Por Renan Cuel e Danilo Lysei, para Cobertura Colaborativa Paris 2024

O que é preciso para fazer história no esporte? 

Na Ginástica Artística Brasileira, são nomes que cravam essa resposta.

Neste movimento fascinante e envolvente que a modalidade tem, é importante refletirmos que para algumas aterrissagens extraordinárias acontecerem na atualidade, outros tantos saltos anteriores tiveram de abrir o caminho. E, em um país em que os holofotes miram o coletivo, a ginástica imperou sobre individualidades até chegar onde chegou.

A ginástica artística feminina brasileira teve altos e baixos em sua trajetória, mas o seu início e colocação no cenário mundial ocorreu somente em 1980, quando a atleta Cláudia Magalhães se qualificou para representar o Brasil nos Jogos de Moscou. Na sequência, a modalidade pode nomear Luisa Parente como a primeira ginasta a participar de duas olimpíadas: em Seul 1988 e Barcelona 1992. Dentre as pioneiras, Luisa foi finalista olímpica na edição de 88 e foi o maior nome na modalidade entre 1980 e 1990. Já nos anos 90 tivemos a brasiliense Soraya Carvalho, a ginasta que obteve classificação para os Jogos Olímpicos de Atlanta (1996), mas não pôde disputar devido a uma lesão no tornozelo.

Em 1995, Luisa Parente disputa sua última competição, o Pan de Mar del Plata – Foto: Edu Garcia/Estadão Conteúdo

Nomes que representam a forte raiz da modalidade que hoje é tão vibrada e reverenciada internacionalmente e pelo país – ainda que não o suficiente.

Por 20 anos, as participações em competições foram solitárias, até que em 2000 o Brasil enviou duas ginastas para Sidney: Daniele Hypólito, que foi 21ª colocada na classificação geral, aos 15 anos, e Camila Comin, que mais para frente estaria entre as melhores do mundo pela modalidade. Daniele foi a responsável pela primeira medalha individual de uma ginasta brasileira, uma prata em um Campeonato Mundial, na edição de 2001, em Gante, na Bélgica. 

E foi através deste caminho que, em 2003, Daiane dos Santos – brasileira que viria depois a ser considerada uma figura apoteótica da ginástica para as futuras gerações – torna-se primeira ginasta nacional, entre homens e mulheres, a conquistar medalha de ouro em uma edição do Campeonato Mundial em Anaheim, nos Estados Unidos. Além do lugar alto do pódio, a atleta fez parte da primeira seleção brasileira completa a disputar uma edição olímpica, nos jogos de Atenas. Fora as participações, Daiane conquistou o feito simbólico de nomear dois movimentos após ser a primeira ginasta no mundo a realizá-los: o duplo twist carpado (o Dos Santos I) e a evolução deste primeiro, o duplo twist esticado (ou Dos Santos II). 

Nas Olimpíadas de Atenas, em 2004, o Brasil teve sua primeira equipe completa no esporte. Ana Paula Rodrigues, Camila Comin, Daiane dos Santos, Caroline Molinari, Daniele Hypólito e Laís Souza formaram o time. Na disputa por equipes, elas atingiram o somatório de 147,345, em um resultado satisfatório: 9º lugar, mas ainda distante do pódio. Daiane era a favorita na final olímpica do solo, mas que terminou na 5º colocação, após uma falha.

Ainda nos anos 2000, outro nome brilhou sobre os aparelhos da modalidade: Jade Barbosa. Atleta que conquistou medalha de bronze no individual geral no Campeonato Mundial em Stuttgart, Alemanha, em 2007. No ano seguinte, competindo em sua primeira edição olímpica nos Jogos de Pequim, Daniele, ao lado de Jade Barbosa, Daiane dos Santos, Lais Souza, Ana Cláudia Silva e Ethiene Franco, conquistou a primeira e melhor colocação brasileira em uma final por equipes até então – a oitava. 

Na edição, Jade Barbosa classificou-se para três finais. Individualmente, Barbosa atingiu a melhor colocação nacional até então: o décimo lugar. Nos aparelhos, disputou o salto sobre a mesa, no qual caiu em suas duas aterrissagens e atingiu a sétima posição. E, por Equipes, a ginasta levou o Brasil pela primeira vez em uma final, na qual encerrou na oitava posição. Daiane disputou a final olímpica de solo e terminou na sexta colocação.

Ao final da década, Jade conquistou a medalha de bronze na prova de salto em Roterdã, Países Baixos, na edição de 2010.

Década de 2010

Daiane do Santos, Daniele Hypolitto

Em 2012, a seleção brasileira feminina de ginástica artística, composta por Daniele Hypolito, Daiane dos Santos, Bruna Leal, Ethiene Franco e Harumi de Freitas, foi eliminada dos Jogos Olímpicos de Londres depois de uma apresentação marcada por muitas falhas nas etapas classificatórias, não avançando para nenhuma final. Naquele ano, Jade Barbosa não foi convocada para a competição devido a problemas contratuais com a confederação. Já Lais Souza e Adrian Gomes chegaram a viajar para a capital inglesa, mas se machucaram e acabaram cortadas, sendo substituídas por Ethiene Franco e Harumi de Freitas, estreantes nos Jogos. Ao fim da edição, a equipe brasileira viveu também a aposentadoria de uma lenda: Daiane dos Santos encerrou sua carreira.

E como um livro, novos capítulos desta história foram iniciados chegando à evolução da modalidade que é hoje.

Em 2016, nas Olimpíadas do Rio de Janeiro, com uma equipe mesclada pela experiência e juventude, o Brasil brilhou e se reposicionou. Por equipe, Daniele Hypolito, Flávia Saraiva, Jade Barbosa, Lorrane Oliveira e Rebeca Andrade ficaram com a oitava colocação, igualando o feito de Pequim 2008. Rebeca Andrade disputou a prova do individual geral junto a Jade Barbosa, que entrou no lugar de Flávia Saraiva na final da prova – substituída após lesão na prova do solo. Andrade terminou a competição como 11ª colocada. Flávia Saraiva entrou para final de trave e terminou como quinta melhor do mundo na trave, igualando o feito de Daiane dos Santos no solo em Atenas 2004 como a melhor colocação de uma brasileira em Jogos Olímpicos. Daniele anunciou que essa seria a quinta e última Olimpíada da carreira. 

Em 2017, no seu primeiro Mundial, Thaís Fidélis surpreendeu e quase chegou ao pódio com a quarta colocação no solo de Montreal.

Década de 2020

Em 2019, o time não conseguiu se classificar e somente duas atletas foram para os Jogos Olímpicos em Tóquio 20/21. Rebeca Andrade e Flávia Saraiva classificaram para as disputas do individual geral e de aparelhos. Flávia Saraiva ficou na sétima posição na final da trave de equilíbrio. Já Rebeca conquistou duas medalhas olímpicas, uma prata no individual geral e o ouro na prova de salto. Com esse feito tão sonhado, Rebeca tornou-se a primeira ginasta brasileira a conquistar uma medalha olímpica.

Foto: Instagram

Nesse mesmo ano de 2021, no campeonato Mundial em Kitakyushu, Rebeca conquistou o ouro no salto e a prata nas barras paralelas assimétricas. Já no Mundial de 2022 em Liverpool, a ícone brasileira conquistou o ouro no individual geral e o bronze no solo.

Em 2023 no Mundial na Antuérpia, Rebeca supera Simone Biles e levou medalha de ouro no salto, prata no individual geral, prata no solo, bronze na trave e a prata por equipe – composta por Jade Barbosa, Rebeca Andrade, Flávia Saraiva, Júlia Soares, Lorrane Oliveira e Carolyne Pedro. Além da classificação para a disputa olímpica, a equipe brasileira feminina cravou o nome na história pela primeira vez ao conseguir uma medalha por equipe em um Mundial. Já Rebeca, com o feito, se tornou recordista individual brasileira com 9 medalhas em mundiais pela modalidade.

Da evolução à lenda, a ginástica cravou no cenário mundial o nome do Brasil. Em 2024, nos Jogos Olímpicos de verão em Paris, na Arena Bercy, a equipe feminina brasileira participou das classificatórias como uma das equipes favoritas, composta por Flávia Saraiva, Jade Barbosa, Júlia Soares, Lorrane Oliveira e Rebeca Andrade. As ginastas conquistaram o tão sonhado pódio, uma medalha de bronze por equipes, somando 164.497 pontos no total.

Rebeca Andrade repetiu o feito de Tóquio e ficou com a medalha de prata no individual geral com 57.932 pontos somados nos quatro aparelhos. Já na prova de salto, Rebeca conquista a medalha de prata, após fazer uma bela apresentação com a média de 14.966. Na final da trave de equilíbrio, Rebeca Andrade conquistou a quarta colocação. Como um dos nomes mais aclamados da edição, a ginasta ainda levou ao peito a medalha de ouro na final de solo, com a nota 14.166, superando a estadunidense Simone Biles. 

Na mesma edição olímpica, Flávia Saraiva terminou na 9ª colocação na final do individual geral, somando 54.032 pontos na média. A ginasta é a segunda brasileira na história a ficar entre as dez melhores ginastas do mundo. Por fim, Júlia Soares, estreante em uma final olímpica individual, conquistou o sétimo lugar na trave de equilíbrio.

Brasileiras criam movimentos

Além do desempenho esportivo, as atletas inovaram na modalidade criando movimentos. “Soares” é o nome da manobra que Júlia Soares utiliza para subir na trave e começar a série. Ela registrou oficialmente a entrada no código da Federação Internacional de Ginástica (FIG) em 2021. A marca registrada levou o sobrenome da atleta por nunca ter sido feito antes por nenhuma outra competidora.

Foto:Federação Internacional de Ginástica

Ainda, a ginasta Lorrane Oliveira acertou uma sequência inédita no solo, um duplo twist carpado com meia volta. A acrobacia foi uma evolução do movimento “Dos Santos”, que foi elaborado e executado de forma pioneira pela ex-campeã mundial brasileira. Com o feito, Lorrane escreveu o movimento “Oliveira” no código de pontuação da modalidade.

Hoje, Rebeca Andrade, a ícone nacional, tem um elemento ‘’novo’’ para apresentar, que pode levar seu nome: um Yurtchenko com tripla pirueta esticada (TTY). A atleta e os fãs esperavam para ver nas próximas competições. Rebeca não apresentou o salto nas olimpíadas de Paris 2024 por segurança; contudo, o elemento já estava pronto.

Desempenho inédito

Brasileiras conquistam medalha inédita na ginástica por equipes — Foto: Ricardo Bufolin/CBG

Ao final de Paris 2024, Rebeca totalizou seis medalhas olímpicas em apenas duas edições da competição, tornando-se a atleta com mais medalhas olímpicas do Brasil e uma referência mundial para a modalidade. Um desempenho inédito dentro da breve história da ginástica artística feminina brasileira, que caminha para alcançar muito mais. 

Hoje somos referência mundial, uma escola de ginástica.

Muitas atletas, muitos técnicos, muitas famílias, médicos, fisioterapeutas, psicólogos, nutricionistas, toda equipe multidisciplinar, todos os fãs, assim como os veículos de comunicação, fazem parte de toda essa história. São muitos detalhes envolvidos, muito tempo nos bastidores para fazer acontecer no momento principal. Nesse caminho, foram lesões, superações, muitos treinamentos, alguns abusos, muitos medos, muitos sonhos para a ginástica chegar nesse nível. Que possamos celebrar cada vez mais. Que possamos ter mais investimento no esporte, dos setores público e privado.

Todos envolvidos, merecem congratulações. Avante ginástica!