“A sensação é que a água está fervendo”: indígenas do Amazonas passam necessidades por conta de crise climática na região
No Amazonas, 59 dos 62 municípios do Estado já decretaram situação de emergência
A seca que afeta a região amazônica neste ano é considerada uma das mais intensas já registradas. No Amazonas, 59 dos 62 municípios do Estado já decretaram situação de emergência.
De acordo com o mapeamento do Serviço Geológico Brasileiro (SGB), que mede o nível do Rio Negro, o nível de água chegou a 12,82 metros, o mais baixo de sua história.
São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas, é a terceira cidade mais indígena do país, e o racionamento de energia já atinge serviços essenciais para a população.
A cidade vem sofrendo com a falta de comida e água, pois o abastecimento da cidade é feito principalmente por meio de balsas e, com o rio seco, a navegação fica reduzida ou é interrompida.
As embarcações conhecidas como recreio – que são os barcos de rede que fazem transporte de passageiros – já não estão subindo o rio.
“Ninguém consegue mais ir para roça”
Nas comunidades indígenas do Alto Rio Negro, nos municípios de São Gabriel da Cachoeira e Japurá, os efeitos desta seca vêm deixando os moradores preocupados.
“Esse sol está deixando as mulheres doentes. Ninguém consegue mais ir pra roça como fazíamos antes. Não consigo mais plantar.” É assim que Virgília Arago Almeida, de 43 anos, indígena da etnia Tariana, define os efeitos da seca, em reportagem feita pela BBC News.
O impacto direto dessa mudança é que as roças acabam recebendo menos cuidado que o ideal, propiciando o surgimento de pragas ou mesmo diminuindo a quantidade de mandioca plantada e colhida, essencial para a segurança alimentar das comunidades.
Elas contaram também que até os poços que antes abasteciam as comunidades estão secando. “Dos 10 poços que abasteciam as comunidades onde eu moro, só sobraram dois. Agora, a gente está tendo que ir ao rio pegar água para beber e fazer comida”, conta Almerinda Ramos de Lima, 50 anos, também da etnia Tariana.
Estado de emergência
Diante da crise, a Prefeitura de São Gabriel da Cachoeira declarou situação de emergência pelo período de 90 dias nas áreas afetadas por estiagem.
Em entrevista para o ISA (Instituto Socioambiental), Juvêncio Cardoso, o Dzoodzo Baniwa, liderança indígena e educador, se diz preocupado com as altas temperaturas, especialmente para as mulheres, que são as encarregadas das roças.
“Com relação à questão da seca, temos encontrado dificuldade de navegação. Há moradores que utilizam alguns igarapés para ter acesso às suas roças. E, nesse período, está difícil a navegação pelo igarapé, fazendo as pessoas caminharem mais longe para acessar suas roças. Os igarapés estão inavegáveis e exigem mais tempo e esforço para chegar às roças”, relatou Dzoodzo .
“A sensação é que a água está fervendo”
Segundo Luiz Brazão dos Santos, coordenador do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) do Alto Rio Negro, que atende a região de São Gabriel da Cachoeira, “as pessoas estão indo ao rio para beber água, mas ele está muito seco. Como os dejetos são jogados no rio pelas comunidades mais acima, as pessoas das comunidades mais abaixo acabam correndo o risco de se contaminar”.
Ele conta que já há relatos de problemas de saúde como infecções e doenças de pele relacionadas ao consumo de água contaminada.
“A sensação é que a água está fervendo”, relata Rosivaldo Miranda, do povo Piratapuya, comunicador da Rede Wayuri e morador de Açaí-Paraná, no Baixo Rio Uaupés.
Em entrevista para o ISA, ele contou que as pessoas não têm alternativa senão tomar a água que está muito quente, o que acaba afetando a saúde dos indígenas: “Estamos com diarreia e dor de cabeça. E está descendo mais sujeira dos igarapés. Fomos tentar cavar poço na beira do rio para achar água branca para tomarmos e ter saúde para nossos filhos e para os idosos”.
Em nota enviada à reportagem da BBC News Brasil, o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) informou que o órgão e outras instituições identificaram a existência de pelo menos 35 mil famílias indígenas em situação de vulnerabilidade no estado do Amazonas em decorrência da estiagem.
“Outro problema levantado é o relativo à logística na região devido à seca dos rios, via de transporte essencial para mercadorias, equipes de saúde, técnicos e de deslocamento para grande parte da população indígena”, diz um trecho da nota.
Já o Ministério da Saúde enviou nota dizendo que “vem coletando dados dos territórios afetados”. O maior empenho, segundo a nota, “é para garantir a assistência de saúde, viabilizar a chegada das equipes às aldeias, e o acesso a água potável”.
Com informações da BBC News e Jornalismo ISA.