Por Lucía Ixchiú / Video: Cobertura Colaborativa Yaku Mama

A noite terminou com uma festa de resistência e dança que nos permitiu brindar pelos nossos mortos, por todos aqueles líderes, defensoras, acadêmicos, artistas, comunicadores indígenas assassinados por defender a terra, o rio e a água. Fazemos da festa um direito e, a partir da dignidade, os nomeamos.

Partimos de Iquitos após o cinema flutuante na Ilha Bonita, na praia de Muyuna. Saímos da cidade com mais mototáxis da Amazônia, a maior cidade do mundo que só tem acesso pelo rio Amazonas e por via aérea, onde querem impor uma mega estrada que representa uma ameaça para toda a biodiversidade da região. E no meio desse caos habitam povos milenares, entre a contradição e a violência imposta.

Já rio adentro, no início da navegação, muitos sentimentos afloram. Lembro da minha família, lembro da minha casa, a mesma para a qual não posso voltar agora por causa da violência e da criminalização dos Estados. Pois, embora não pareça, há pessoas que não gostam do meu trabalho.

Esta viagem também tem sido um reencontro comigo mesma e com as diversas formas de me conectar com o território — neste caso, com o rio Amazonas, que estamos navegando já há vários dias.

Chegamos a Letícia, na tríplice fronteira colombiana, para traçar rumo a Tabatinga e começar a preparar a jornada que nos levaria, nos últimos três dias, a pisar terra firme antes de partir para Manaus.

Sob o calor do meio-dia, subimos com as malas, os equipamentos, e as mais de 60 almas que embarcamos nesta viagem. Havia pessoas nos esperando para nos levar ao lugar que seria nossa casa por esses dias. No dia seguinte, um festival de comidas indígenas nos recebeu com a diversidade dos povos que habitam a região.

A OPIAC, Organização Nacional dos Povos Indígenas da Amazônia Colombiana, nos deu uma aula magistral sobre o processo construído desde a base para compartilhar suas perspectivas e diálogos com diferentes instâncias, com o objetivo de defender o território e as autonomias.

A tríplice fronteira é um lugar incrível e incompreensível, diverso e não linear, contraditório — um lugar onde, em meio ao despojo, nasce a vida. Uma rua separa e divide um território que foi cortado pelas fronteiras dos Estados-nação, em meio ao contrabando de flora, fauna, pessoas, etc.

Fomos a um parque na cidade de Letícia, onde os pássaros cantam ao cair do sol. Entre a diversidade de comidas, sabores e aromas, a selva nos abraçou com seu manto de sonhos e nos conectamos com o plano superior do ser humano.

Para o meu povo, os sonhos fazem parte da nossa existência. E nesta viagem, ao chegar à tríplice fronteira, comecei a receber mensagens através deles. Uma avó veio me visitar em sonhos, e ali encontrei minha casa. Dormir também se tornou um plano dentro deste trajeto.

No dia seguinte, navegamos até a fronteira com o Peru, onde fomos recebidos pela comunidade de San Juan del Barranco com cantos e danças do povo Ticuna. Também os izangos dançaram sobre nossos corpos.

Em meio à selva, cantamos e dançamos ao ritmo da cúmbia amazônica. Exaustos após uma partida de futebol na comunidade — onde o Yakumama deu tudo em campo, mas infelizmente perdemos —, voltamos rio adentro, navegando de volta para casa.

No dia seguinte, nos preparamos para zarpar rumo a Manaus.