Aava Santiago: ‘Evangélicos despertaram para realidade ignorada pelo bolsonarismo’
Os fiéis começam a questionar: “Entregamos tudo a Bolsonaro, e o que ganhamos de volta?”, avalia a deputada
Por Cley Medeiros
Uma pesquisa recente do Datafolha divulgada ontem (22) revela uma mudança significativa no apoio dos evangélicos à agenda bolsonarista. A queda no apoio é evidente e sugere uma reavaliação por parte dessa comunidade, que tradicionalmente esteve alinhada com o ex-presidente Jair Bolsonaro.
A pesquisa Datafolha mostrou que o apoio dos evangélicos a Bolsonaro caiu significativamente desde o último levantamento. Enquanto em 2022, cerca de 70% dos evangélicos apoiavam Bolsonaro, os números atuais mostram uma queda para 50%. Esse declínio é um indicativo claro de que a base evangélica está repensando seu alinhamento político.
Em entrevista exclusiva realizada na Xepa Ativismo, na Nave Coletiva, a vereadora Aava Santiago (PSDB-Goiânia), uma das principais lideranças evangélicas do país, comentou sobre os resultados da pesquisa e os fatores que contribuem para essa mudança de percepção.
NINJA: Como você interpreta os resultados da pesquisa Datafolha que mostram uma queda no apoio dos evangélicos à agenda bolsonarista?
Aava Santiago: Eu acho que, por incrível que pareça, o PL do estuprador (Projeto de Lei 1904/24) foi um grande favor que a bancada de extrema direita nos fez. Primeiro porque não foram evangélicos que realizaram as assinaturas. Se você observar, tem quatro ou cinco pastores, se não me engano, o resto são YouTubers.
NINJA: Então, essa proposta acabou revelando algo maior sobre a bancada evangélica, tomada pela extrema-direita?
Aava Santiago: Exatamente. Essa propositura serviu para escancarar um modus operandi que já é de muito tempo. Eles mobilizam temores para chantagear os governos, e quanto mais eles chantageiam, mais distantes dos problemas reais e das demandas dos evangélicos eles ficam.
NINJA: E como você vê a articulação de figuras como Sóstenes Cavalcante nesse contexto?
Aava Santiago: Sóstenes Cavalcante, ligado a Silas Malafaia, conduz essa articulação. Ele mostra que é com YouTubers que ele está fazendo aliança, e isso deixa à mostra toda a perversidade envolvida na forma com que eles fazem política, chantageando e ameaçando para obter o que querem.
NINJA: Essa distância entre líderes e as bases da igreja tem sido um fator crucial para a mudança de apoio?
Aava Santiago: Sim. Quando o Sóstenes Cavalcante vai a público dizer que isso é para testar o apoio do Lula aos evangélicos, ele deixa à mostra a chantagem. Os problemas reais dos evangélicos vão sendo negligenciados na medida em que esses caras buscam mais cargos e emendas.
NINJA: Como você avalia a substituição dos pastores por YouTubers na bancada evangélica?
Aava Santiago: O bolsonarismo substituiu pastores de direita e colocou YouTubers no lugar. Eles não têm vivência de igreja, não sabem o que as pessoas passam, nem as alegrias, nem as tristezas. Não têm senso de comunidade.
NINJA: E isso afeta como a mobilização política desses grupos?
Aava Santiago: Para eles, a mobilização é virtual e não tem limites éticos ou humanos. Essa substituição resultou em uma perda completa do verniz civilizatório do processo de mobilização dos interesses desses grupos.
NINJA: Como essa percepção afeta a comunidade evangélica em geral?
Aava Santiago: Os crentes começam a entender que esse caminho não é o mais adequado. O Datafolha já dá sinais dessa percepção. A igreja acordou para o fato de que o bolsonarismo se radicalizou sem pautar nenhuma demanda da vida real.
NINJA: E sobre a adesão dos evangélicos à agenda bolsonarista, quais foram os pontos de inflexão?
Aava Santiago: Os evangélicos aderiram ao bolsonarismo em quase tudo entre 2018 e 2022, exceto na pauta do armamento. Os pastores da legislatura anterior, apesar de conservadores, estavam no chão da igreja, lidando com os problemas reais dos crentes.
NINJA: Como isso se relaciona com a queda no apoio?
Aava Santiago: A radicalização do bolsonarismo sem atender às demandas reais dos evangélicos levou à desilusão. Os fiéis começam a questionar: “Entregamos tudo a Bolsonaro, e o que ganhamos de volta?”. Isso, combinado com a percepção de um Bolsonaro autocentrado, tem levado à reavaliação do apoio.
NINJA: E sobre a figura de Michelle Bolsonaro, como você avalia sua influência na comunidade evangélica?
Aava Santiago: Michelle Bolsonaro foi colocada para fazer terrorismo moral dentro das igrejas, sem nenhum tipo de vínculo que acenasse para o coletivo. Isso só piorou a percepção dos fiéis em relação ao bolsonarismo.