Ainda não existe “agro verde” no Brasil, diz estudo
Setor segue adiando transformações para enfrentar crise climática, aprofunda concentração fundiária e desigualdade social e ainda, promove danos aos biomas
Sabe aquele história do setor produtivo rural dizer que é “agro verde” por adotar práticas sustentáveis e que tem ainda como foco o combate à crise climática? Ela não procede, como afirma estudo realizado pela Ong Fase, em parceria com o De Olho nos Ruralistas. O documento revela, na verdade, como o agro se articula para parecer sustentável.
Pesquisadores desmontam os argumentos utilizados por representações do agronegócio, evidenciando que esse mesmo agro que diz “jogar dentro das regras” ou que “não pode sofrer embargos pelas irregularidades cometidas por malfeitores”, é a mesma indústria que tem pouco ou nenhum controle sobre sua cadeias de fornecimento.
Os pesquisadores chegaram a essa conclusão depois de analisar documentos de 49 associações, que comprovam que sindicatos rurais, federações de agricultores e associações empresariais de âmbito setorial e/ou regional representam interesses que na maioria das vezes são conflitantes. Eles respondem, dentre outras questões, “o que é o discurso verde do agronegócio” e “quem opera o lobby verde do agro”.
A mestre em Ciência Política e coordenadora do Grupo Nacional de Assessoria (GNA) da FASE, Maureen Santos, diz que o estudo foi feito para analisar se as propostas e práticas defendidas pelo “agronegócio verde” estão realmente mudando a forma como o setor lida com os desafios ambientais e climáticos da atualidade.
“Chegamos à conclusão de que essa mudança não é real porque não só adia as transformações necessárias para enfrentar a crise climática, como aprofunda a concentração fundiária e desigualdade social no campo que levou o Brasil ao seu atual cenário de destruição dos biomas, engolidos pela expansão agropecuária e minerária”.
Outro autor do relatório, o internacionalista e coordenador de projetos de pesquisa do observatório De Olho nos Ruralistas, Bruno Bassi, destaca que ao longo do estudo, observou-se que as associações do agronegócio se agrupam em clusters, de acordo com sua conveniência.
“Embora Abag e CNA sejam vistas como organizações mais ‘abertas ao diálogo’, elas fortalecem o lobby ruralista em Brasília através do Instituto Pensar Agro, da mesma forma que entidades como Aprosoja e Abiec, de viés mais ideológico e pró-Bolsonaro. Na prática, a diferença entre elas fica restrita às narrativas adotadas para angariar apoio e financiamento internacional”.
Vale ressaltar, a bancada ruralista tem promovido uma série de retrocessos com a apresentação de projetos de lei que trazem prejuízos ao meio ambiente e a populações tradicionais e indígenas, vide o “combo da morte”, que dentre outros projetos, inclui os PL’s do Agrotóxico, do Licenciamento Ambiental e da Grilagem.
“Por mais que seja desejável estabelecer um processo de transição a uma agroindústria que, de fato, produza menos impactos socioambientais e traga o enfrentamento da crise climática para o centro das políticas, é imprescindível que os atores políticos tenham em vista que este é um modelo fundado na desigualdade, na expulsão e na fome”, diz trecho do documento.
Os pesquisadores destacam que não basta mudar apenas a ponta. “É preciso repensar nosso sistema agroalimentar, trazendo a agroecologia como eixo dessa reconstrução. Para que este atenda às necessidades ecológicas e da população – em especial, daqueles que efetivamente vivem e protegem a natureza, extraindo dela seu sustento e sua auto reprodução, não aos interesses corporativos e especulativos do capital”.
A publicação
“O Agro não é verde”, que dá nome ao estudo, é a primeira de uma sequência de publicações que se propõe a traçar um raio-x do agronegócio brasileiro, seus atores, narrativas e práticas de suposto “esverdeamento”. A publicação mapeia as associações que atuam no lobby do setor e desmente narrativas sobre o agro brasileiro ser o mais sustentável do mundo.
Na primeira etapa, se analisou a recorrência de termos relacionados ao discurso de ambientalização e a incidência das principais organizações do agronegócio brasileiro no debate climático. Dessa filtragem inicial, foram selecionadas 13 organizações com atuação mais incisiva nas últimas seis edições da Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, realizadas entre a COP22 (Marrakesh, 2016) e a COP26 (Glasgow, 2021) e/ou na formulação política de temas da agenda ambiental, as quais foram detalhadas no mapeamento que serviu de base para a presente publicação.
Confira o relatório O agro não é verde (clique).