Por Nina Maria

No dia 7 de agosto de 2025, estreou nos cinemas de todo o país o filme cujo figurino assino: A Melhor Mãe do Mundo.

Este é um projeto especial por vários motivos, alguns dos quais quero compartilhar neste texto para que mais pessoas possam conhecer o olhar, a construção narrativa e criativa da profissão de figurinista, que tanto amo.

Gal, interpretada por Shirley Cruz, nossa personagem principal, é uma mulher preta, forte e de muita garra. Assim me foi apresentada, de forma gentil, pela direção de Anna Muylaert e pela direção de arte, assinada por Maira Mesquita. Desde o início, eu sabia que enfrentaria grandes desafios, pois se tratava de uma personagem catadora de lixo numa cidade como São Paulo. Enfatizo a cidade porque ela também é protagonista, caminhando de braços dados com Gal, seus dois filhos e sua carroça.

Durante meu processo criativo, descobri detalhes que abriram infinitas possibilidades. Quando me deparei com a realidade das catadoras de lixo do Glicério, coletivo que nos recebeu com uma generosidade incalculável, elas abriram suas casas, seus espaços e suas vidas, permitindo-me adentrar suas estruturas familiares. Essa forma de pesquisa e vivência me possibilitou não cair em caricaturas mal construídas ou clichês.

Vestir uma personagem preta com tamanha complexidade tornou-se um compromisso profundo, que ultrapassava o figurino e ia de encontro direto com sua história, sua força e sua dignidade.

Numa tarde fria e cinzenta, Jaque, eleita nossa referência viva para o figurino, abriu seus pertences e se debruçou para contar como cada peça de roupa chegou até ali. Guardadas e separadas em sacolas recicláveis, as roupas eram tratadas com o carinho de quem sabe dar o devido valor ao pouco que se tem. Observei a delicadeza com que eram dobradas e armazenadas e, sentada no meio de sua sala simples, emocionei-me ao ouvi-la contar sobre suas aventuras Brasil afora, munida da mesma força e esperança que carrega nossa personagem principal. Essa relação íntima com o vestuário refletiu-se diretamente na forma como nossa equipe trataria os figurinos da personagem Gal. Recordo com clareza de voltar para casa com os olhos marejados após ser recebida na casa de Jaqueline.

Foram dias visitando suas casas, seus locais de trabalho, baias de separação, que me colocaram diante dos rejeitos físicos da cidade e da forma desleixada com que a maioria de nós lida com o próprio lixo. Nesse percurso, encontrei nas minhas colegas de trabalho um forte apoio emocional para enfrentar o cenário de escassez de recursos e abundância de cuidado.

A personagem Gal não é carioca, nem nordestina, nem brasiliense. Gal é paulistana, e isso se tornou o ponto central da pesquisa. Pensar em como traduzir, de forma realista e quase documental, tudo o que ela e seus dois filhos enfrentariam atravessando a cidade com os pertences na carroça foi o grande desafio do projeto. Por isso, decidi levantar uma campanha de arrecadação de peças de roupa, para que trouxessem consigo a veracidade que o projeto pedia. A partir dali, começamos a seleção que iria compor as araras de figurino.

Era preciso considerar que, embora a pré-produção ocorresse no inverno, as filmagens seriam no calor intenso, o que influenciou diretamente a forma de vestir os atores. Sabia que a personagem Gal cuidava de si e das crianças, mantendo sua vaidade, mas também que a fuga de casa não lhe permitiria selecionar com calma o que levar. Ela enfrentaria noites frias, dias quentes e, por vezes, chuva. A grande questão era como traduzir isso de forma realista, sem perder o caráter ficcional da obra. Foi nesse ponto que acertamos ao utilizar peças usadas com envelhecimento natural, precisando de poucas intervenções adicionais.

O que me traz orgulho enquanto figurinista é justamente a forma como o figurino se apresenta e faz jus à natureza documental da obra. Trabalhamos lado a lado com as demais áreas para chegar a uma personagem principal convincente: leggings combinadas com camisetas oversized, usadas para evitar assédio em algumas situações; shorts e calças jeans gastas pelo tempo; blusas decotadas, deixando à mostra o sutiã colorido; e o uso constante de acessórios, reafirmando que, sim, catadoras de lixo podem manter um vínculo com a vaidade e, ainda assim, utilizar alguns recursos para sua proteção nas ruas. Calçados confortáveis e resistentes completavam o conjunto, preparados para longas caminhadas.

Foto: Isa Lutchtenberg
Foto: Divulgação/+Galeria
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Em contrapartida, o figurino de Leandro (Seu Jorge), marido abusador de quem a personagem Gal foge física e emocionalmente, precisava transmitir encanto e sedução. Logo, suas roupas são mais bem cuidadas e caprichadas, estabelecendo uma conexão visual com Gal por meio de cores que se complementam em suas poucas, porém significativas, aparições.

Esses são alguns dos muitos detalhes que eu e minha equipe incorporamos à concepção e à execução do figurino de A Melhor Mãe do Mundo. Minha pesquisa foi propositalmente pensada para ser invisível, refletindo a própria invisibilidade social das catadoras no país. Provavelmente, ele não será premiado e nós não seremos vistas, à semelhança dessas mulheres. Ainda assim, cada gesto invisível carrega marcas profundas em todas nós — equipe e catadoras. E, mesmo que passe despercebido, nos orgulhamos por ter dado vida a essa mulher que representa tantas outras.

Sucesso à personagem Gal, seus filhos e A Melhor Mãe do Mundo.


Agradecimentos especiais à minha equipe de figurino: Sarah Fialho, Carol Sabino, Catarina Rosa e Yuri Kobayashi.