tomás Gutiérrez Alea produziram filmes politicamente engajados. A criação de instituições como o Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográfica (ICAIC) em Cuba e festivais de cinema latino-americano, como o de Viña del Mar no Chile, fomentou um novo cinema, mais experimental e ativista, refletindo as lutas políticas.

Entre as décadas de 1990 e 2000, o cinema latino experimentou uma nova onda criativa, com diretores abordando questões sociais, como violência urbana e memórias das ditaduras. Nomes como Alejandro González Iñárritu, Walter Salles e Fernando Meirelles ganharam destaque internacional, consolidando a presença do cinema latino — que buscava equilibrar expressão artística com sustentabilidade econômica — em festivais globais. 

Estéticas e Identidades

Desde que o “Star System” e o “Gênero Cinematográfico” surgiram na indústria cinematográfica Hollywoodiana, pouco se falou em romper com a lógica comercial perpetuada por essas dinâmicas. Ainda hoje, a maior parte das pessoas escolhe filmes por conta de estrelas, avaliações dispostas em indicadores famosos — como o Rotten Tomatoes ou IMDb — ou pelo gênero (romance, drama, ação…). Um filme pode ter vários gêneros incorporados e, colocá-lo nessas “caixinhas” pode ser algo muitas vezes problemático, podendo comprometer a diversidade das produções e o impacto perante o público. 

No caso do cinema latino, essa classificação em gêneros pode erroneamente reduzir a maior parte das obras latinas a “dramas”. O cinema da América Latina não se encaixa nesses padrões comerciais e tende a seguir seu próprio caminho, dentro das suas próprias condições econômicas, técnicas, sociais e culturais. O realizador Latino Americano — marcado por um contexto histórico de censura e coerção — se inspira na realidade e nas suas aspirações e revoltas, fazendo uso político e representativo de seu cinema para denunciar abusos, violências, desigualdades e outros temas a partir de um teor artístico. 

Cena do filme “Terra em Transe” (1967). Foto: Instituto Moreira Salles

Características marcantes incluem a ruptura da narrativa linear, a utilização de múltiplos pontos de vista, o uso de voz em off, e a mistura entre ficção e documentário. A experimentação estética visava valorizar a originalidade, o uso de metáforas e alegorias para transmitir mensagens políticas e sociais, como exemplo podemos citar Terra em Transe, Glauber Rocha (Brasil, 1967) e Memórias do Subdesenvolvimento, Tomás Gutiérrez Alea (Cuba, 1968), ambos os filmes criticam o subdesenvolvimento e o imperialismo na América Latina, explorando a alienação dos protagonistas frente às tensões políticas e culturais de seus países. 

A partir dos anos 1980, o cinema latino-americano passou a se aproximar do modelo hollywoodiano para alcançar sucesso comercial, embora alguns cineastas ainda mantivessem uma estética inovadora. Filmes como Amores Brutos (2000), do mexicano Alejandro González Iñárritu; o brasileiro Central do Brasil (1998), de Walter Salles; e o argentino Nove Rainhas (2000), de Fabián Bielinsky abordaram temas sociais e marginalizados, como atos de resistência. Hoje, Argentina, México e Brasil são os maiores produtores, lançando juntos mais de 600 filmes só em 2023.

Novos Horizontes 

No início do século, o cinema argentino já havia conquistado certa notoriedade internacional, principalmente após o sucesso de obras como O Segredo dos Seus Olhos (2009), que ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Os filmes, antes focados em narrativas intimistas e dramas humanos, passaram por uma revolução estética e narrativa, explorando novos gêneros e subvertendo expectativas. Um exemplo é o terror O Mal Que Nos Habita (2023), que após sucesso de crítica, revelou uma outra face do cinema argentino. 

No início dos anos 2000, o cinema mexicano ganhou destaque internacional com diretores como Guillermo del Toro, Alejandro González Iñárritu e Alfonso Cuarón, cujas obras combinaram narrativas complexas e estética inovadora — como Amores Perros (2000) e O Labirinto do Fauno (2006) foram marcos da época. Recentemente, o foco tem sido no realismo social e na crítica política, como em Ya No Estoy Aquí (2019), que aborda o impacto da violência nas juventudes marginalizadas.

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Cena do filme “Ya No Estoy Aquí” (2019). Foto: Divulgação

O cinema brasileiro, com seu caráter plural, historicamente explora temas como desigualdade, violência urbana e tensões raciais. Filmes como Central do Brasil (1998) e Cidade de Deus (2002) ajudaram a projetar essas questões no cenário internacional, referenciando o contexto social e histórico do país. Nos últimos anos, o cinema nacional tem reafirmado sua relevância ao abraçar temáticas sociais e políticas de forma ainda mais engajada, como em Ainda Estou Aqui (2024), que adota uma narrativa ativista e explora profundamente questões políticas e dramáticas, fortalecendo a presença do Brasil no cinema mundial.

Atualmente, o cinema brasileiro mantém sua diversidade, com destaque para o cinema regional em vários estados na última década. No Sudeste, cineastas jovens da periferia de Contagem, como os da Filme de Plásticos, se destacam com obras de protagonismo preto, como Marte Um (2022) e O Dia Que Te Conheci (2024). No Nordeste, filmes como Retratos Fantasmas (2023) e Saudade Fez Morada Aqui Dentro (2023) têm conquistado espaço em festivais nacionais e internacionais, ampliando a visibilidade do cinema brasileiro no exterior.

Walter Salles, Fernanda Torres e Selton Mello no Festival de Veneza – Louisa Gouliamaki/Reuters/REUTERS

Outros países latino-americanos se destacam através de parcerias internacionais, como no caso de A Sociedade da Neve (2024), colaboração entre Uruguai, Chile e Espanha, que obteve sucesso em premiações importantes como BAFTA, Globo de Ouro e até indicação ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Isso demonstra o potencial de crescimento da indústria cinematográfica latino-americana, que necessita de colaboração para suprir a falta de investimentos. 

Resumindo, o cinema latino, embora plural e independente em seus princípios, enfrenta dificuldades para competir internamente com blockbusters estrangeiros e precisa de apoio para se sustentar como setor autossuficiente. Sem financiamento e distribuição adequados, ele perde espaço no setor, embora ainda resista por meio de novas demandas de representatividade racial e de gênero, que desafiam o cinema hegemônico e sustentam sua relevância.