A favela no enfrentamento à Covid-19
Frente ao abandono das favelas pelo governo, coletivos da Providência (RJ) se unem para a instalação de pias com água e sabão nos muros do Morro.
Em meio à pandemia do novo coronavírus, doença que no Brasil já matou mais de 23 mil pessoas, coletivos do Rio de Janeiro se reúnem na luta pela proteção dos moradores de favelas. Conforme dados divulgados pelo aplicativo lançado no início deste mês pelo Voz das Comunidades, que armazena informações sobre a Covid-19 nas favelas em tempo real, até agora, são cerca de 827 casos confirmados da doença e 201 mortes.
* Última atualização dos dados feita em 25/05/2020 às 18h25.
O Morro da Providência, a primeira favela carioca, localizado na zona portuária da cidade, assim como outras comunidades, está enfrentando a pandemia por meio da colaboração dos seus moradores e coletivos locais que pensam em ações emergenciais de combate à proliferação do vírus. Com pesquisas em andamento, mas ainda sem nenhum tratamento para o novo coronavírus, a Organização Mundial da Saúde (OMS) permanece reafirmando a importância da lavagem das mãos, uma alternativa eficaz na prevenção de infecções graves. De acordo com cientistas, o coronavírus possui uma cápsula de revestimento feita de proteínas e lipídios, ou seja, de gordura. O sabão tem a capacidade de destruir esse envoltório por conta da sua composição, evitando assim que a pessoa seja contaminada com a Covid-19.
De modo a incentivar essa prática na Providência, o fotógrafo Maurício Hora, e a sua companheira, Alessandra Roque, são os idealizadores do projeto de instauração de pias nos muros da favela. Em entrevista, Hora conversou comigo sobre essa ideia que leva a principal forma de prevenção contra o coronavírus para os moradores.
— A ideia surgiu em março, mas só no início de abril pudemos colocá-la em prática. A minha esposa, Alessandra, já produz sabão e distribui para alguns moradores da Providência. Eu e ela estávamos conversando sobre a melhor maneira de combater o vírus aqui no Morro e, por ele estar envolvido em uma membrana, pensamos que água e sabão seriam as melhores opções. Foi assim que surgiu a ideia de instaurar pias com água e sabão nas ruas e vielas.
O vírus que assola o mundo não resiste a essa dupla combinação, no entanto, surgiu o primeiro desafio do projeto. Em grande parte do Morro, as pessoas não têm acesso à água todos os dias. Não havia a possibilidade de lavar as mãos em um dia e no outro não. E ao nos depararmos com essa realidade, a única solução que nos restou foi colocar uma caixa d’água para abastecer as 56 pias que colocamos até o momento. Cada pia possui uma caixa d’água.
Assim que implementamos as primeiras pias, ouvimos relatos dos moradores como: “o povo vai quebrar!”. Mas a surpresa veio com a adesão imediata. Nós começamos a ser parados nas ruas por pessoas que pediam para a gente colocar uma pia perto da sua casa. Dentre as que instauramos, as localizadas no Túnel João Ricardo, Gamboa, Rio de Janeiro, têm uma maior utilização. Elas foram pensadas para atender os moradores que transitam no local e que sobem a favela e também para dar suporte aos moradores em situação de rua, próximos à região da Central do Brasil, que utilizam as pias até para escovarem os dentes.
Para a realização dessa ação, nós estamos contando com o apoio de alguns coletivos do Morro. Estamos tendo a colaboração da Casa Amarela, centro cultural e artístico, do Entre o Céu e a Favela, projeto sócio-cultural, e da Horta Inteligente, rede de conscientização socioambiental. O artista Diego de Deus, da Providência, também está nos ajudando. Ele fez um stencil com o nome do projeto “Lave as mãos” que é colocado nos muros onde instauramos as pias.
Se o mundo mudou por causa do coronavírus, a fotografia reflete essas mudanças
Sem os eventos artísticos e culturais na favela, Douglas Oliveira, mais conhecido como Dobby, fotógrafo da Casa Amarela, centro artístico no Morro da Providência, tem registrado, no momento, somente ações de combate à Covid-19. Se há seis meses, ele compartilhava em suas redes sociais fotografias dos cantores Pharrell Williams e Anitta, que participaram de um grande evento no Morro, o Planeta Ginga, hoje, são as atividades de enfrentamento ao coronavírus que ganharam espaço em sua câmera.
Ele está registrando as instaurações das pias com fotos e vídeos, trazendo um olhar sensível que desconsidera a exposição dos moradores em situação de vulnerabilidade social.
“A fotografia nesse e em outros momentos sempre será histórica”, diz.
Em cada estado do país é possível perceber diferentes medidas tomadas pelos Governos de combate ao coronavírus, como a dedetização nos principais acessos das cidades, mas nas favelas e periferias do Brasil os governantes agem com abandono. Douglas é enfático ao dizer que “O que estamos fazendo, hoje, no Morro, em meio a essa pandemia, precisa ser mostrado, porque aqui são somente os moradores que estão agindo contra o vírus. Somos nós por nós.”