A crise é climática e de saúde
As mudanças climáticas já impõem pressão significativa sobre os sistemas de saúde e alteram de modo desigual países em desenvolvimento, como o Brasil
por Paula Cunha
As mudanças climáticas já impõem pressão significativa sobre os sistemas de saúde e alteram de modo desigual países em desenvolvimento, como o Brasil. Eventos climáticos extremos (como secas, chuvas torrenciais, ondas de calor, tempestades, incêndios florestais), elevação do nível do mar (por causa do calor) e alterações nos padrões de chuva intensificam essas desigualdades e têm como consequência a propagação de doenças sensíveis ao clima, mortalidade por calor extremo, deterioração da qualidade do ar e insegurança alimentar e hídrica.
O relatório especial divulgado pela OMS e o Ministério da Saúde na última quinta (13/11) revelou que mais de 540 mil pessoas morrem por calor extremo todos os anos e 1 em cada 12 hospitais no mundo corre o risco de paralisação por questões relacionadas ao clima.
A opinião dos envolvidos é que destinar recursos suficientes à adaptação em saúde já protegeria bilhões de pessoas e manteria estruturas essenciais funcionando durante choques climáticos, momento em que a população mais precisa desses lugares. A intenção é que as unidades de saúde estejam adaptadas a enchentes, calor extremo e outros eventos climáticos com foco nas populações vulneráveis para reduzir desigualdades e proteger quem mais sofre com os impactos. O relatório enfatiza que as estratégias de adaptação podem falhar se não abordarem as causas profundas da desigualdade na saúde.
Tedros Adhanom, diretor da OMS, reforça o pensamento de que o nosso mundo é desigual e o local onde nascemos , crescemos, vivemos, trabalhamos e envelhecemos influencia claramente em nossa saúde e bem-estar. As desigualdades na saúde estão fortemente ligadas aos níveis de desvantagem social e discriminação. Quanto mais desfavorecida a área em que as pessoas vivem, menores serão suas rendas, elas terão menos anos de educação, saúde pior e menos anos saudáveis de vida. Um dos exemplos mais claros disso é o fato de pessoas indígenas terem menor expectativa de vida do que pessoas não indígenas, tanto em países de alta, quanto de baixa renda. Isso precisa mudar.
O Plano de Ação em Belém para a Adaptação dos Setores de Saúde às Mudanças Climáticas propõe, por exemplo, fortalecer sistemas de saúde integrados de vigilância e monitoramento. Trata-se da criação de uma vigilância climática e sanitária integrada, que seja capaz de cruzar dados da saúde e do meio ambiente. A intenção é que Estados e municípios possam identificar com antecedência riscos, como ondas de calor, aumento da poluição, mudanças na qualidade da água e proliferação de doenças vetoriais. A integração dos dados ambientais e de saúde é vista como estratégica diante de episódios recentes, como o das enchentes no Rio Grande do Sul e as queimadas no pantanal. A ideia é que, com base nesses alertas, sejam criados protocolos de resposta rápida como, por exemplo, a suspensão temporária de atividades ao ar livre quando os níveis de material particulado (mistura de partículas sólidas e líquidas suspensas no ar) ultrapassarem limites seguros.
Também propõe implementar políticas baseadas em evidências com a preparação dos serviços de saúde. Algumas doenças já apresentam mudança no perfil, como a dengue. No fim dos anos 1990 não existia dengue na cidade de São Paulo, porque a temperatura média durante a madrugada impedia a proliferação do mosquito. Menos de 15 anos depois, a capital teve o seu maior surto e, neste ano, o Estado de São Paulo concentra quase 80% das mortes por dengue no país. Com base num sistema que integra dados climáticos e de saúde, é possível prever que temperaturas acima de 40°C aumentam os atendimentos em unidades de saúde, assim como os níveis mais elevados de poluição do ar. O plano também sugere estimular a inovação e o desenvolvimento digital para o atendimento a comunidades remotas. No início do ano, Breves (PA) registrou 42 casos de febre amarela e 7 óbitos provocados pela doença. A secretária de Saúde do município de Breves, Jucineide Alves Barbosa, associa esse surto epidemiológico às dificuldades de deslocamento da população aos equipamentos de saúde. Existem comunidades que estão a 14 horas da sede de Breves, o que torna todo o processo de resposta a um surto de febre amarela muito mais complexo e demorado.
Outro ponto importante destacado pelo Governo Federal, é a oferta de suporte psicológico para as pessoas que sofreram com os eventos climáticos, como moradores que perderam suas casas e comércios e começaram a lidar com quadros de ansiedade e depressão. Por fim, é importante saber que o uso da telemedicina pelo Sistema Único de Saúde (SUS) pode ajudar a reduzir as emissões de carbono evitando longos deslocamentos de populações vivendo fora dos grandes centros ou em áreas de difícil acesso. É o ‘’levar saúde ao invés de trazer o paciente’’. O Ministro da Saúde, Alexandre Padilha, comemorou o dia dedicado à saúde na COP 30 por ser a primeira vez que o tema saúde foi abordado numa agenda oficial.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) afirma que a crise climática poderá matar mais de 200 mil pessoas por ano entre 2030 e 2050 por doenças relacionadas ao aumento extremo da temperatura. E o que colabora com o aumento da temperatura? A ação humana. A nossa realidade precisa mudar e isso tem que acontecer rapidamente. ’’ Não é só mitigação, a gente precisa adaptar, já, os sistemas de saúde para salvar vidas hoje’’.
Enquanto pesquisava sobre o tema, lembrei de um vídeo dos Médicos Sem Fronteiras (MSF)que me marcou. Ele reforçava que saúde não é só ausência de doença, é poder trabalhar sem passar mal de calor, ter acesso a água limpa, não perder tudo em uma enchente e não precisar escolher entre respirar ou dormir.



