Por Vitor Costa e Gabrielle Gonçalves para a Cobertura Colaborativa NINJA Esporte Clube NEC PARIS 2024

Para muitos admiradores do esporte, o quadro de medalhas não é o mais importante em uma edição olímpica, mas ele pode servir como termômetro do investimento e disseminação da cultura esportiva em um país. Em Paris, o Brasil ficou em 20º lugar – uma queda de sete posições e meia, aproximadamente, na comparação com as duas edições anteriores. 

O resultado pode ser analisado sob uma premissa levantada em uma pesquisa da Sports Value – empresa especializada em marketing esportivo -, que avaliou o desempenho de países sedes nos quadros de medalhas olímpicas. A análise se propunha a entender se o investimento feito nessas nações para sediarem os jogos olímpicos também era percebido no desempenho de seus atletas, que seria medido pelo acúmulo de medalhas finais.

Constatou-se que, em alguns casos, foi possível observar um crescimento considerável no desempenho das delegações a longo prazo, como no exemplo da China e do Japão, que mudaram consideravelmente suas posições no ranking de medalhas desde as edições de Pequim (2008) e Tóquio (2021), porém, no Brasil não foi possível observar a mesma lógica. 

Considerando a concessão de bolsas aos atletas através da política pública do Bolsa Atleta, no período entre 2013 a 2016 – anos em que o país preparava-se para receber as Olimpíadas do Rio -, o governo investiu 659 milhões de reais no financiamento de atletas: números 29% superior ao ciclo olímpico consecutivo, que ocorreu entre os anos 2017 e 2021. Ou seja, mesmo com um ano a mais, o ciclo olímpico de Tóquio teve uma redução de verba considerável, em relação ao anterior. 

Esse foi, justamente, um dos fatores pontuados pelo estudo: o investimento concedido para o ciclo olímpico do Rio de Janeiro, em 2016, não foi pensado a longo prazo, e para exemplificar a afirmação, os especialistas trouxeram fatores como setorização e índices de prática de atividade física por todo o território nacional. 
“O estudo ainda lembra que no Brasil há mais de 200 milhões de habitantes e revela que metade da população é 100% sedentária. E, segundo a empresa, os que praticam, estão mais concentrados entre os mais ricos e entre os homens. Assim, a Sports Value frisa que a prática esportiva da população, com ênfase à população mais carente, com baixo acesso a clubes e academias, seria o único caminho para o Brasil mudar.” – trecho retirado do site Lance!, sobre o estudo da Sports Value. Veja o estudo completo aqui

Ainda assim, é possível e necessário reconhecer a mudança de patamar no número de medalhas obtidas pelo Brasil após a regulamentação do programa federal Bolsa Atleta, criado pela Lei nº 10.891, e regulamentado pelo Decreto nº 5.342, de 2005. O país passou de uma média de 12 medalhas para 19 medalhas por edição, sendo a Rio 2016 a edição com mais medalhas de ouro na história, junto à edição de Tóquio.

Além do programa Bolsa Atleta existem outras fontes de financiamento para a prática do esporte olímpico no Brasil, como o Programa de Atletas de Alto Rendimento das Forças Armadas (PAAR). Ele permite que atletas com potencial de medalhas, ingressem no Exército, Marinha e Aeronáutica, para participar de competições militares. Em troca recebem benefícios como salário, aposentadoria e ainda a possibilidade de utilizar as instalações das forças para treinamento.

Existe ainda a Lei 10.264/2001, conhecida como Lei Agnelo Piva, prevê que 85% da arrecadação das loterias seja destinado ao Comitê Olímpico Brasileiro (COB), e ainda 15% para financiar o Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB). Portanto, a criação desses mecanismos de financiamento do esporte de alto rendimento representou um marco para o esporte olímpico brasileiro nos últimos 24 anos.

De acordo com levantamento apurado pelo Grupo de Pesquisa e Formação Sociocrítica em Educação Física, Esporte e Lazer da Universidade de Brasília (AVANTE/UNB), revelou que até 2000 — nos Jogos de Sydney, Austrália — o Brasil havia participado de 17 Olimpíadas, e conquistado ao todo apenas 66 medalhas, sendo 12 ouros, 19 pratas, 35 bronzes. 

Com o aumento do investimento estatal essa quantidade saltou para o total de 102 medalhas: sendo 28 de ouros, 30 pratas, e 44 bronzes. O levantamento considerou as medalhas conquistadas a partir da edição de Atenas 2004, até a edição de Paris encerrada no último domingo (11).

A importância da rede de financiamento é reconhecida até mesmo pelos próprios atletas. O medalhista de prata na Marcha Atlética, Caio Bonfim, destacou a importância da Bolsa Atleta na sua trajetória, em entrevista à Agência GOV .

 “A gente gosta de reclamar, mas disso aí eu não posso. Eu comecei a marchar no ano de 2007, e desde lá eu sou bolsista do Bolsa Atleta, ele me dava essa segurança e essa tranquilidade para evoluir”, enfatizou.

Os desafios para o próximo ciclo de Los Angeles 2028

Embora a campanha brasileira em Paris 2024 tenha sido destaque porque pela primeira vez na história a maioria da delegação brasileira foi composta por mais mulheres do que homens, e ainda com a maioria das medalhas conquistadas por elas, a campanha brasileira terminou abaixo das expectativas. 

O país terminou na 20° colocação com 20 medalhas conquistadas. Sendo 3 de ouro, 7 de prata e 10 bronzes. A posição é cinco posições abaixo de Tóquio 2020, quando na ocasião o país terminou na 15° colocação. O resultado reflete alguns fatores como o ciclo mais curto da edição de Tóquio no Japão em 2020, disputada em 2021, devido à Pandemia de COVID-19, mas também um reflexo dos cortes enfrentados pelo programa Bolsa Atleta durante os governos dos ex-presidentes Michel Temer (MDB-SP) e Jair Bolsonaro (PL-RJ). Na gestão Bolsonaro, inclusive o Bolsa Atleta sofreu um corte de 20% em 2021, e ainda promoveu a extinção do Ministério do Esporte, que durante o seu governo foi transformado em Secretaria Especial do Esporte.

Por outro lado, após 14 anos sem reajuste, o programa Bolsa Atleta voltou a ser reajustado no terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A medida foi anunciada em junho deste ano por meio de Medida Provisória, o aumento foi de 10,86%. Apesar de a medida ter sido importante, porém, o valor ainda é insuficiente para cobrir os anos de defasagem.

Portanto, para o próximo ciclo olímpico em Los Angeles 2028 o desafio é buscar que os recursos para o financiamento da preparação sejam aumentados e geridos de forma organizada e permanente, e não conforme a vontade do Governante que está no poder.