A centralidade da agroecologia para a garantia da soberania e segurança alimentar e nutricional da sociedade brasileira e o enfrentamento à crise climática foi tema de debate nesta quarta-feira (9/04), na Câmara dos Deputados. O encontro reuniu representantes da sociedade civil, de povos e comunidades tradicionais e do governo federal, agricultores, especialistas e parlamentares, e reforçou a importância da articulação entre diferentes atores para o fortalecimento de políticas públicas na área.

A atividade faz parte das ações da 27ª Reunião Ordinária da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Cnapo), que acontece em Brasília (DF) nesta semana. Foi organizada em conjunto pela Cnapo, pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf) e pela Frente Parlamentar Mista de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional e de Combate à Fome no Brasil (FPSAN).

Atividade que promoveu o debate sobre a importância da agroecologia para combater a fome e as mudanças climáticas fez parte da Reunião Ordinária da Cnapo. (Foto: Elio Rizzo Jr)

O representante da Articulação Nacional da Agroecologia (ANA) na Cnapo, Paulo Petersen, destacou a importância da atuação conjunta em torno da agenda de transformação dos sistemas agroalimentares no país. “Tudo na agroecologia deve ser visto em termos de articulação. O tema climático não pode ser desassociado da questão alimentar, especialmente num país como o Brasil, onde os sistemas agroalimentares são responsáveis por 70% das emissões de gases de efeito estufa ”, afirmou.

Segundo Petersen, essa deve ser uma agenda central diante das prioridades políticas do governo. “Nós temos o plano de agroecologia lançado, o plano de abastecimento lançado, o plano de segurança alimentar lançado, mas ainda falta orçamento e apoio político. Então, esse evento trata exatamente de como devemos nos articular melhor para incidir nas políticas, e fazer com que essas políticas cheguem nos territórios.”

A construção de pontes entre movimentos sociais, parlamentares e o governo foi ressaltada pelo coordenador da FPSAN, o deputado federal Padre João (PT-MG), que promoveu o encontro na Câmara. “É a construção de uma agenda estratégica para o país, por meio da interação entre as frentes parlamentares e os colegiados, com repercussão importante a nível de América Latina, Caribe e mundo. O Brasil sempre protagonista das discussões sobre combate à fome, segurança alimentar e mudança climática.”

Deputado federal Padre João (PT-MG), ao lado de Fábio Pacheco, representante da Articulação Nacional de Agroecologia, destaca o papel protagonista do Brasil nas discussões sobre combate à fome, segurança alimentar e mudança climática. (Foto: Elio Rizzo Jr)  

Os desastres climáticos recentes no Rio Grande do Sul foram citados pelo deputado federal Bohn Gass (PT-RS), coordenador da Frente Parlamentar em Defesa das Bacias Hidrográficas, ao defender a mudança do modelo agrícola hegemônico no país. “Quem diria que o Rio Grande do Sul teria no mesmo ano a maior seca e a maior enchente da história. A crise climática é o maior problema da humanidade, mas ainda não é a maior preocupação da política e da sociedade. Quando passa o evento, volta tudo ao normal, continua o desmatamento, continua a usar agrotóxico. O modelo agrícola não muda, precisamos pensar em outros caminhos”, apontou.

A importância estratégica do encontro e a revitalização do trabalho articulado entre três colegiados importantes – a Cnapo, o Consea e o Condraf – foram pontos ressaltados pela ex-presidenta do Consea e professora da Universidade de Brasília (UnB) Elisabetta Recine. “Os desafios que temos pela frente têm tamanha complexidade que essa articulação entre os colegiados dá outra autoridade para negociar, propor e incidir naquilo que nós precisamos, que é uma transformação dos sistemas alimentares, no sentido da sustentabilidade e da saúde. O caminho para isso é a agroecologia”, resumiu.

A agenda da agroecologia sai fortalecida do debate, a partir da escuta de diversos segmentos da sociedade civil. A avaliação é da secretária-executiva da Cnapo, Patrícia Tavares. “Desse espaço a gente sai pensando numa agenda de atuação compartilhada entre os colegiados, e que terão desdobramentos concretos para fortalecermos nossos instrumentos políticos”, declarou.

A diversidade, a resiliência, inclusive no que diz respeito ao clima, e o compartilhamento de conhecimentos são princípios da agroecologia fundamentais para o enfrentamento dos desafios contemporâneos do mundo, afirmou o representante da agência da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) no Brasil, Jorge Meza.

“Agroecologia é, simultaneamente, uma ciência, um conjunto de práticas e um movimento social. A construção dessa agenda é um processo não terminado, que vai evoluindo, no qual ainda temos muito o que aprender e temos que estar atentos a como melhorar esse processo.”

A discussão sobre políticas públicas de agroecologia deve considerar o papel da economia solidária como arranjo que garanta um comércio justo e gere renda aos agricultores, ressaltou Neneide Lima, integrante da rede Xique-Xique e  assentada da reforma agrária no Rio Grande do Norte. “Não se faz agroecologia de forma isolada de outras pessoas. Agroecologia é uma ciência e um modo de vida em que a gente une o ambiente onde produz e também as pessoas, e para isso a economia solidária é fundamental para essa integração”, ponderou

Pronara

As políticas públicas de agroecologia devem orientar o desenvolvimento rural sustentável do país, disse a secretária-executiva do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), Fernanda Machiaveli, ao lembrar que os agricultores familiares e os povos e comunidades tradicionais são os mais afetados pela crise climática.

“Os agricultores familiares não emitem carbono, mas são os mais vitimados por perdas de safra, perdas nas lavouras e de renda. A agroecologia faz essa proposta de um novo modelo de desenvolvimento, em que a gente possa conciliar produção de alimentos com geração de renda, e um convívio mais harmônico com a natureza, de forma tal que a gente se adapte e mitigue esse processo em curso”, afirmou.

A secretária-executiva do MDA defendeu que o Plano Safra, principal mecanismo de financiamento da agricultura brasileira, deve ser um instrumento de fortalecimento da transição agroecológica. E anunciou, durante o encontro, o lançamento do Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara). “A Cnapo trabalhou numa proposta de minuta de decreto, nós recepcionamos essa minuta, que muito em breve tramitará pelos ministérios chegando na Casa Civil. Então, teremos um Plano Safra com Pronara”, celebrou.

Secretária-executiva do MDA, Fernanda Machiaveli, anuncia lançamento do Pronara no próximo Plano Safra. (Foto: Elio Rizzo Jr)

Apesar do anúncio, representantes de movimentos sociais apresentaram uma carta aberta, assinada por cerca de 30 entidades no âmbito da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, em que manifestam indignação pela paralisação e pelos sucessivos adiamentos no lançamento do Pronara, elaborado ainda em 2014, mas nunca implementado pela administração federal.

“O Programa teve lançamento bloqueado por divergências internas ao próprio governo federal. A intensa expectativa em retomar esse processo no terceiro mandato do governo Lula foi aos poucos se transformando em frustração”, diz trecho do texto, acrescentando que o processo revela “falta de vontade política” do Executivo na luta contra os agrotóxicos. O impasse em torno do Pronara levou a sucessivos adiamentos no lançamento do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo) no ano passado.

Para Fábio Pacheco, do Coletivo de Articulação Política da ANA e integrante da rede ANA Amazônia, a implementação do Pronara vai permitir que a sociedade tome conhecimento sobre os riscos do uso e da contaminação por agrotóxicos na produção agrícola do país. “Vamos recompor um sistema que vai possibilitar trazer informações, capacitações e principalmente fiscalizações dos agrotóxicos. Esse anúncio coroa todo um processo muito difícil de diálogo e tensionamento, em que a sociedade civil sai vitoriosa. O Pronara representa um começo importante para dar mais transparência sobre os riscos dos agrotóxicos no Brasil.”

Conferência e Congresso

A organização de importantes eventos sobre agroecologia ao longo de 2025 também foi celebrada durante o debate no Congresso Nacional. Após 12 anos, será retomada a Conferência Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário – a 3ª edição da CNDRSS será realizada entre os dias 15 e 17 de outubro, em Brasília, sob organização do Condraf.

O secretário-executivo do Conselho, Samuel Carvalho, destacou que o tema deste ano será “Uma agenda política de transformação agroecológica para o Brasil Rural”. “É um grande esforço de construir um projeto político para o campo, que reúna Estado e sociedade civil para discutir como transformar a nossa perspectiva de sistemas alimentares, para alimentar o país com comida de qualidade”, disse.

Também em outubro acontece o 13º Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA), promovido pela Associação Brasileira de Agroecologia (ABA-Agroecologia). O evento será realizado na Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), em Juazeiro (BA), e tem objetivo de consolidar o conhecimento acadêmico, científico e empírico na área.

Segundo o presidente da ABA-Agroecologia, José Nunes da Silva, durante o encontro serão realizadas atividades simultâneas à CNDRSS. “Esperamos que no dia 16 de outubro, Dia Mundial da Alimentação, tenhamos atividades simultâneas, que a Conferência possa contribuir com o debate no CBA, e que o CBA também leve suas proposições para a Conferência”, explicou.

* Por João Pedro Netto, especial para Articulação Nacional de Agroecologia (ANA)