O Parlamento Europeu rejeitou simbolicamente o acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul nessa quarta-feira (7). Com críticas à política ambiental do governo Bolsonaro, e a repercussão dos recordes de desmatamento e altas históricas de incêndios na Amazônia e no Pantanal, os deputados propõem que o bloco pressione o Brasil a se comprometer com os compromissos ambientais do Acordo de Paris, antes de finalizar as tratativas comerciais.

Apesar de simbólica, a decisão aponta para um cenário de maioria contrária a efetivação do acordo, que avançou no primeiro ano do governo Bolsonaro, e que agora se vê ameaçado dentro do Parlamento Europeu. Ainda que simbólico, é a primeira vez, em 15 anos de negociação, que a entidade impõe rejeições para o tratado comercial.

Países como Holanda, Áustria, Bélgica, Irlanda e França já sinalizaram serem contra a ratificação do acordo nos moldes atuais.

“Essa emenda representa mais uma demonstração de oposição ao acordo União Europeia-Mercosul agora pelos eurodeputados, seguindo as últimas declarações de vários países da União Europeia que vem se opondo a assinatura do acordo devido a política anti ambiental do governo Bolsonaro”, destaca Maurren Santos, coordenadora do grupo nacional da FASE e apresentadora do programa Ecoinspiração da TV NINJA. “Há um receio de se tornarem cúmplices ao “premiar” o Brasil nesse momento tão trágico de desmonte da proteção ambiental no país”, classifica.

O acordo foi acertado como avanço possível entre os blocos econômicos durante uma reunião do G-20 em junho de 2019, e precisa de poucos detalhes para ser colocado em prática. A questão ambiental é o principal entrave. Boa parte das exportações de alimentos para a Europa vem de áreas desmatadas na Amazônia, no Cerrado e no Pantanal.

“Ao mesmo tempo, essa votação demonstra duas outras coisas: uma que o Parlamento Europeu está bastante dividido sobre o tema, já que a diferença de votos contra e a favor foi de 56 votos; e outra, que apesar dessa crítica simbólica ao governo Bolsonaro, não há grande preocupação europeia com os graves impactos que esse acordo poderá gerar para a questão climática, direitos humanos e direitos dos povos indígenas ao ampliar massivamente a exportação de soja, etanol, minério de ferro e carne bovina, principais vetores do desmatamento das nossas florestas”, complementa Maurren.

Para Kretã Kaiagang, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil pela região Sul, é positiva a rejeição simbólica dos eurodeputados. Kretã, que também é liderança da Terra Indígena Tupã Nhe’e Kretã, acrescenta que o acordo não deveria ser aprovado, pois aumentaria a pressão do agronegócio contra as terras indígenas.

“Esse acordo vai deixar vulneráveis os povos indígenas, comunidades quilombolas, ambientalistas, organizações […] porque da forma como está o acordo premia Bolsonaro, e ele nos considera como inimigos, e mantém essa política da liberação de garimpo, do desmatamento, das queimadas, os ataques dos povos indígenas. Nós temos sofrido muitos ataques desde que Bolsonaro assumiu a presidência da República”, desabafa.

Após a repercussão da votação histórica no Parlamento Europeu, o vice-presidente Hamilton Mourão, que preside o Conselho da Amazônia, disse que o cenário pode ser revertido. Mourão já chegou a admitir que o desmatamento atingiu alta neste ano, mas tem se mantido negacionista diante das mudanças climáticas.

Acordo Mercosul-UE

Estimativas do Ministério da Economia indicam que o acordo representará um aumento do Produto Interno Bruto (PIB, soma de todos os bens e serviços produzidos no país) brasileiro de US$ 87,5 bilhões em 15 anos, podendo alcançar até US$ 125 bilhões se forem considerados a redução das barreiras não tarifárias e o incremento esperado na produtividade. O aumento de investimentos no Brasil, no mesmo período, será da ordem de US$ 113 bilhões. Com relação ao comércio bilateral, as exportações brasileiras para a União Europeia apresentarão quase US$ 100 bilhões de ganhos até 2035.

Porém, o custo para se alcançar estes números esconde violações sistemáticas dos direitos humanos.

Um relatório elaborado pelo Greenpeace e a FASE alerta para um contexto de ameaça ao clima e dos direitos humanos. Segundo o estudo, o acordo deve ampliar os riscos relativos à contaminação por agrotóxicos largamente utilizados pela agricultura no Mercosul, à concentração fundiária, aumentando a tensão de conflitos no campo, e à profunda e desigual distância entre cidadãos europeus e sul-americanos no que diz respeito à segurança e soberania alimentar.

Se firmado por completo, o acordo representa mais emissões de CO2, com mais 8,7 milhões de toneladas de um dos gases mais poluentes, contribuindo para as mudanças climáticas. De acordo com a organização GRAIN, a maior parte destas emissões aconteceria devido ao aumento da exportação de carne bovina.

Não é só a atividade agropecuária que representa um risco, de acordo com ao relatório. O desmatamento para aumento de plantação de soja pode resultar em 900 milhões de toneladas de CO2 até 2030.

As principais empresas que se beneficiariam com um acordo entre os blocos seriam as mesmas empresas que concentram altas taxas de desmatamento em sua cadeia de produção: JBS, Mafrig e Minerva. Neste ponto, o relatório cita que 70% dos incêndios na Amazônia no último ano ocorreram em áreas onde há suspeita de serem a origem do gado vendido por essas empresas.

O relatório denuncia que o acordo distorce da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Atualmente, a convenção obriga a consulta dos povos indígenas sobre projetos de intervenções nas terras indígenas. Entretanto, o acordo incentiva a participação dos indígenas nos projetos de exploração, ao invés de zelar pelos direitos ao território.

Até dezembro, a Câmara de Comércio Exterior da União Europeia deve emitir um parecer sobre o cenário ambiental no Brasil. O último documento emitido em agosto deste ano aconselhou denunciar o Brasil no Tribunal Penal Internacional de Haia por crimes contra o meio ambiente os direitos humanos, além de recomendar que o bloco não ratifique o acordo.

Econspiração

O programa Econspiração da Mídia NINJA abordou este tema com Gabriel Casnati, da Rebrip e ISP; Dinaman Tuxá, da APIB; senador Randolfe Rodrigues/REDE-AP e internacionais com Madalena Görne, de Misereor, Alemanha; Raissa Galvão, da Mídia NINJA e Maureen Santos, da FASE.

Confira: