
“A Substância” e Mikey Madison: Um espelho do etarismo em Hollywood
A vida imita a arte e Demi Moore vive realidade do filme que protagoniza
Por Safira Ferreira e Sabrina Ventresqui
O filme “A Substância” é uma crítica à indústria, especialmente ao etarismo existente e supervalorização dos corpos femininos jovens – ao paralelo que, quando mais velhas, as mulheres perdem seu espaço midiático e ascensão social.
Desde a vitória do sul-coreano “Parasita”, no Oscar de 2020, há cinco anos, a premiação tem surpreendido ao decidir laurear artistas e filmes mais diversos, que fogem do padrão do “sonho americano”. Entretanto, alguns padrões se repetem mais perto do que se imagina.
Em “A Substância”, dirigido pela francesa Coralie Fargeat, Demi Moore interpreta Elisabeth Sparkle, uma atriz em decadência, que apresenta um programa de ginástica na televisão. A vida da protagonista muda quando ela é demitida depois que os executivos da emissora decidem contratar uma pessoa mais jovem.
Desesperada para manter o cargo e relevância, Sparkle se depara com um medicamento misterioso – a substância – que promete ao usuário uma versão melhor e mais nova de si mesmo. No filme, Elisabeth tem sua vida usurpada por Sue – variante mais nova – e prefere destruir a si mesma a abrir mão da sensação que a juventude a oferece.
No domingo, dia da premiação mais importante do cinema – o Oscar – o mundo assistiu à jovem Mikey Madison, de 25 anos, vencer a estatueta de Melhor Atriz com “Anora”. Dirigido por Sean S. Baker, o longa conta a história de uma jovem stripper que se envolve com o filho de um oligarca russo e se agarra a isso para tentar mudar de vida.
Mikey concorria diretamente com Demi Moore de 62 anos, Fernanda Torres de 58 e Cynthia Erivo de 38. As apostas para Demi e Fernanda estavam altas, devido não só ao histórico de premiações, como também aos anos de carreira das duas, mas mesmo assim, perderam para a mais jovem.
Os membros da Academia poderiam premiar uma mulher negra, uma atriz trans (deixando as polêmicas de Emilia Perez de lado, Gascón foi, inclusive, a primeira mulher trans a concorrer à categoria), uma mulher mais velha ou uma latino-americana.
No entanto, o Oscar seguiu pelo caminho mais óbvio: contemplar uma concorrente jovem e branca, que disputava com um filme que critica justamente a desvalorização da mulher na fase mais madura e exalta o culto ao corpo jovem. A impressão é de que Demi ficou presa na narrativa do filme do qual protagoniza.

Mais estranho ainda, é pensar que Mikey venceu interpretando uma stripper, papel pelo qual Moore foi aclamada pela crítica em “ Striptease” (1996), mas esnobada pela premiação. Bem estabelecida em Hollywood, sua primeira nomeação ao Oscar só veio agora: aos 62 anos.
Ao optar por “Anora” (que venceu Melhor Filme) e Madison, o Oscar mostra mais uma vez como “´A Substância” foi assertiva em sua mensagem: a mulher só tem algum valor na sociedade enquanto é jovem e “produtiva”, saindo desta configuração, o gênero feminino se torna inválido, morto, mesmo ainda vivo.
É claro que Mikey não tem culpa por toda essa repercussão, afinal, fez apenas seu trabalho, mas se beneficia, mesmo que indiretamente, do etarismo existente na indústria. No entanto, a sua vitória traz de volta o questionamento presente em “A Substância”, em que o destaque e méritos são para mulheres jovens, como se suas chances fossem perdidas com o tempo, enquanto homens, com a idade viessem a adquirir mais experiência e respeito quanto profissionais.
O contexto histórico também é um grande fator para entender as escolhas da Academia. Com a ascensão da extrema direita, especialmente nos Estados Unidos, diversas empresas já abandonaram suas políticas de diversidade. Afinal, já não importa mais porque a “maioria” branca voltou a “reinar” e a premiação sendo um reflexo do que é a sociedade, a escolha não é de se espantar. Na verdade, é sim.
O que resta aos brasileiros indignados por essa derrota, é a vitória de “Ainda Estou Aqui” em Melhor Filme Internacional e a certeza de que “Emília Pérez” – polêmico ao retratar o cinema colonialista -, não ter levado nessa indicação.