Por Leila Monnerat

Temos acompanhado com preocupação as notícias sobre os impactos da tragédia climática no Rio Grande do Sul sobre a oferta dos alimentos no Brasil e a consequente alta dos preços. Itens tradicionais na mesa do povo brasileiro, como arroz e feijão, já sofrem oscilações no mercado. A inevitável escassez derivada das perdas agrícolas fez o governo federal autorizar a importação de arroz de países do Mercosul para evitar a especulação de preços. 

A medida provisória 1.217, recém-publicada no Diário Oficial da União, autoriza a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), “em caráter excepcional, a importar, no exercício financeiro de 2024, até um milhão de toneladas de arroz beneficiado ou em casca, por meio de leilões públicos a preço de mercado, no âmbito das compras do Governo federal, para recomposição dos estoques públicos”.

É aí que fica evidente a importância da formação de estoques públicos de alimentos para garantir o preço e a renda do produtor e também sustentar o abastecimento interno, tamponando oscilações nos preços. Esse é o papel da Conab, que sofreu um duro golpe desde 2019, durante o governo Bolsonaro. Acompanhamos o seu desmonte ao longo dos últimos anos e, em 2023, ela retomou a política de estoques públicos.

Exemplo de sua importância inegável tem sido seu papel junto ao Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) entregando 52.000 cestas de alimentos aos municípios gaúchos afetados pelas chuvas. Os alimentos, destinados num primeiro momento às cozinhas emergenciais, e depois aos demais pontos onde houver demanda, são artigo de primeira necessidade. 

Mas, para além da tragédia climática que atingiu o estado no extremo sul do Brasil, precisamos entender o que está por trás do comprometimento da oferta de alimentos em momentos adversos como esse e que poderão vir a acontecer novamente em função do colapso ambiental no planeta.

Já falamos que o RS é o maior produtor interno de arroz. Dados do Ministério da Agricultura e Pecuária em 2023 apontavam o estado contribuindo com quase 70% do arroz produzido na safra 2022/2023. No entanto, os indicadores do próprio governo publicados no ano passado estimaram redução na produção nacional de arroz e feijão, por exemplo, até a safra 2032/2033. As projeções seriam de queda de 2% para o arroz e 5% para o feijão. 

Nos últimos anos, a área destinada ao cultivo de arroz e feijão no Brasil tem encolhido substancialmente. Segundo a Embrapa Arroz e Feijão, houve uma redução de 39% na área de plantio de feijão-comum de 1974 a 2021. Já para o arroz, nos últimos 20 anos, a redução da área de cultivo foi de 60%, segundo a Conab. “Nossa preocupação central, apesar da safra recorde neste ano, foi com a redução da área plantada do arroz e feijão, a menor dos últimos 47 anos”, avaliou a Conab  no ano passado

O agronegócio tem optado por substituir o arroz e feijão pela soja e o milho, que são mais rentáveis (e alimentam o gado). Ou então transformar as áreas em pasto (e, mais uma vez, alimentar o gado). Fica claro que o investimento em monoculturas com o viés tecnológico do agro tem sufocado os cultivos tradicionais e variados, tão característicos da agricultura familiar e dos pequenos produtores.

Aí está a importância de haver um incentivo massivo na agricultura familiar Brasil afora. É preciso retomar para as mãos do povo o cultivo da terra, povo esse que produz 70% do alimento do Brasil, e não apenas ficarmos condicionados à meia dúzia de estados que detêm o poder do agronegócio. Também aí está a importância de investimentos governamentais para o fortalecimento da Conab, para que ela seja reestruturada – apesar de todo o desmonte do passado, que provocou o fechamento de 27 de suas unidades armazenadoras.

A insuficiência de um estoque regulador para equilibrar o mercado e superar momentos adversos – como o que estamos vivendo agora – atinge toda a população. E nos coloca reféns das leis de mercado (oferta x demanda). Obriga a importação e nos retira a autonomia, além de dar margem para preços abusivos que chegam até o lado mais fraco da corda: nós, consumidores e consumidoras que somos, e que precisamos nos alimentar diariamente. Ou seja, a falta de estoques públicos de alimentos fragiliza ainda mais a nossa situação alimentar diante das catástrofes e aos eventos climáticos extremos, que serão cada vez mais frequentes e intensos, segundo pesquisas científicas.

A capacidade que a Conab tem de exercer suporte técnico e operacional à agricultura familiar e em garantir a segurança alimentar do Brasil é inegável e precisa ser valorizada urgentemente. O episódio das chuvas no RS nos mostra isso. Torcemos para que, nos próximos meses, sejam implementadas medidas firmes para o fortalecimento da Conab e regularização dos estoques nacionais, que se tornaram insignificantes ao longo dos devastadores anos do governo anterior. Fortalecer a agricultura familiar e reerguer a Conab são caminhos para nossa soberania alimentar nos próximos anos. É uma questão de sobrevivência.

Com informações do MDS, MAPA, Conab e Embrapa.