Por Aline Mattos

BNegão, um dos maiores nomes da música brasileira contemporânea, explora novas formas de expressão e diálogos culturais em seu primeiro álbum solo, Metamorfoses, Riddims e Afins. Após décadas de trajetória como vocalista do Planet Hemp e líder dos Seletores de Frequência, o artista nos apresenta uma obra que sintetiza sua busca incessante por transformação, mantendo um profundo vínculo com suas raízes culturais múltiplas.

Disponível desde novembro nas plataformas digitais, o álbum é uma verdadeira travessia sonora, que ultrapassa as fronteiras de estilos e épocas. O título Metamorfoses, Riddims e Afins reflete o espírito de transformação do artista, e traz recriações de músicas que marcaram sua trajetória e o universo cultural do qual faz parte. A obra se alicerça na pulsação africana, fundamentando gêneros como samba-reggae, cumbia, punk rock nacional, arrocha e rocksteady jamaicano, fundidos de forma magistral à modernidade eletrônica.

A jornada musical começa com a introdução “Intro Amazônica”, que transporta o ouvinte ao som ancestral da floresta amazônica, preparando o terreno para a sequência vibrante de faixas. Entre os destaques, “Tudo No Esquema (Pensamento Libertário)” combina cumbia e samba-reggae com a energia libertária do rap, enquanto “Essa é Pra Tocar no (Heavy) Baile” traz uma nova leitura do arrocha carioca. “Canto da Sereia” resgata de maneira intensa e delicada o clássico de Osvaldo Nunes, e outras faixas, como “A Verdadeira Dança do Patinho Inna SSA Styla” e “Injustiça”, mostram a diversidade de influências, transitando entre o pagodão baiano e o rocksteady. Para encerrar, “Sorriso Aberto” mistura samba com batidas eletrônicas, reafirmando o caráter universal e atemporal da música de BNegão.

O sucesso do álbum é evidente, com ingressos esgotados já no show de estreia no Sesc Pompeia, confirmando a força criativa de um artista que não se prende a convenções. Em uma entrevista exclusiva, BNegão compartilha mais sobre o processo criativo, as influências e os desafios dessa obra que redefine os limites da música brasileira.

Mas antes de apertar o play, confira a entrevista concedida por BNegão para o S.O.M.

SOM: O título “Metamorfoses” sugere uma transformação. Que tipo de transformação você viveu e como ela influenciou o processo criativo do álbum?

BNegão: “A metamorfose é uma coisa que acontece com o passar dos anos. Já estou há muito tempo com muitas ideias e fazendo várias coisas. Por exemplo, a música ‘Essa é Pra Tocar no (Heavy) Baile’ eu ia lançar em 2019, mas a pandemia adiou. Já faixas como ‘Intro Amazônica’, ‘Tudo No Esquema (Pensamento Libertário)’ e ‘Canto da Sereia’ vieram este ano, e há também músicas de diversas épocas. O termo ‘metamorfoses’ também reflete minha primeira incursão nesse caminho radical de música brasileira eletrônica, algo que sempre me atraiu. Sempre acompanhei a cena eletrônica brasileira desde os seus primeiros passos, mas só pude explorar isso agora, pois antes estava muito engajado com os Seletores de Frequência. Eu sempre senti falta dessa conexão com a eletrônica, que é uma das minhas raízes. Ao mesmo tempo, fui influenciado por rap, punk rock e samba-reggae. Esse último, por exemplo, sempre me arrepiou e está no meu DNA. Um exemplo disso é que, em 2006, em uma festa em Salvador, eu disse ao Russo Passapusso: ‘Se você fizer isso com o samba-reggae, vai ser sucesso.’ Ele me respondeu ‘é?’, e eu disse ‘é!’. Isso aconteceu antes do BaianaSystem existir.”

SOM: Você trabalhou com vários parceiros criativos nesse álbum. Como essas colaborações influenciaram o resultado final?

BNegão: “As colaborações foram fundamentais. O disco começa com a intro feita por Sandro Lustosa, do Acre, que me enviou o material e decidimos seguir com ele. Como filho de Manauara e Sandro vindo do Acre, começamos a obra com uma pegada amazônica total. O álbum vai se desenrolando entre várias influências, como a cumbia colombiana misturada com samba-reggae, rap e até jazz. O trompete de Pedro Selector e a percussão de Sandro Lustosa contribuem para o resultado final. Passamos pelo arrocha carioca com rap, até chegar no pagodão do BaianaSystem em ‘A Verdadeira Dança do Patinho Inna SSA Styla’. O álbum mistura, com uma alquimia única, todos esses ritmos e culmina com o samba afrofuturista de ‘Sorriso Aberto’.”

SOM: A escolha de “Canto da Sereia” é fascinante, ainda mais por ser uma obra de Oswaldo Nunes. O que te motivou a trazer esse clássico para um contexto mais atual, mantendo sua essência?

BNegão: “Eu conheci ‘Canto da Sereia’ em 2008, com a Orquestra Contemporânea de Olinda. Recebi a demo e desde então ela se tornou uma das músicas da minha vida. Achava que era uma versão de um canto popular de Recife, até descobrir que era de Oswaldo Nunes. O fato de ele ser um homem negro e gay na época só fez crescer minha admiração por ele. Quis fazer minha versão dessa música para poder tocá-la nos meus sets. Coloquei essa ideia para Gilber T, que criou a base e a batida, e a música tomou forma. Buscamos um baixo reggae jamaicano e adicionamos percussão e trompete. O coro que já existia na versão original foi ampliado com um toque afro-canto, que é uma das minhas ideias futuras de trabalho.”

SOM: Em Metamorfoses, há uma diversidade de influências e ritmos. Como você consegue criar um álbum tão coeso, com uma identidade única?

BNegão: “Esse é um dos meus superpoderes. Sempre foi assim, desde o Enxugando o Gelo (2003). São influências aparentemente díspares, mas que, para mim, fazem parte de uma mesma história. No álbum, conto essa história por meio da ordem das faixas e dos grooves. Apesar da variedade de estilos, como a música jamaicana, o álbum se mantém coeso porque todos esses elementos se encaixam na batida e no baixo. Eu fui lançando várias músicas ao longo do tempo, como ‘Sorriso Aberto’, ‘Cérebros Atômicos’ e ‘Injustiça’, que agora, no pós-pandemia, se juntaram para formar um único álbum.”

Ouça agora ‘Metamorfoses, Riddims e Afins’: