Abronca denuncia violência contra população periférica no clipe e single “174”. Assista!
Vídeo passa por momentos marcantes dos últimos anos para retratar ciclo de caos
“O meu tio, Willian de Mendonça, gari comunitário daqui do Vidigal, foi assassinado em uma operação policial ano passado, as 15h da tarde. Meu primo estava na rua, e meu tio na hora do desespero decidiu ir atrás dele na rua. Saiu de casa sem blusa, porém, com a carteira e documentos no bolso. William foi assassinado com 2 tiros nas costas, a relatos que ele gritou avisando que “era morador”, mas infelizmente um negro, no beco, sem blusa é sempre confundido com bandido. Dedicamos o vídeo 174 a ele, e a minha família, espero que meu pai assista o clipe e se emocione com a homenagem“, conta Jaynashe, uma das integrantes do duo A Bronca.
O duo de rap Abronca foca seus versos em uma pesada releitura de “174”, faixa que fala sobre a evolução da violência. O projeto de My e Jay aborda diferentes facetas do conflito urbano, seja casos extremamente pessoais envolvendo familiares até casos de comoção nacional, como o ainda não solucionado assassinato da vereadora Marielle Franco e o sequestro do ônibus que inspirou o nome da canção. A música chega com um clipe dirigido pelo diretor turco naturalizado inglês Taylan Mutaf.
“A música foi composta pelo meu pai. Ele é um cantor e compositor conhecido aqui no morro como Tadi que, entre alguns sons que compôs, nos presenteou com essa no começo da nossa carreira, há uns 7 anos atrás. Sempre cantamos ela nos nossos shows e ela é ainda é tão atual! Foi baseada no caso 174, mas ela aborda todos os tipos de injustiça que acontecem na sociedade e com os moradores de periferia! Agora com tantos acontecimentos que vem marcando o país e o estado, queremos gritar pro mundo esse som e ser voz de muitos que não podem se expressar”, conta My.
Abronca é fruto da comunidade do Vidigal e teve um início bem diferente dos demais grupos que compartilham desse estilo musical no Brasil. O contato com a arte começou nas oficinas do grupo teatral Nós do Morro e serviu de base para o processo da caminhada na música.
Descobertas em um sarau por um produtor de um selo inglês, elas – como Pearls Negras – estouraram primeiro no exterior em 2014, com o lançamento internacional da mixtape “Biggie Apple”, seguida de uma tour pela Europa, incluindo o hit “Pensando em Você”. Nessa época, lançaram originalmente “174” – que estava inédita nas plataformas de música digital – e conheceram o diretor.
“Conhecemos o Taylan na nossa primeira turnê internacional, em 2015. Ele veio com uma proposta de fazer um documentário nosso, e o Taylan seguiu acompanhando a nossa carreira desde então. Ele é um diretor/artista incrível e muito talentoso, sempre nos abraçou pelo fato de acreditar no nosso trabalho, nunca foi por interesse nenhum, sempre foi pelo coração. Quando nos propôs fazer um clipe de protesto, foi uma grande realização pra gente, pois, sempre tivemos a vontade de mostrar pros nossos fãs esse nosso lado mais bruto”, conta Jay
Mufat dirige videoclipes desde a adolescência e seus lançamentos recentes se concentram em documentários que unem arte com consciência social. Seu trabalho foi visto em festivais globais e ele tem uma experiência de filmagem em todo o mundo. Taylan agora mora no Brasil desde o ano passado para trabalhar no documentário “This is Our Music”.
“Ter conhecido elas fez com que eu tivesse um entendimento mais amplo, sensível sobre questões humanas, de racismo, privilégio branco, misoginia e ser parte de uma comunidade marginalizada”, conta o diretor.
E muito mudou para as artistas também desde então. Com um novo olhar sobre suas carreiras, retomaram a veia rascante do rap – que sempre tiveram como referência – e, como Abronca, se destacaram com faixas como “Drinks”, “Chegando de Assalto” e “Gangsta”, além de experienciar entre 2017 e 2018, uma passagem pela Warner Music Brasil. Em 2019, “174” ganhou uma nova força dentro do repertório ao se tornar um destaque na performance das artistas no Rock in Rio. Unindo cenas de arquivo com imagens fortes, o clipe propõe uma reflexão sobre as origens dos problemas sociais no país e suas principais vítimas, que em geral são pessoas negras.
“É um protesto sobre o acontecimento da tragédia do 174, porém ele se encaixa com várias outras tragédias, como o assassinato da Marielle Franco, como o assassinato do meu tio William, e o assassinato de todas as crianças inocentes mortas pela violência no Brasil. Não podemos nos calar diante de toda essa violência, então a nossa música é como se fosse um soco na cara em muitos que se fingem de cegos”, conclui Jay.
Além do clipe, “174” está disponível em todas as plataformas de música digital em uma nova versão com produção musical de Jan Blumentrath e David Alexander.