À espera de uma prisão política
Lula fez da esquerda um movimento passível de mandato e de concretude. E por isso estar ao seu lado neste momento é imprescindível. Leia mais
Faz 24 horas e 30 minutos. Por alguns segundos tínhamos a certeza que ele iria se entregar no horário estipulado. Sábado, 5 da tarde Lula estaria preso. Mas, não. O que aconteceu foi que militantes, o Sindicato dos Metalúrgicos, Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, pré-candidatos a cargos políticos, artistas, padres, fotógrafos e jornalistas ficaram 24 horas e 30 minutos em vigília pelo presidente Lula. E é com esse comportamento dos principais setores da esquerda que temos a certeza que o presidente não irá ficar sozinho. Um quarto com cama e chuveiro quente, um luxo frente ao cárcere comum, não será o suficiente para calar Lula.
Hoje talvez seja um dos dias mais importantes para o movimento de esquerda do Brasil. Esse fervor que sentimos, essa mobilização que uma vez tivemos com força, grande parte de tudo que conhecemos como método de política institucional de esquerda, veio do Lula e da sua trajetória como presidente. Devemos colocar pontos nos i’s, sabemos que o presidente não está por fora dos grandes acordos da política capitalista, não está inconsciente dos seus atos para garantir os direitos humanos básicos de parte da população pobre. Não está, e justamente por ser essa pessoa que negocia, que fala e conquista, aconselha, abraça e leva palavras de ordem, Lula fez da esquerda um movimento passível de mandato e de concretude.
Nós, de esquerda, devemos acalmar os animais nesses momentos. Tomar cuidado para não colocar as reflexões erradas. Não se deve comparar o Lula com nenhum político do movimento negro ou indígena , não se deve comparar o encarceramento de Lula com nenhum encarceramento proveniente do plano de genocídio da população negra. Sejamos sensatos. Nosso contexto é de viver em um Estado Capitalista Burguês comandado por burgueses brancos e homens. Mesmo Lula, um homem que conseguiu se infiltrar nessa classe de pessoas, está sendo preso. Imagina a gente, meros militantes, como vamos ficar?
Lula é sim nosso símbolo, e nas últimas 24 horas e 30 minutos o aperto foi grande. Pensei no acesso a cultura que tive nos últimos 14 anos, nas discussões que eu pude acompanhar, no início da minha militância. A estrelinha vermelha sempre esteve presente. E, mesmo agora, entendendo as ações de Lula, algumas que discordo profundamente, sinto, sinto muito pela prisão.
Mais uma vez, insisto em tirar deste momento algo de produtivo, de pontapé. Talvez esse algo possa ser a experiência da Mídia Ninja em tudo. Algumas coisas permanecem em sigilo nosso, pela integridade de nossos jornalistas e fotógrafos de guerra, no entanto afirmo com toda certeza, nossa cobertura é implacável. A mobilização de todo o time de São Paulo, somando com pessoas de outros estados, promoveu para os acompanhantes da mídia independente a experiência de ver os fatos através da lente de quem acredita no Lula. Não está sendo fácil, cada clique dados pelos companheiros e companheiras é uma certeza de que ninguém está bem.
Cada ameaça de Lula sair, é a convicção de que a polícia pode chegar, que o avião vai decolar, e que lá em cima ninguém irá saber o que o presidente estará pensando.
A experiência do jornal independente é humana e viva.
A experiência de ter o presidente preso injustamente é humana, viva , tem classe, gênero e raça. Como mulher negra, que enxerga as coisas para além da palavra “trabalhadores”, para além da palavra proletário, está sendo dolorido.
Isabella Alves é mulher negra em movimento, compõe o coletivo Quilombo XXIII, no Jd. João XXIII zona oeste de São Paulo. Também estuda Letras na Universidade de São Paulo e colabora com a Mídia Ninja com textos.