Flotilha indígena ruma a Manaus levando vozes e demandas por justiça ambiental à COP30
Um novo capítulo do diário de bordo da Caravana Yaku Mama que se aproxima do Brasil
por Lucía Ixchiú
A noite terminou com uma festa de resistência e dança, um brinde aos nossos mortos — líderes, defensoras, acadêmicos, artistas e comunicadores indígenas assassinados por proteger a terra, o rio e a água. Fazemos da festa um direito, e, a partir da dignidade, os nomeamos.
Partimos de Iquitos após o cinema flutuante na Ilha Bonita, na praia de Muyuna. Deixamos para trás a maior cidade do mundo acessível apenas pelo rio Amazonas e pelo ar — um território onde tentam impor uma megaestrada que ameaça toda a biodiversidade da região. No meio desse caos, resistem povos milenares, entre contradições e violências impostas.
Já rio adentro, no início da navegação, muitos sentimentos afloram. Lembro da minha família, da minha casa — a mesma para a qual não posso voltar agora, por causa da violência e da criminalização dos Estados. Há quem não goste do meu trabalho, embora ele nasça apenas do desejo de justiça e vida digna.
Esta viagem tem sido também um reencontro comigo mesma, com as diversas formas de me reconectar ao território — neste caso, com o rio Amazonas, que navegamos há vários dias.
Chegamos a Letícia, na tríplice fronteira colombiana, para traçar o rumo a Tabatinga e preparar a etapa final antes de seguirmos até Manaus. Sob o calor do meio-dia, subimos com malas, equipamentos e mais de 60 almas embarcadas nesta travessia. Havia pessoas à nossa espera, prontas para nos acolher e nos conduzir à casa que seria o nosso abrigo por alguns dias.
No dia seguinte, um festival de comidas indígenas nos recebeu, celebrando a diversidade dos povos que habitam essa região de encontro e resistência.
A OPIAC, Organização Nacional dos Povos Indígenas da Amazônia Colombiana, nos deu uma verdadeira aula sobre como se constrói, desde a base, um processo coletivo de defesa do território e das autonomias, articulando perspectivas e diálogos com diferentes instâncias.
A tríplice fronteira é um lugar incrível e, ao mesmo tempo, incompreensível — diverso, não linear, profundamente contraditório. É um território onde, em meio ao despojo, a vida insiste em nascer. Uma rua separa e divide o que antes era um só corpo, agora fragmentado pelas fronteiras dos Estados-nação, em meio ao contrabando de flora, fauna e pessoas.
Fomos a um parque na cidade de Letícia, onde os pássaros cantam ao cair do sol. Entre a diversidade de comidas, sabores e aromas, a selva nos envolveu com seu manto de sonhos, conectando-nos a um plano mais profundo do ser.
Para o meu povo, os sonhos fazem parte da existência. E, nesta viagem, ao chegar à tríplice fronteira, comecei a receber mensagens através deles. Uma avó veio me visitar em sonho — e ali, naquele encontro, encontrei minha casa. Dormir também se tornou um caminho dentro desta travessia.
No dia seguinte, navegamos até a fronteira com o Peru, onde fomos recebidos pela comunidade de San Juan del Barranco com cantos e danças do povo Tikuna. Também os izangos dançaram sobre nossos corpos.
Em meio à selva, cantamos e dançamos ao ritmo da cúmbia amazônica. Exaustos após uma partida de futebol com a comunidade — onde o Yakumama deu tudo em campo, mas acabou derrotado —, voltamos rio adentro, navegando de volta para casa.
No amanhecer seguinte, começamos os preparativos para zarpar rumo a Manaus.



