A COP26 é nossa, mas nem tanto
Para começar, a informação não chega para todos; e ainda, as decisões são de poucos que levam sempre em conta suas prioridades
Kawê da Silva Veronezi*
Maria não sabe ou entende o que de fato é discutido na 26ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas COP26). Talvez Glasgow – cidade onde ocorre o evento global – lhe pareça distante ou as discussões devam ser desimportantes, porque o representante máximo da nação, não está lá.
Do mesmo modo, João desconhece que o relatório anual da ONU mostrou que o ser humano é responsável pelas alterações climáticas da Terra. Mas sabe ele também, que as decisões tomadas por líderes mundiais na COP26 vão mudar suas vidas, para o bem ou para o mal.
Talvez, Maria e João só passem a conhecer mais sobre a COP26 por uma rede de desinformação via Facebook, Instagram ou WhatsApp, ou ainda pelo discurso parcial de meios de comunicação hegemônicos.
Arrisco-me a dizer que os temas que embasam a discussão da COP nem fazem parte do vocabulário deles – estes poderiam ser meus pais, um amigo, um vizinho. Mudanças climáticas, impactos socioambientais, aumento da emissão de CO2, utilização de energia limpa, entre outros temas, não passam de conceitos desconhecidos, complicados e inacessíveis para muitos brasileiros.
Nessas suposições, como em outras possíveis realidades, um ponto é importante: é estratégico que a população não saiba o que está acontecendo. Assim é mais simples efetivar o efeito da realidade simulada (leia-se fake news) e negar as consequências de modos de produção e políticas econômicas que destroem a natureza.
Enquanto a população é manipulada para o consumo, uma pequena parcela. Justificando a necessidade de produzir mais e mais, mata defensores de direitos humanos e ambientais e engana a opinião pública em nome do tal desenvolvimento, reforçando isso em emissoras tradicionais. Investindo no discurso que querem difundir. Estas, o reproduzem, porque afinal, é assim que suas atividades são mantidas.
Com isso uma preocupação muito apontada por cientistas comunicólogos é evidenciada: para que ocorra uma pressão social que coloque um ponto final nesse desenvolvimento que desmata, empobrece e aquece o planeta, a sociedade precisa ser letrada para discutir, cobrar e ocupar espaços de tomada de decisões. E a comunicação aliada ao processo de aprendizagem (a educação não-formal, por exemplo) é fundamental para isso.
É preciso mais
Na cidade ou no campo, todo mundo deve se ligar na COP26 e isso não acontece sem um trabalho de base. Com isso quero dizer: é preciso um processo consciente que informe a população a real finalidade da COP26, que relembre a história por trás da urgência das decisões, que prepare os cidadãos para compreenderem quais medidas são necessárias e que haja uma construção coletiva de como colocar em prática as necessidades para reduzir os impactos humanos.
Por mais que haja delegações que garantam uma mínima representatividade na conferência, é preciso mais. Mulheres por exemplo, negras periféricas e indígenas, têm de ter espaço de fala, afinal, são das mais impactadas pela crise climática. Mas as discussões ocorrem a portas fechadas.
É urgente a garantia de pluralidades de vozes nesses espaços de decisão tão quanto é preciso que o debate seja apropriado pelas diversas pessoas do Brasil – e do mundo. Me atrevo a afirmar que fomentar a compreensão popular acerca das complexidades que envolve as temáticas do clima é incentivar o protagonismo cidadã pela conquista da soberania popular.
Plano conjunto
Integrar os interesses globais com a realidades locais, pode trazer soluções que resolvam os problemas estruturais – como a fome, o desemprego, a pobreza, as desigualdades, entre outras mazelas, realçadas pelas mudanças climáticas. E essas soluções devem, por natureza, sugerir uma organização social que tenha como pressuposto para o desenvolvimento os cinco princípios alinhados à sustentabilidade pela Agenda 2030: pessoas, planeta, paz, prosperidade e parcerias.
Observa-se ainda a falta de simetria neste debate ambiental. Os grandes representantes do agronegócio possuem condições para marcar presença na COP-26, adotar discursos capazes de reverter a imagem negativa do agronegócio e assumir compromissos de reduzir emissões. Eles são capacitados para serem inseridos nesses espaços, saberem como discutir as problemáticas e a maquiarem suas responsabilidades com ações de redução que na prática não cortam as raízes dos problemas.
Enquanto os pequenos agricultores não possuem condições para ocuparem esses espaços de decisões e visibilidade global. Sendo que são esses que apresentam soluções possíveis e já implementadas para salvar o meio ambiente e reduzir as desigualdades, porém não são convidados e muito menos capacitados para debaterem quais caminhos as Nações precisam seguir.
Autoproteção
Assim como diz o jornalista Claudio Angelo, no 192ª episódio do Vozes do Planeta: “os países não vão para as conferências do Clima para proteger a humanidade. Esses países vão para a conferência do clima para se proteger das decisões da conferência do Clima”. Em sua fala, reafirma-se a hipótese de que quanto menos público for ao debate, menos prático as ações precisam ser.
É como se os grandes responsáveis pelas mudanças climáticas organizassem uma conferência para minimizar suas responsabilidades com promessas vazias. Um mecanismo para construírem uma narrativa que beneficiem o modelo de produção poluente que os mesmos desenvolvem e a ciência condena por não apresentar soluções inovadoras. Funciona como um evento de gestão de crise, não de progresso global por um acordo sustentável de desenvolvimento.
Por isso é importante refletir sobre o valor estratégico da COP-26. Será que ter a população restrita de informações não é que possibilita que medidas mais radicais sejam acordadas? Não é o que faz com que as grandes empresas que poluem tanto e não são taxadas continuem ganhando espaços no mercado global?
Debate público
Sem uma sociedade preparada para cobrar ações práticas das decisões tomadas na cúpula, é mais fácil driblar a imprensa e direcionar a opinião pública. Sem debate público acessível à população, não é efetiva a deliberação e muito menos práticas de real interesse de soberania popular. É como se tentassem impedir o processo de consciência coletiva de que é o modelo capitalista que estrutura o alto índice de emissão de CO2 (dióxido de carbono) – que causam as alterações climáticas.
Para finalizar, penso que precisamos estar atentos para a circulação da informação – e combater a desinformação e os negacionismo científico e ambiental, tanto quanto pressionar para resultados efetivos em reuniões e cúpulas globais. No entanto, assim como falou Greta Thunberg em Glasgow, não será daquela reunião que sairá a mudança necessária. A jovem ativista pelo clima afirma que os chamados líderes da Conferência fingem se preocupar com os reais problemas, decorrentes da destruição ambiental. Por isso, Greta afirma que “os verdadeiros líderes somos nós”.
Sejamos mais líderes, na construção coletiva da consciência de que é preciso agir. Sejamos mais indígenas, os verdadeiros protetores de nossas florestas. Sejamos a juventude que luta pelo futuro. Que tudo o que está acontecendo com as populações pobres no mundo, os mais vulneráveis às consequências das mudanças climáticas – possa unir todos e todas que estão fora das conferências e efetivamente não querem deixar ninguém para trás.
Precisamos exercitar, conversar e incluir mais gente. Ampliar o debate, afinal, Maria e João podem e devem participar dessa luta contra a destruição da humanidade.
* Artigo/Opinião: Kawê da Silva Veronezi, participa da Cobertura Colaborativa NINJA na COP26
A @MidiaNinja e a @CasaNinjaAmazonia realizam cobertura especial da COP26. Acompanhe a tag #ninjanacop nas redes!