Agrofloresta quilombola: quando tradição ancestral vira solução climática rentável
Comunidades tradicionais transformam saberes ancestrais em modelo sustentável de agricultura
por Taísa Rodrigues, para a Cobertura Colaborativa NINJA COP30
Na Amazônia, onde 632 territórios quilombolas protegem 92% de suas florestas nativas, a agricultura regenerativa encontra nas comunidades tradicionais seus maiores especialistas. Dados do MapBiomas, publicado em uma nota técnica do Instituto Socioambiental (ISA) em setembro de 2025, revelam que esses territórios protegem 3,39 milhões de hectares de vegetação nativa. No estado do Amazonas, esse índice chega a 99,5%.
Durante a COP30, o painel “Roça de Direitos: agricultura quilombola e confluências culturais afro-pindorâmicas frente à crise climática”, realizado na Green Zone por uma iniciativa do Instituto Perpetuar, mostrou como essa proteção ambiental gera rentabilidade real para as famílias.
“A agricultura e outros saberes estão na semente; a semente é a chave”, ensina Luana Valadares, uma das participantes do painel, que faz parte do Quilombo Oxalá de Jacunday, de Moju (PA). Para ela, que é agricultora, território é uma forma de viver, e cada semente carrega conhecimento ancestral. “Trabalhar com agrofloresta foi um modo que os agricultores tiveram necessidade de implementar por causa que nossos antepassados trabalhavam muito no monocultivo da mandioca. Com o apoio também do Instituto Perpetuar, vimos um outro modo de viver com a terra, de não degradar o solo”, explica.
Hoje, Luana mantém um viveiro diversificado com macaxeira, cupuaçu, taperebá, graviola e açaí. Seu Sistema Agroflorestal (SAFs), implantado há quatro anos, já passou a receber investimentos governamentais voltados à produção sustentável. “É novo ainda, mas já mudou muita coisa e fico feliz de ver. Nós aprendemos com nossos antepassados. Agora, como mãe, tenho a obrigação de repassar esses conhecimentos para minha filha”, conta.
Da preservação à inovação sustentável
Edilma Mendes, também do Quilombo Oxalá de Jacunday, participou de outro painel – Jacundaylab: laboratório de tecnologias ancestrais quilombolas frente à crise climática -, na Casa Dourada, e conta que transformou a diversidade agroflorestal em múltiplas fontes de renda. Trabalhando em 500 hectares com 15 pessoas, desenvolveu uma empresa que produz biojoias a partir de sementes, além de crochê, canetas personalizadas e buquês. Com apoio do Instituto Perpetuar – que desenvolve trabalhos de Educação, Cultura, Clima e R-existência Quilombola – ela foi contemplada no edital Floresta 360.
“Antigamente, nas áreas queimávamos muita coisa. Hoje não queimamos, para não poluir o meio ambiente. Transformamos a decomposição em adubo orgânico e outros cuidados que temos com o todo no local onde vivemos”, explica Edilma, que estima aumento de 70% na rentabilidade familiar. “Sempre fui no Instituto Perpetuar de convidar, fazer trabalho de formiguinha, convidar as mulheres para fazer formação”, conta animada por estar ensinando outras mulheres da comunidade a fazerem biojóias.

O deputado catarinense e engenheiro agrônomo Marquito, presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembléia Legislativa de Santa Catarina (Alesc), participou da COP em diferentes agendas focadas em agroecologia, cultura oceânica e justiça social, tanto na Blue Zone, quanto na Green Zone e na Casa Vozes do Oceano, contextualiza que os SAFs “podem ser complexos ou simplificados, baseados no consórcio entre plantas companheiras em diferentes estágios de sucessão ecológica”. Sobre o trabalho com comunidades tradicionais em Santa Catarina, explica: “as comunidades quilombolas são bem praticantes e destinamos emendas para trabalhar a horticultura e a apicultura. Recuperar, resgatar, restabelecer a agricultura nos territórios indígenas também é uma forma de restabelecer a conexão com essa forma religiosa, espiritual que sustenta essa relação indissociável entre ser humano e natureza”.

Para Marquito, é crucial distinguir a agricultura regenerativa da agroecologia: “temos crítica ao conceito de agricultura regenerativa, muito apropriada pelo greenwashing. Sempre tratamos de agroecologia, a partir de grupos organizados da agricultura familiar”.
E a agricultura familiar está totalmente conectada com os saberes ancestrais. As confluências entre conhecimento tradicional e evidências técnicas mostram que os quilombolas sempre souberam: preservar é prosperar – e que futuro sustentável se constrói com quem cuida da terra. Seus sistemas agroflorestais provam que cuidar da terra é simultaneamente resistência, sustento e resposta à crise climática.



