A queda de Luci: sonhando e construindo paraquedas coloridos
Dos palcos e picadeiros de Goiás, conheça a #ArtistaFODA desta semana
Por Rafael Calebe
Entre xícaras de café e tradução de verbos e substantivos em movimentos corporais, Luci apresenta sua trajetória na dança contemporânea e no circo, bem como expressa sua didática enquanto professora de tecido acrobático. Ela apresenta sua perspectiva sobre a arte de maneira pouco convencional, mas no decorrer da entrevista sua proposta é perfeitamente compreensível: é sobre voar, mas também saber pousar.
É nessa aparente dicotomia que a Artista Foda da semana apresenta seus paraquedas coloridos, último projeto autoral, disponível gratuitamente para quem quiser assistir, e desenvolvido com apoio da Lei Aldir Blanc, cuja proposta é executar a política de desenvolvimento à cultura do Estado de Goiás.
Inspirada no grande intelectual indígena, Ailton Krenak, Luci se propõe a tensionar os padrões normatizados de conhecimento e nos convida a experenciar novas construções de sonhos.
Seu vasto conteúdo referencial se conecta com a artista multifacetada mais alada e enraizada que pude conversar. Assim poderia apresentar Luci: lúcida e lúdica.
Confira a seguir a conversa na íntegra:
A gente sabe que, infelizmente, a arte ainda não chega da forma como poderia em todos os espaços sociais. Queria saber um pouco da sua história, como foi essa sua aproximação com a arte e como tudo isso te atravessa.
Eu acho sempre difícil explicar, porque não foi planejado. Não foi algo que tive contato quando era criança, até porque não chegava aonde eu estava socialmente inserida. Minha primeira lembrança é de um circo que esteve próximo da minha casa e tenho lembranças muito vagas. A única coisa que eu tenho dessa memória é uma fotinha com aqueles monóculos, sabe? Mas balé, dança contemporânea ou projetos sociais de fomento nesse sentido não existia próximo a mim e da minha região.
Até o Basileu França, que é uma escola de artes gratuita em Goiânia, só fui conhecer depois de adulta, exatamente porque fica em uma região centralizada e eu cresci na periferia da região metropolitana Goiânia.
Eu acho que o ponto inicial foi quando entrei na universidade pública e comecei a cursar psicologia, em que passei a conviver com artistas, pessoas da música e da dança.
Teve algum momento ou projeto que você acredita ter sido decisivo para a sua escolha de seguir criando profissionalmente, ou seja, trabalhar e viver da sua arte?
Lembro que meu primeiro contato na construção de espetáculo, foi no ano de 2013, quando me envolvi em um projeto interdisciplinar de dança (Projeto Entrelinhas – aprovado pelo Prêmio Funarte de Dança Klauss Vianna), que abordava o feminino e já era uma temática que eu tinha interesse e pesquisava na graduação. Inicialmente, eu só contribuía na pesquisa, mas comecei a me interessar muito pela dança, especialmente a questão de conseguir me comunicar com o corpo. Lembro que vi o ensaio geral e fiquei muito encantada com essa mensagem transmitida pelo corpo dos bailarinos. A partir daí, comecei a fazer aula de dança contemporânea e percebi que gostava muito daquilo. Ao mesmo tempo, sentia cada vez menos afinidade com a psicologia.
Comecei a fazer aula de dança e perceber que gostava muito daquilo. Tem também o atravessamento dentro da psicologia, porque no meio do curso, principalmente quando veio a greve de 2012… essa época foi um divisor de águas, porque conheci outra universidade, outros espaços, outras vivências, para além da psicologia, do texto que se lê, da prova que se faz. No penúltimo ano de psicologia, já percebi que não era aquilo que queria fazer. Gostava de clínica psicanalítica, mas quando fui para experiência de atender, percebi que realmente não me encaixava naquilo.
Nesse período, colaborei em um espetáculo de dança que minha professora estava criando (Ingrid Costa e Luciana Caetano), o “Cartas para Frida”. Nessa mesma época, também me aproximei da Casa Corpo, fazendo assistência de produção, ajudava a fazer o “Por Acaso: tardes de improviso”, enfim, fui imergindo na cena da dança e, ao mesmo tempo, vivendo uma crise interna, por não me identificar com a psicologia e ter que lidar com a pressão da família, que queria muito que eu me tornasse psicóloga, já que nessa época eu ainda morava com meus pais.
Depois que me formei, já muito convicta de que não queria exercer psicologia e cada vez mais envolvida com a dança, tive muita dificuldade de conseguir trabalhar com isso e me fazer reconhecer enquanto artista, porque parecia muito prepotente para mim essa autodeclaração e também porque a gente se vê muito como artista a partir do momento em que se começa a criar e a ter subsídio para essa criação.
E como você se aproximou e entendeu a sua afinidade com o tecido acrobático?
O tecido é o afunilamento de muita coisa.
Para continuar envolvida com o meio artístico, entrei no mestrado e consegui uma bolsa, que foi o que me permitiu morar sozinha e conseguir me sustentar. Aproveitei a oportunidade, comecei a pesquisar performances culturais nessa fase e fui me desvinculando academicamente da psicologia.
Nesse contato com a dança, eu sentia falta de ter uma preparação física mais intensa, sentir o corpo mais forte. Até então, eu ainda não tinha essa percepção sobre o corpo. Foi nessa busca que eu encontrei o circo e soube que haviam aulas no Basileu França. No primeiro teste, não passei, porque não tinha o preparo físico que o circo exige. Passei no segundo teste, depois de ter ficado alguns meses buscando esse condicionamento físico.
Quando comecei as aulas, fui tomada pela atmosfera do circo. Eu olhei aquilo tudo, aqueles corpos que estavam ali, o que eles faziam, os aparelhos, a lona… entendi o que era pertencer a algum lugar.
Já aluna no Basileu desde 2016 (Escola do Futuro em Artes Basileu França), surgiu em 2018, uma oportunidade de formação do artista de circo no Núcleo de Formação Ampliada para o Artista de Circo – NUFAAC, na Cia Catavento, em que o treino era diário. Tentei conciliar as duas escolas, mas acabei ficando só na Catavento nesse período. Foi aí em que consegui produzir meu primeiro projeto autoral, com todo o suporte da Catavento, então eu tinha essa liberdade para criar sem grandes preocupações burocráticas.
Esse projeto se chamava “Fémenina” e foi um momento muito especial, porque entendi que a minha relação com o tecido me conectava com a minha avó materna, que era costureira. Em um dia comum de atividade, lembro que um professor me perguntou o porquê de me sentir mais segura no ar e comecei a me questionar. Quando cheguei em casa, comecei a pensar sobre, escrever sobre esse sentimento e me veio essa relação com a costura, porque é como se o tempo inteiro eu estivesse costurando no ar e, para mim, o tecido é uma costura e traz essa proposta visual.
Enfim, esse primeiro número me trouxe essa vontade de dialogar com a questão de gênero, porque eu queria falar do amor por mulheres para mulheres. Então tudo começou nesse amor e referência que eu nutria pela minha avó e atravessa toda a construção das minhas afetividades, chegando inclusive na construção da minha subjetividade enquanto mulher lésbica.
Depois disso, tive a oportunidade de fazer residência na Escola Nacional de Circo (Laboratório ENC 2019), que fica no Rio de Janeiro e foi uma experiência muito rica. Lá, o contexto artístico funciona de uma maneira incrível, muitas referências, muitas atividades, a estrutura é grandiosa, enfim, foi uma experiência que agregou muito na minha carreira.
Acredito que todos esses espaços e referências ajudaram muito a desenvolver sua capacidade de desenvolver performances com elementos distintos, dada a sua experiência em várias áreas. É possível explicar como você desenvolve o processo criativo das suas performances?
Estar em estado de criação é o mais difícil e isso reafirma o lugar de ser artista, porque quando eu fico muito tempo sem criar, o que foi por exemplo o período da pandemia, você se questiona se é artista, porque é o seu vínculo máximo com essa nomeação.
O mais difícil é continuar criando, dadas as condições que são superdifíceis, sobretudo porque as condições não são perenes. E hoje em dia eu nem quero estar em estado de criação o tempo inteiro, até porque é muito desgastante mental e burocraticamente. Segue outra lógica, muito diferente da produção de trabalho convencional.
No mais, o estado perene de condições de criação não existe, e isso é muito complicado, porque, dividindo, você recebe cerca de dois salários mínimos para seis meses de produção. Seis meses e na verdade você não encontra outro edital imediatamente. Porque, predominantemente, você consegue sustento financeiro por meio de edital de leis de incentivo à cultura.
Claro que existem outras alternativas, como dar aulas mesmo, que é o que eu faço constantemente, ou atividades mais esporádicas, como apresentações em escolas infantis e outros espaços que se interessam pela apresentação em si. Mas, para conseguir realizar um trabalho autoral e conseguir transmitir exatamente o que você pretende, para além da questão estética, exige-se um recurso financeiro oriundo dessas leis de incentivo.
Recentemente, você divulgou, gratuitamente, seu último projeto autoral finalizado, o Paraquedas Coloridos. Como foi criar esse número nesse período de pandemia e quais foram as suas inspirações?
Paraquedas coloridos nasceu de um medo meu, de um envelhecimento e uma tendência a se render à violência, ao fascismo, que condiz muito com a realidade brasileira que vivemos atualmente. Então, eu não quero envelhecer e cair nessa lógica do tempo de que a sociedade se autodestrói. É como se a passagem do tempo, nessa lógica, fosse nos destruindo e nos retirasse nossas capacidades de subjetividade, desejo, paixão. Enfim, esse projeto tem me proporcionado permanecer sonhando e acreditando nas possibilidades que fuja dessa lógica mecânica humana.
Esse projeto começou a nascer em uma perspectiva de trabalhar com a temática do sonho. Mas eu não queria trazer esse sonho que é vendido, nessa perspectiva capitalista, que é uma coisa meritocrática, de que as coisas só dependem do seu esforço, do seu treinamento incessante, como se não existissem contextos, recortes e atravessamentos. Não era desse sonho que eu queria falar.
Eu queria trazer essa ideia do sonho, mas o sonho possível, de verdade, no sentido de não promover a ideia de perfeição, do meu número e do meu corpo mesmo, e não vender a ideia de que as coisas são perfeitas, como a gente vê em grandes circos, por exemplo. E não que seja bonito a execução perfeita ou pelo menos aparentemente perfeita, mas essa não é minha proposta, porque para além da execução e estética, eu gosto e me desafio a transmitir uma mensagem e a mensagem que eu acredito.
Comecei a conversar com a figurinista do projeto, Marcela Faria (@sementesdemar e @costuroafetos). Foi o primeiro ponto, para mim o figurino era algo fundamental, porque eu já comecei a trabalhar com essa ideia de uma episteme não branca e o figurino seria um ótimo marcador nesse sentido. A partir das pesquisas, fui agregando os colares e adereços da cultura africana. Tudo isso antes do edital.
Quando veio o edital da Lei Aldir Blanc, eu tive muita dificuldade para me inscrever, porque foi um edital muito burocrático e cheio de exigências, embora fosse um edital emergencial. E é claro que é importante ter critérios muito bem estabelecidos, mas existiam exigências que poderiam prejudicar grande parte dos artistas que tinham interesse e precisavam deste suporte financeiro para executar muita coisa legal.
Começamos os ensaios em janeiro de 2022, com preparação corporal de duas referências que admiro: a Lorena Amorelli (@lorena.amorelli), da dança contemporânea, e a Mellina Fioretti (@mellinafioretti), do circo. Achava importante trazer essas duas perspectivas, porque os corpos e olhares da dança são diferentes do circo, e acho que essa conciliação enriquece muito qualquer performance.
Foi o semestre inteiro pesquisando, construindo, testando e delimitando a ideia de sonho. E, nesse processo, conheci o Ailton Krenak, que fala muito sobre sonhos. Fui numa livraria e um dos livros que mais me chamou atenção foi o “Ideias para adiar o fim do mundo” e, acho importante pontuar que um dos fatores que me fizeram comprar esse livro foi o preço mesmo, que era um dos mais acessíveis da livraria e cabia no meu bolso.
A medida que comecei a ler, não parei, fiquei muito empolgada, sobretudo porque o livro fala de sonho o tempo inteiro. Foi como se o esse livro tivesse me encontrado nesse processo criativo. Não à toa, o nome do projeto “paraquedas coloridos” é uma referência ao Krenak, que traz esse termo para nomear a ideia de ressignificar a queda, viver a experiência do desastre mesmo, em sua plenitude. Afinal de contas, é natural cair, mas é importante buscarmos ferramentas para nos reerguermos.
Acho que isso tem total relação com o circo, o tecido e os exercícios acrobáticos aéreos em geral, já que, a partir do momento que você se propõe a tentar executar os movimentos, você assume o risco, mas não abre mão da experiência por causa do risco ou do medo.
Quando você assiste ao Paraquedas Coloridos, sente a sensação de que conseguiu cumprir o que se propôs a criar? Teve algum elemento que você teve dificuldade e sentiu receio de não conseguir transmitir o que gostaria?
A cena do olhar! Tive muita dificuldade em construir essa cena, porque eu não sabia exatamente que tipo de olhar exprimir. Não queria que fosse algo caricato ou dramático demais, porque é o primeiro contato com o espectador e queria transmitir um semblante o mais natural possível, sem que parecesse indiferente. Nessa cena, mais uma vez o Krenak me inspirou, através do “Selvagem – ciclo de estudos sobre a vida”, um projeto cuja proposta é uma experiência de leitura e audiovisual que relaciona conhecimentos a partir de perspectivas indígenas, que eu gostei bastante e que, inclusive, foi um indicação da Marcela Faria, que é a figurinista do Paraquedas Coloridos.
Lembro que na primeira conversa promovida por este projeto, a convidada foi a Nastassja Martin e ela fala que não se sonha sozinha, que o sonho não é algo que se faz sozinha, é um projeto com o outro. Isso me tocou de uma forma tão profunda que me fez entender o olhar que eu precisava levar e me fazer compreender: olhar para o outro e expressar o sentimento de que o sonho é um projeto com o outro.
E, para mim, essa ideia do sonho me marcou muito, porque o contexto de solidão desde o início da pandemia me desconectava dessa noção coletiva que o circo fortaleceu tanto dentro de mim.
O Projeto Tecida mesmo, que nasceu nesse contexto pandêmico, nasceu muito sozinha, era um lugar em que eu estava sempre sozinha, carregando o tecido, as escadas e as ferramentas para instalar os equipamentos.
O edital já havia me devolvido essa perspectiva de trabalhar em conjunto novamente, e todas essas referências (Krenak, Nastassja) me encontraram no meio do meu processo criativo e reafirmaram essa minha necessidade.
Você ressalta com muito afeto a ideia do trabalho coletivo e como o circo te contempla dentro dessa perspectiva. Nesse sentido, você planeja desenvolver projetos futuros, fortalecendo essas parcerias estabelecidas no paraquedas coloridos e criando novas oportunidades para outras pessoas?
Teve um outro projeto contemplado pela Aldir Blanc, que foi um retorno muito gostoso para a dança contemporânea, com a Lorena, que fez a preparação corporal para o paraquedas coloridos. O projeto se chama “Sofrência” e traz essa perspectiva do “ser goiana”, da dor de cotovelo que propõe a música sertaneja. Esse projeto foi desenvolvido também nos últimos seis meses e também está disponível no youtube (https://www.youtube.com/watch?v=a0FFJnm4gUQ).
O paraquedas coloridos, que foi um projeto que pude contar com muitos profissionais que admiro, também está disponível no youtube (https://www.youtube.com/watch?v=WErkdcvAkOI), pelo menos, de três semanas a um mês. Depois, devo retirar para desenvolver melhor o projeto, caso surja e eu consiga outro edital com um prazo e fomento maior. Tenho a intenção de apresentá-lo presencialmente como um número mais completo, desdobrando em todas as referências que me inspiraram. Espero conseguir apoio financeiro o mais breve possível para conseguir incluir o paraquedas coloridos em um espetáculo presencial de varietés, trazendo essa ideia de um espetáculo construído com muitas mãos, acho que se encaixaria bem nessa proposta coletiva que eu gosto tanto.
A gente tem vivido tempos difíceis, sobretudo se considerarmos o atual contexto político e como as políticas públicas de incentivo à cultura estão sendo negligenciadas. Apesar de todas essas dificuldades, a arte continua resistindo e isso é incrível. O que você diria para as pessoas que se sentem pouco estimuladas a seguirem insistindo e trabalhando com arte?
Eu senti falta de pessoas no meu processo de autoconhecimento que me estimulavam, que diziam que era possível, de reforçar a fé cênica mesmo, sabe? Boa parte do meu processo foi entregar recibo das minhas contas pagas, porque eu achava que precisava provar o tempo todo que era possível, para as pessoas e para mim mesma.
Hoje eu super falaria que é possível viver de arte, se alguém precisasse ouvir isso. Não que não haja perrengue e que o apoio e as leis de incentivos sejam contínuos ou que seja o lugar mais rentável, pelo menos para a maioria das pessoas. Mas, quando contei toda a minha trajetória, é nítido o quanto me boicotei e o quando poderia ter sido o caminho menos dolorido, exatamente porque demorei para me ver nesse lugar de me denominar artista e de enxergar que é possível pagar as contas com o que eu produzo, mesmo que seja difícil, porque é.
Sem querer tornar místico, porque eu não acho que a arte é mística, não acho que a criação é mística. Acho que é trabalho, construção, referência e pesquisa. Se você não estuda e não busca referências, não é possível criar. Não acho que é nesse âmbito do reino dos céus, inclusive não quero e não trabalho com o sonho do reino dos céus. Para chegar no topo, o ponto de partida é o chão, é sobre raízes, essa é minha referência. Quero um sonho que interligue o chão ao céu e o tecido, para mim, resume muito bem isso.
Apesar da persistência da classe artística, percebo que a paixão pelo seu trabalho não é um fator que te leva a romantizar toda essa dificuldade e falta de incentivo e fomento no âmbito público, até mesmo pelo contexto social em que você está inserida. Queria que você falasse sobre as dificuldades e implicações da falta de incentivo e quais as alternativas que você tem encontrado para garantir sua subsistência.
Acho muito importante pontuar que é muito difícil viver somente de editais, exatamente porque não estamos falando de uma fonte constante e perene, muito pelo contrário. Para você ter uma ideia, o edital do paraquedas coloridos, por exemplo, depois de dividir toda a verba de maneira justa com as outras artistas que colaboraram, restou menos de dois salários mínimos para o meu sustento e esse valor teria que render por seis meses. Ou seja, você se direciona para o projeto e o executa pelo tesão mesmo, porque viver exclusivamente disso, impossível.
Dito isso, a minha base regular de rendas atualmente é dar aulas. Gosto muito da modalidade particular, gosto do tempo uma a uma. É um lugar que absorvi da psicanálise e me identifico muito com isso.
Nesse começo de pandemia, foi bem difícil, porque precisei parar tudo. Mas, com a redução do valor do auxílio e à medida que o tempo ia passando, as coisas foram apertando e precisei retomar. Via essa necessidade de ser particular nessa fase inicial da pandemia pela questão dos cuidados sanitários mínimos mesmo, de evitar aglomerações, a higienização dos equipamentos etc.
Então, a proposta da Tecida nasceu assim e também por causa da pandemia. Antes disso eu já estava começando a dar aula particular, fui tateando essa possibilidade, mas eram poucos alunos ainda, uns dois ou três.
Um passo muito importante para ampliar o Projeto Tecida foi a criação da página e o primeiro passo foi toda a construção de identidade visual, feita pela Carol que, inclusive, também fez o registro fotográfico do paraquedas coloridos. Ela fez algumas aulas experimentais de tecido acrobático em troca, o que facilitou essa negociação.
Uma coisa engraçada é que o público que busca a Tecida é predominantemente feminino. E, apesar dessa maioria de mulheres cis, não existe essa restrição de gênero, apesar de que talvez eu tenha certa resistência em dar aula particular para homens héteros cis ou para qualquer pessoa que tenham tendências políticas controversas (risos).
Então, basicamente, é isso: as pessoas entram em contato comigo, na maioria das vezes pela página no instagram do Projeto Tecida, que é o local em que deixo todos os meus contatos profissionais disponíveis.
Outra coisa legal de ser individual é que eu consigo planejar as aulas de acordo com as particularidades físicas de cada aluna, desde o alongamento, até a construção da força, resistência e flexibilidade de cada corpo. E é muito gostoso acompanhar os progressos de cada pessoa. Então, sim, o tecido é para todas, porque, é como eu já falei, não tem uma mística, é construção, é disciplina, é trabalho, claro, com as particularidades de cada pessoa.
E, enquanto professora, fico muito feliz de poder conseguir transmitir esse conhecimento. Fico muito feliz de conseguir ser instrumento de aprendizado para outras pessoas, sem que seja no âmbito da palavra. É muito difícil você transferir esse conhecimento para o corpo do outro. Até porque a gente relaciona a ideia de conhecimento a palavra, escrita, leitura, produção acadêmica, enfim… e tudo isso é muito importante, mas reflito muito sobre essa ideia muito eurocentrada de construção e produção de conhecimento.
Mas, é isso, é muito gratificante, ver que você conseguiu comunicar usando o corpo e se fazer compreender e compreendida através do ensino e das performances.