A culinária ancestral ocupa o Psica
No Psica 2025, culinária ancestral vira ato político: mulheres negras afirmam identidade, memória e resistência nas barracas
Por Paulo Gama
No Festival Psica 2025, a culinária ancestral ocupa um lugar político central. Mais do que sustento para a maratona de shows, as barracas da Feira Mediciland, comandadas por mulheres negras e tradicionais afirmam a presença de saberes historicamente marginalizados, transformando a praça de alimentação em território de identidade e resistência.
Visibilidade e resistência quilombola
Na barraca Delícias Quilombola, Cleide Costa, de 37 anos, pedagoga, acompanha a família na missão de levar a herança marajoara para dentro do Psica. “Eu tô acompanhando os meus tios aqui no Psica, trabalhando com nossa comida, a comida da nossa família, que é uma herança ancestral”, conta.

Pratos como pirarucu e o “frito do vaqueiro” atravessam gerações e ganham visibilidade em um dos maiores festivais da Amazônia. Para Cleide, estar no Psica é um gesto político: “A nossa cultura, ela fica muito escondida. Um festival do tamanho do Psica, ele é super importante para trazer essa janela para a gente. Não somente para a cultura musical, mas também a nossa culinária. Nada mais, nada menos do que trazer essa cultura da nossa negritude, né? Do nosso quilombo, das nossas indígenas, porque é uma mistura. O pessoal Marajoara é um povo caboclo, uma mistura de negro e uma mistura de indígena.”
Ao oferecer a comida do quilombo, a barraca se torna também espaço de educação e reconhecimento, onde o sabor carrega território, ancestralidade e história de luta.
Comida de matriz africana como afirmação cultural

Em outra barraca, o cheiro do azeite de dendê anuncia a presença das tradições de matriz africana. O preparo do acarajé, atravessado por ritual, memória e espiritualidade, vai além da gastronomia. “Alimenta também a alma. A gente faz o possível para trazer aquele resgate ancestral”, afirma Carla Azevedo, cozinheira e mulher do candomblé.
Carla conta que, muitos que passam pela barraca de acarajé ficam encantados com o cheiro de dendê. Ela explica que o fascínio pelo aroma do dendê é ancestral: “É porque lá nos nossos ancestrais, a gente trabalhava muito com o dendê. Eles são apaixonados pelo cheiro de dendê por conta dos nossos ancestrais.”

No festival, o acarajé é servido com vatapá, caruru e camarão, numa adaptação comercial de um alimento sagrado. No terreiro, o consumo é outro: “só o bolinho frito, temperado com sal e a cebola”, marcando a diferença entre o rito e a celebração cultural levada ao público.
A culinária ancestral no Psica 2025 revela que a disputa por espaço não acontece apenas nos palcos. Ela se dá também nas panelas, nos temperos e nas mãos que cozinham. Ao consumir o pirarucu ou o acarajé, o público não apenas se alimenta, mas reconhece a força política de mulheres negras que fazem da comida um instrumento de preservação cultural, afirmação identitária e (re)existência em um festival que também é território de luta.



