“É óbvio que ocupar espaços e avançar provocaria revolta de frentes conservadoras” instiga o artista Zeus Achetti

O artista Zeus Achetti dá vida à Drag Amarela (Foto: Arquivo Pessoal)


Por Luiz Vieira

Zeus Achetti vem se destacando na cena drag por inúmeros motivos, e um deles é exatamente a sua ousadia como artista que busca deslocar o olhar para além das fronteiras dos estereótipos do que é ser drag. Com uma trajetória de 10 anos trabalhando em um instituto cultural, o artista também bebe desta fonte para deixar a sua drag, que carinhosamente chama de tela, ainda mais criativa, visando buscar novos tons e contornos para sua obra de arte.

O artista também revela que, montado, recebe muitos olhares quando transita nas ruas e transportes públicos da cidade de São Paulo. Olhares de admiração, olhares de repulsa, olhares de aprovação e reprovação, olhares. Mas o mais interessante nesse jogo social todo, é a certeza que tudo isso potencializa ainda mais a sua existência.

Leia com muito afeto, amor e carinho. Com vocês, a Drag Amarela:

O que é a Drag Amarela?

A Drag Amarela é uma provocação. É uma tela. Uma instalação. Engraçado que embora a caracterização amarela não seja a única que faço – talvez, sim, a mais frequente –, ela se tornou uma marca, e mesmo eu estando de outra cor, as pessoas me param e perguntam: “Você é a Drag Amarela, né?”. Eu brinco dizendo que: “ Às vezes rosa, às vezes verde e, às vezes, garotah, mas sempre amarela!”.

A Drag Amarela é a vitrine onde exponho minhas pesquisas sobre decoupage de luz, construindo formas, cores e texturas como motor de afeto. E tudo isso ganha vida, quando concentro este resultado na construção da persona, entendendo todo o conjunto quanto à construção da encenação. Nunca uma personagem, mas sempre uma trajetória. A ideia nunca é retratar um indivíduo específico, mas sempre um estado de comportamento. Isso nunca anula quem Zeus é, e o quanto existe dentro disto, pois se deleita em todas possibilidades de existir.

De que maneira o movimento drag te deslocou como artista e sua forma de produzir arte?

O movimento drag me possibilitou dialogar com a minha arte para além das redes sociais e da relação palco/plateia. Eu existo no elevador de casa quando alguém me vê pelas câmeras de segurança, eu existo no Uber que me pergunta se estou indo pra uma festa fantasia, existo nos olhares de elogios e de julgamentos dentro dos metrôs e nos olhares e afetos trocados pessoalmente nos espaços que ocupo.

“A arte drag me permite levar questões em um âmbito social de fácil acesso, e faço questão de provocar, gerar reflexão e diálogo em todos os encontros possíveis. Sou meu próprio diretor, encenador, figurinista, maquiador e tela. Toda vez que me maquio, é como se estivesse pintando um quadro em um processo diferente e único, e quando saio de casa estou em exposição.” diz Zeus

Você acredita que a pauta LGBTQIAPN+ avançou no Brasil?

Acredito que sim! Tem sido um processo delicado e ainda temos um longo caminho pela frente, mas tem sido motivador ver cada vez mais a comunidade ganhando espaço nas mídias, na política, nas ruas… Sinto que estamos fazendo nossa própria visibilidade e ocupando espaços onde sempre existimos e muitas das vezes não éramos reconhecidos. Tudo isso gera representatividade, gera imagens onde as pessoas podem olhar e se sentir parte, que podem ser e estar. Me sinto representatividade sendo um artista LGBTQIAPN+, e sinto muito orgulho disso. É óbvio que ocupar espaços e avançar provocaria revolta de frentes conservadoras e temos visto isto acontecer, mas sinto que estamos caminhando cada vez mais fortes.

Quais são as suas maiores referências na música, na literatura, no cinema, nas artes plásticas, entre outros segmentos, para compor a Drag Amarela?

Minha drag é o encontro de duas trajetórias. De um lado trago referências cênicas da minha vivência com o teatro, onde surgem imagens como Bob Wilson e sua forma de se relacionar com espaço, e Kazuo Ohno e sua forma de se relacionar consigo mesmo. Do outro lado, bebo da inspiração direta em trabalhar 10 anos em um instituto cultural, onde imagens como Yayoi Kusama e Julio Le Parc surgem me trazendo grandes provocações sobre luz, cores e formas.

Dessa minha trajetória no instituto, não poderia deixar de citar o quanto a vivência com artistas designers independentes como Lúcia Higuchi, Áurea Sacilotto, Vera Monfort, Lu Podboy, Samantha Ortiz e Hedva Megged, sempre me acrescentaram, ao bom gosto e suas formas tão particulares de se relacionarem afetivamente com a arte.

Quando penso em personalidades de referência voltada para a arte drag, a imagem de Beyoncé e de Sasha Velour aparecem lado a lado, pela competência, originalidade e olhar empático social.

De que forma o amor pode mudar o mundo em um instante?

Quando compreendido em sua totalidade e complexidade. Em uma carta de Paulo aos Coríntios, ele qualifica o amor como algo paciente e benéfico, que não se ensoberbece, que não procura seus próprios interesses, que não se ressente do mal e não se alegra com a injustiça, que tudo sofre, tudo crê, tudo espera e tudo suporta. O mesmo ainda titula amor como maior até que o firme fundamento naquilo que não se vê mas se sente, e ainda afirma em sua análise que ainda que fosse santo ao ponto de dizer a língua dos anjos e conhecer todos os mistérios dessa terra, sem amor tudo isto seria inútil. O amor testa a própria fé, independente de em o que ela é. O amor é empático e solidário. E o mundo carece disso.

Qual legado você quer deixar com a sua arte?

Que as pessoas podem e devem ocupar todos os espaços com suas artes e de cabeça erguida. Mostrar a importância das pessoas serem elas mesmas, acreditarem em seus potenciais e sempre levarem suas essências com amor. Instigar artistas a experimentar novos materiais e novos símbolos e seguir em seus processos de pesquisa, sem receios de reprovação. Levar a arte como um respiro de humanidade.

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