Num cenário onde o Brasil é o maior mercado de agrotóxicos do mundo, o algodão representa a quarta cultura que mais consome veneno: 10% do volume total de pesticidas utilizados no país. E o algodão, que é a principal fibra utilizada nas confecções brasileiras, consome dez tipos de agrotóxicos. Entre eles estão o glifosato (ligado a casos de câncer e aborto espontâneo), acefato (efeitos gastrintestinais, neurológicos, respiratórios e dérmicos) e imidacloprido, considerado fatal para abelhas.

Para defender uma moda que seja realmente sustentável e disseminar informações sobre o assunto, engajando a sociedade civil, é que o Instituto Modefica, com o Fashion Revolution e Rio Ethical Fashion, mantem a campanha #ModaSemVeneno. O movimento também oferece resistência ao PL do Agrotóxico – em tramitação no Senado. Afinal, não há como dissociar a moda do bem-estar do meio ambiente e das pessoas.

Os ativistas mobilizados nessa rede também realçam que além do uso de agrotóxicos, o modelo de produção do agronegócio, com base na monocultura também concentra terras e riquezas nas mãos de poucos, ao tempo em que agrava outros problemas, como o desmatamento.

A idealizadora do Rio Ethical Fashion, Yamê Reis que também é socióloga e professora, disse em entrevista ao Universa, do UOL, que o Brasil é grande exportador e produz com um selo de algodão certificado como sustentável. Mas as coisas não são bem assim.

“Está errado. O algodão produzido no Brasil não é sustentável. O Brasil é o maior consumidor de agrotóxico global e o algodão é a semente que mais usa agrotóxico, porque é muito sujeita a praga. Usa mais que a soja e está plantado junto com soja, consorciada com a soja. Então, além de pesticida, o algodão está também envolvido em todas essas questões de desmatamento, de invasão de terra, porque são os mesmos proprietários”, destaca.

Segundo ela, o selo rastreia a cadeia. “Você sabe exatamente de onde vem aquela fibra. Só que a certificação não controla o uso de pesticida. Ela controla se o produtor está pagando conforme a legislação e se tem trabalho escravo. O selo atesta que os produtos seguem as leis brasileiras. Mas só que em relação aos agrotóxicos a legislação brasileira é totalmente fluida. Então não existe um parâmetro para esse controle. Não é porque é rastreável que é sustentável. Pensando nisso, criamos a campanha contra a PL. No governo Bolsonaro, estão sendo aprovados mais de 1 agrotóxico por dia. Estamos comendo veneno em tudo que a gente come”.

Outra reportagem sobre o assunto, desta vez produzida pela Vogue Brasil, diz que para sinalizar um posicionamento mais ético e ecológico entre os profissionais e consumidores da moda, o agronegócio até incentiva o movimento Sou de Algodão e a certificação BCI. Mas “ambas iniciativas promovem, de forma enganosa, um discurso de algodão mais sustentável, enquanto o que está por trás é o mesmo modelo de monocultura, com sementes transgênicas e alto uso de agrotóxicos”, diz trecho da matéria.

Respeito à terra e às pessoas

Nelsa Nespolo, presidente da Justa Trama, uma cooperativa que promove o uso e produção do algodão agroecológico, explicou à Vogue que é possível produzir algodão com respeito à terra e às pessoas.

“O sistema de produção agroecológico traz benefícios a todos porque se trabalha o consorciado, diferente do agronegócio, com seu cultivo único que suga da terra todos os nutrientes. Na agroecologia, não usamos agrotóxicos, a produção é orgânica e ainda garante a sustentabilidade, inclusive no pilar social, pois os produtores não ficam dependentes de um único cultivo”.

Produções de algodão que de fato sejam mais sustentáveis, como por exemplo da Justa Trama, já existem, mas correspondem a menos de 0,1% da produção nacional. A mudança esbarra na falta de incentivo público. “Dentro do sistema capitalista, o que interessa é a quantia, é o plantio em escala para exportação. Então, precisamos de políticas públicas que valorizem a vida das pessoas, do pequeno agricultor, da terra e do bem-estar de todos”.

Em resposta à reportagem, o Movimento Sou de Algodão enviou nota discordando de alguns pontos. O movimento informou que houve redução de 90% na dose dos defensivos em relação às doses utilizadas na década de 1960. De qualquer forma, o agrotóxico continua lá.

Sobre a menção na matéria de que o Brasil é o maior mercado de agrotóxicos do mundo, sendo o algodão a quarta cultura que mais consome agrotóxicos – e responsável por 10% do volume total de pesticidas utilizados no país –, o movimento informou que houve redução de 90% na dose dos defensivos em relação às doses utilizadas na década de 1960. “A toxicidade aguda diminuiu mais de 160 vezes nesse período. De acordo com a própria legislação, microrganismos ou insetos, por exemplo, que são utilizados no controle biológico, também são considerados agrotóxicos”.

Reunindo agentes da cadeia produtiva e da indústria têxtil, o movimento refutou principalmente, o uso do termo “veneno nas roupas”, citado no título na matéria. “Depois da colheita e antes de se tornar uma peça de roupa, segundo Michelle Souza, consultora do Centro de Tecnologia da Indústria Química e Têxtil (Senai CETIQT), a fibra passa por incontáveis processos químicos na indústria têxtil, como tingimentos, alvejamentos e lavagens, por exemplo, que acabam removendo quaisquer mínimos rastros de defensivos na fibra”, diz a nota.

Para conferir esclarecimentos do setor, clique aqui para acessar a reportagem na íntegra.

Indústria poluente

A moda é uma das indústrias mais poluentes do mundo. Segundo o WWF, 2.4% do total de terras férteis em escala global é usado para plantação de algodão e, ainda assim, essa pequena quantidade é responsável por 24% das vendas de inseticidas e 11% das vendas de pesticidas.

Vale destacar, o PL do Veneno visa flexibilizar o processo de aprovação de novos agrotóxicos, mudar critérios de avaliação, banir o termo “agrotóxico” e encontrar brechas para liberar produtos que a atual legislação proíbe.

(Reprodução/Modefica)