Acordo decepcionante da COP29 aponta oportunidades para o Brasil na COP30
A COP sob a liderança do Brasil, precisará avançar nas políticas de redução de emissões, ajudando os países em desenvolvimento a se adaptar ao novo clima, e estruturando uma nova economia mundial de baixo carbono.
Em meio à turbulência geopolítica provocada por conflitos e mudanças em todo o mundo, e após a reeleição de Donald Trump à presidência dos EUA – o maior produtor de combustíveis fósseis do mundo -, os países costuraram um acordo nas negociações climáticas da ONU. A nova meta de financiamento climático é fraca em valor, fontes e condições de financiamento, e empurra para a COP30, em Belém, não só a maior parte do trabalho como também o desafio de alcançar o montante demandado pelas nações menos desenvolvidas.
A linguagem adotada indica que os países desenvolvidos devem assumir a liderança e encoraja os países em desenvolvimento a fazerem contribuições, incluindo cooperação voluntária Sul-Sul, o que já está previsto no Acordo de Paris.
Em um resumo publicado pelo Climainfo, alguns dos temas de destaque da agenda deixada pela COP29 são:
O texto não traz progresso no tema da Mitigação. Em adaptação, triplica os fluxos para o fundo de adaptação, reconhecendo que esse dinheiro deve ser majoritariamente público.
Diplomática, a ministra Marina Silva destacou a eficiência do trabalho conjunto, mesmo sob grandes dificuldades, especialmente em um fórum como a UNFCCC, em que todos os países têm um lugar à mesa. Ela disse:
“Dubai foi a COP do alinhamento dos esforços que precisamos empreender para não ultrapassar 1,5oC de [aumento de] temperatura da Terra. Aqui no Azerbaijão, nossa principal tarefa é a de fazermos com que esse alinhamento tenha os recursos necessários, recursos financeiros e meios de implementação para cumprirmos a missão 1,5. […] Até a COP30, nosso objetivo central passa a ser alinhar NDCs suficientemente ambiciosas para alcançar a missão 1,5. A COP30, em Belém, é realmente um grande desafio que só poderemos alcançar com o esforço e a colaboração de cada um de nós aqui representados”
Poucas horas antes do desfecho, Ana Toni, Secretária Nacional de Mudança do Clima, definiu as condições que levaram à aceitação do acordo que não contempla as urgências dos países em desenvolvimento.
“O pacote acordado esta tarde – não temos certeza se teremos uma situação melhor no próximo ano devido às mudanças geopolíticas. Então estamos debatendo: devemos aceitá-lo agora ou considerá-lo mais tarde?”
Para a chamada COP do Financiamento, os países ricos não trouxeram pronto o dever de casa, não apresentando um valor até que fosse tarde demais. E quando o fizeram foi insuficiente. Ao final, prometeram US$ [300] bilhões em apoio aos países mais vulneráveis até 2035, com revisão em 2030.
O texto aprovado cria uma rota Baku-Belém para mobilizar com fontes diversas, inclusive do setor privado e de bancos multilaterais, US$ 1,3 trilhão por ano até 2035 para ações climáticas nos países em desenvolvimento. Isso cria mais uma tarefa para a presidência brasileira da COP30, que já acumula o desafio de elevar a ambição climática dos países no ano em que novos compromissos nacionalmente determinados (NDCs) devem ser apresentados.
US$ 300 bilhões foi o patamar mencionado pelo Brasil em coletiva de imprensa na noite de sexta (22) para 2030, significativamente inferior aos US$ 500 bilhões exclusivamente de países desenvolvidos demandados pelo Grupo África/G77. Independente do valor, o texto aprovado fala que este deve vir de diferentes fontes de financiamento, o que também foi uma das principais divergências entre países desenvolvidos e em desenvolvimento ao longo das últimas duas semanas, quando as nações em desenvolvimento demandaram estes recursos por meio de doações ou financiamentos altamente concessionais vindo dos que causaram o problema.
Os países mais pobres e mais vulneráveis à mudança do clima têm dificuldade em atrair investimentos ou conseguir empréstimos no exterior. Uma reforma de bancos multilaterais e na própria arquitetura financeira global, além de novos mecanismos de transparência para acompanhar o cumprimento da meta serão fundamentais para que o mundo consiga de fato fornecer US$ 1,3 trilhão para os países mais pobres.
Com 2024 previsto para ser o ano mais quente já registrado, e com catástrofes climáticas atingindo comunidades do Brasil às Filipinas, passando pela Espanha e pelos EUA, este acordo deixa um rastro de desconfiança entre os países que lembra a COP15, em Copenhague.
Base de doadores
Para muitos analistas, o reconhecimento no texto de que recursos voluntários de países em desenvolvimento que passam por bancos multilaterais de desenvolvimento entram na contribuição de NCQG (Art 8c), essencialmente reconhece a contribuição da China para a meta – um dos aspectos mais controversos da negociação em Baku.
De forma complementar, a China liderou a inclusão de contribuições financeiras voluntárias para os países em desenvolvimento por parte de grandes economias do sul global que estão em posição de fazê-lo.
Mitigação
Não houve progresso significativo nos textos do Diálogo dos Emirados / Balanço Global (GST), mas os fundamentos sobre mitigação da mudança climática permanecem sólidos. Há uma grande lacuna entre essas promessas feitas na Cúpula de Clima e o que é necessário para cumprir a meta do Acordo de Paris, de manter o aquecimento abaixo de 1,5°C. No G20, no começo desta semana, o presidente Lula chamou a COP30 de cúpula da ‘virada’ e divulgou propostas que podem impulsionar a implementação dos acordos estabelecidos na UNFCCC.
Além da conclusão das negociações da meta global de financiamento, NCQG, essa virada dependerá de novos planos climáticos nacionais (NDCs) inequivocamente fortes por parte dos países mais desenvolvidos, além de liderança climática adicional de economias emergentes – Brasil, China e África do Sul. O Brasil e o Reino Unido deram a largada apresentando suas NDCs nesta COP. Emirados Árabes e Suíça também o fizeram, mas suas metas foram bastante criticadas por não oferecerem progresso em relação a compromissos anteriores.
No G20, Lula pediu que os países ricos adiantem o prazo para alcançar o net-zero, e sinaliza que a implementação da transição energética estabelecida no Consenso de Dubai poderia ser tema das negociações na COP30, em Belém.
A COP29 esteve longe de ser perfeita. A influência da indústria de combustíveis fósseis e de seus patrocinadores estatais continua a atrasar o progresso e colocar em risco a vida de milhões de pessoas – os corredores desta COP foram frequentados por 1.770 lobistas de combustíveis fósseis, incluindo os CEOs da Aramco, BP, Total Energies, Eni, Baker Hughes e ACWA Power, que foram convidados pela presidência. Este lobby precisará ser enfrentado na COP30 para a implementação da mitigação da mudança climática, como estabelecida no acordo de Dubai na COP28 do ano passado
As emissões ainda estão indo na direção errada, com mais de meio milhão de pessoas mortas nos 10 eventos climáticos mais letais dos últimos 20 anos, todos cientificamente atribuídos às mudanças climáticas, e eventos climáticos extremos agora custam US$ 227 bilhões por ano. Há muito a ser “virado”.
O resultado da COP29 também envia um sinal aos tomadores de decisão nos mercados financeiros, nas salas de diretoria e nos departamentos governamentais em todo o mundo.
O Reino Unido e o Brasil apresentaram planos climáticos nacionais robustos em Baku.
O G20 sinalizou que compreende a necessidade de reformar o sistema financeiro internacional e tributar os poluidores, a fim de fornecer mais recursos e financiamento de melhor qualidade.
As reformas nos Bancos Multilaterais de Desenvolvimento (BMD) devem avançar: os bancos estimam que poderão entregar US$ 120 bilhões por ano até 2030 para países de baixa e média renda, incluindo US$ 42 bilhões para adaptação (mais US$ 65 bilhões do setor privado). Quanto mais avançarem as reformas nos BMDs, maior será essa contribuição: US$ 480 bilhões são possíveis sem rebaixamento de rating.
O mundo agora investe quase o dobro em energia limpa do que em combustíveis fósseis; o investimento em energia solar fotovoltaica agora ultrapassa todas as outras tecnologias de geração combinadas.
A energia limpa tem crescido duas vezes mais rápido do que os combustíveis fósseis, cuja demanda deve atingir o pico até 2030, de acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE). Em muitos países, a solar e a energia eólica onshore já são mais competitivas em termos de custo do que os combustíveis fósseis.
A China aumentou seu investimento em tecnologia de energia limpa em 40% em 2023 em comparação com 2022.
Os investidores estão confiantes na transição: 4 em cada 5 investidores globalmente esperam aumentar o nível de investimentos em energias renováveis nos próximos três anos, enquanto a mesma proporção (81%) acredita que o setor de combustíveis fósseis será pouco atraente além dos próximos cinco anos, de acordo com uma pesquisa recente com gerentes sêniores de mais de 1.300 investidores institucionais em todo o mundo.
Reações sobre o desfecho da COP29
Natalie Unterstell, presidente do instituto Talanoa, disse:
“Embora o acordo em Baku mantenha vivo o espírito do Acordo de Paris, ele está muito aquém de abordar a urgência da crise climática. Compromissos financeiros incrementais e lacunas em medidas concretas de mitigação deixam claro que ainda há muito trabalho pela frente. O caminho até Belém será crucial para transformar esse progresso modesto em ações significativas. O desafio agora é reconstruir a confiança, reformar as COPs e garantir que o próximo passo corresponda à ambição que o mundo exige.”
Laurence Tubiana, CEO, European Climate Foundation
“A COP29 ocorreu em circunstâncias difíceis, mas isso ressalta que o multilateralismo não está morto.” O acordo de financiamento climático não é tão ambicioso quanto o momento exige. Mas o arcabouço que ele estabelece é significativo. Não há como voltar atrás no consenso dos Emirados Árabes Unidos: não podemos alcançar os objetivos do Acordo de Paris sem uma transição justa dos combustíveis fósseis para as energias renováveis e a eficiência energética. A grande maioria dos países e seus cidadãos deseja uma ação forte, e os governos devem continuar avançando como parte de uma coalizão climática global.”
Li Shuo, Diretor do China Climate Hub, Asia Society Policy Institute, disse:
“O prolongado jogo final na COP29 reflete o cenário geopolítico cada vez mais difícil em que o mundo se encontra. Nas horas finais e difíceis, a justiça climática sofreu um teste sem precedentes. O resultado é um compromisso imperfeito entre os países doadores e as nações mais vulneráveis do mundo. A cuidadosa coordenação entre a UE e a China trouxe estabilidade em Baku. A vitória de Trump nas eleições só torna a linha direta entre Bruxelas e Pequim ainda mais importante para a política climática global em 2025.”
Desafios para Brasil rumo à COP30
Paulo Artaxo, Centro de Estudos Amazônia Sustentável, Universidade de São Paulo (USP), afirma:
“Todas estas questões acarretam pressões sobre a COP-30, pois teremos que preencher as importantes lacunas deixadas pela conferência de Baku. Teremos que lutar para aumentar o financiamento e reconstruir a confiança entre os países. Temos que deixar claro que as emissões têm que reduzir rapidamente. É também necessário mudar o modelo de governança, pois todas as decisões nas COPs têm que ser tomadas por consenso unânime, o que hoje é quase impossível. O modelo atual, depois de 29 COPs já mostrou que não funciona. Lula na reunião do G20 já mencionou várias vezes que é necessário mudar a governança global da ONU. O Brasil pode começar a mudar o modelo de governança já na COP30, e o mundo tem pressa”.